Filosofia
A crise existencial, por Marcelo Jucá
Manual prático para assumir e enfrentar o problema que assola homens e mulheres de qualquer idade.
Mão elevada e com o punho fechado para apoiar o queixo. Olhar profundo, distante, perdido... É muito fácil associar essa posição à de um filósofo vagando entre ideias, como O Pensador, a famosa escultura de Auguste Rodin. Mas, afinal, no que o solitário estaria pensando? Em como pagar o aluguel, dizer àquela bonita moça que a ama ou está próximo de um insight filosófico que o faria questionar o que raios ele estava fazendo parado ali? Estaria ele em crise existencial?
Pois é, o ato de questionar a vida pode trazer sentimentos ingratos e que põem na mesa dúvidas pertinentes (ou aquelas nem tanto) que nos fazem parar e prestar atenção em por que razão existimos. Penso, logo existo? Que nada! Penso, logo entro em crise. Afinal, quem nunca ficou angustiado com as dúvidas e mistérios da natureza humana?
As crises existenciais não têm hora, lugar ou uma razão específica para estourar. De uma forma geral, tudo pode ser motivo para ela chegar de mansinho e se apoderar dos nossos pensamentos: uma página em branco, odiar o emprego, não arranjar uma namorada bacana (ou até uma que nem seja tão bacana assim...), uma família estranha, a aparência fora do padrão ? ou tudo isso ao mesmo tempo. Essas são castrações modernas suficientemente poderosas para desequilibrar qualquer cidadão. E os resultados delas podem variar entre choros parciais, choros constantes, depressão e até, nos casos extremados, suicídio.
?Mas como ninguém pensou em solucionar isso antes??, pode se angustiar o leitor. O fato é que já se pensou, sim. Desde Sócrates, pelo menos. Tanto que o ato de filosofar surge, de certa forma, dessa premissa: a de observar, investigar e compreender toda a miscelânea de sentimentos que formam o Homem.
Evolução da espécie
Pensar e refletir a respeito de ?o que é o amor?, ?o que é a morte? e ?por que eu não tenho um conversível?, entre tantas outras charadas, é uma prática que toca muita gente. Os questionamentos são naturais, fazem parte da nossa natureza, e a razão de nos perguntarmos é porque existe algo ali fazendo cócegas, causando certo incômodo... Só que de tanto refletir, algumas verdades vieram à tona. E saber lidar com elas foi essencial para a evolução da espécie. A coisa começou mesmo a ficar feia quando o Homem foi destituído do status de ?o? ser superior do universo.
O primeiro a contribuir com essa questão foi Nicolau Copérnico, que jogou, digamos, o problema no ventilador quando provou que a Terra não era o centro do sistema solar. Em seguida, Charles Darwin nos apresentou a Teoria da Evolução, confirmando que nossas raízes nos ligavam, quem diria, aos primatas. E há pouco mais de um século Sigmund Freud desandou de vez o caldo ao descobrir o inconsciente e, com isso, afirmar que não somos exatamente donos do nosso nariz.
As três teorias acertaram em cheio o ego da sociedade. Com o espelho do Narciso arranhado, tomou-se consciência de que tudo poderia ser motivo de dúvida. Na insegurança e desorientação das massas, o capitalismo fez sua mágica. Além do coelho, tirou da cartola casas, carros, videogames, roupas e tudo o mais para nos desviar o foco das angústias. Porém, isso tudo não passa de uma forma de abstração, provoca o psicanalista Cláudio Cesar Montoto. Quando alguém fala que está em crise existencial, precisa descobrir qual o seu motivo. ?Não há um sintoma nomeado como crise existencial, existem sim castrações de desejo no sujeito que o angustiam?, diz ele.
Por isso, muitas pessoas sentem dificuldade ao tentar definir a razão de estarem insatisfeitas com a vida. Como escreve o psicanalista J.D. Nasio no livro Um Psicanalista no Divã, os motivos de crise parecem ser muitos mas, no fim, possuem como denominador comum os distúrbios sexuais, os conflitos familiares e os problemas sociais no trabalho. Algumas pesquisas e generalizações só dão mais nós nessa questão com as ideias da ?crise masculina dos 40 anos?, ?a crise da meia-idade? e ?a crise da mulher moderna com emprego?, entre tantas outras. ?O importante é entender que a crise existencial é a defesa do sujeito contra seu próprio desejo?, diz Montoto.
Então, podemos entender que, se homens e mulheres possuem desejos diferentes, logo, as crises também se manifestam de raízes diferentes? Mas é claro! Não significa que todo homem vai entrar em crise na meiaidade, obviamente, mas que há consternações diferentes em cada gênero. Para Nasio, ?a problemática da mulher é do querer, a problemática do homem é poder?. Com isso, desenvolve- se o conceito de que as angústias masculinas são relativas ao declínio de autoridade, da função paterna e toda virilidade investida. Ao passo que o mal-estar na mulher está mais ligado à questão do amor, do ciúme de possuir o parceiro somente para ela, medo da solidão e de ser traída.
Em resumo, entre solidão, aceitação sexual e problema familiar, a crise existencial nada mais é que um diálogo interno, sua autocrítica em comparação e relação a si mesmo e ao outro. Quem é o outro? Parentes, amigos, astros de TV e quem mais quiser entrar na roda. Por isso, constantemente nos questionamos ?por que não tenho uma turma de amigos como a de Friends??, ?será que vou viver um amor como o de Brad Pitt e Angelina Jolie?? e ?minha vida poderia ser tão repleta de aventuras como a do James Bond??.
Eu sou o outro
Uma forma paralela de analisar a importância desse ?outro? é quando ele fica oculto, à primeira vista, e o sujeito se compara a ele mesmo. Grosso modo, é uma forma de exemplificar uma das ideias de Jean-Paul Sartre. Tomado por muitos como um pensador negativo e pessimista, o filósofo é o representante maior do movimento conhecido como existencialismo, e ele faz sua contribuição ? para o bem ou para o mal ? quando diz que a existência precede a essência.
O estudioso de filosofia José Renato Salatiel retoma as teorias de Sartre para exemplificar nossas angústias: somos os únicos responsáveis por nossas escolhas na vida. Nascido rico ou pobre, alto ou magro, o que o sujeito vai fazer com isso, com essas características, é sua essência, e não é justificável atirar a carga para a natureza ou Deus. ?Sartre joga o peso da responsabilidade para o próprio sujeito, e ele, sem ter para onde escapar e em quem botar a culpa de fracassos e projetos não realizados, naturalmente entra em crise?, afirma Salatiel. E defende que, ao chegar a determinada idade, é natural que ?paremos para refletir em todas as nossas realizações e quais foram nossas escolhas?. Nessa retomada, encontram-se muitos desejos que ficaram de fora. Logo, a crise pode vir por consequência. Ele acredita que são essas desilusões que devem ser compreendidas e tratadas para se evitar ? ou combater ? a crise.
O doutor Freud, por sua vez, tinha uma outra forma de enxergar as crises: não acreditava na felicidade constante ? imaginava, sim, que ela fosse como uma montanha-russa, cheia de altos e baixos, tudo regido pelo confronto do que ele nomeava como princípio do prazer e princípio da realidade. Logo, isso aponta para um universo onde todos os sujeitos passarão, uma hora ou outra, por processos de angústia e momentos de felicidade. Quando o momento feliz passa, sempre procuramos repetir aquela sensação. Como nem sempre é possível, a angústia se instaura e, quando não bem tolerada, a crise existencial dá as caras.
Contornar e sair dela exige paciência e tempo. Refletir, procurar o diálogo e compreender que cada escolha tem o lado positivo pode ser uma forma de relativizar as coisas e enxergar a crise sem as lentes do exagero. Afinal, aprender a dar valor a esses pequenos detalhes contribuem na tarefa de humanizar cada sujeito. ?A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis?, cravou Freud no célebre texto O Mal-estar na Civilização.
A todo momento somos bombardeados por informações e possibilidades de sucesso sem fim, que nem sempre conseguimos abraçar. Em algum momento, é natural cair na armadilha de se sentir incapaz. Essa constatação, na verdade, pode ser muito positiva. Ela leva o sujeito a repensar as coisas, amadurecer e buscar novas alternativas para a felicidade. Mas isso quando ele está disposto a enfrentar as mudanças que podem decorrer desses questionamentos, claro.
Vida menos ordinária
A arte e a busca pelo prazer podem ser formas mais positivas de contornar e compreender os problemas que nos deixam pensativos. Há quem pinte quadros, componha músicas ou mesmo descarregue suas frustrações no esporte para encontrar o equilíbrio sentimental.
?As satisfações substitutivas, tal como as oferecidas pela arte, são ilusões, em contraste com a realidade; nem por isso, contudo, se revelam menos eficazes psiquicamente, graças ao papel que assumiu a vida mental?, explica Freud. Woody Allen, Van Gogh, Clarice Lis pector, Ray Charles e Fernando Pessoa são alguns artistas que transferiram e sublimaram suas dores existenciais por meio da arte. Allen, por exemplo, conseguiu transferir para seus filmes suas neuroses e sentimentos e enfrentá-los de forma divertida e inteligente.
No filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, a cena final mostra seu personagem dirigindo um ensaio teatral que retrata o sucesso de um relacionamento amoroso, após aquele vivido por ele ao longo do filme ter fracassado. Com o fim do diálogo, eis que Allen se explica ao púbico: ?O que você quer? É minha primeira peça. Sabe, você sempre tenta fazer tudo sair perfeito na arte, porque na vida real é mais difícil?.
Para o psicanalista Montoto, são dois os pontos importantes para superar uma crise. Um: saber reconhecê- la. Dois: enfrentá-la. Todo mundo passa por uma ou várias crises durante a existência. E, se não passou, ainda há de passar. Mas a única forma de fazer com que ela deixe de dominar nossos pensamentos é descobrir e compreender o que está por trás dela. É preciso reconhecer que nossas escolhas sempre acarretam perdas, dúvidas e senões. ?Todos nós temos desejos reprimidos e precisamos enfrentar sem medo a castração?, diz ele. Só assim conseguimos aceitar os deslizes da vida e perceber os questionamentos que se instauram como uma pulga atrás da nossa orelha. Porque é assim mesmo: mal encontramos as respostas e nossa mente já trata de ir atrás de formular outras perguntas.
LIVROSO Mal-estar na Civilização, Sigmund Freud, Imago
O Ser e o Nada, Jean-Paul Sartre, Vozes
Um Psicanalista no Divã, J.D. Nasio, Zahar
Fonte: Revista Vida Simples
loading...
-
Freud E A Psicanálise
Sigmund Freud, com sua teoria do “inconsciente”, revolucionou a maneira como as pessoas pensam sobre a mente. O inconsciente é o aspecto da mente que abriga vontade e desejos que não são conscientemente reconhecidos. Essas vontades foram reprimidas,...
-
Eu Penso, Logo De-xisto
Inicio aqui uma série de ensaios que tem um intuito de rediscutir questões consagradas dentro do pensamento filosófico. Os ensaios também servem de desafios aos leitores que queiram propor questões e discussões a partir desses ensaios. Eu penso,...
-
A Crise
“Era uma vez um homem que vivia à beira de uma estrada, onde vendia cachorro-quente. Ele não ouvia bem, por isso não tinha rádio. Tinha problemas de visão, por isso não lia jornais. Mas ele vendia cachorro-quente. Colocava cartazes...
-
Feliz Ano Novo!!!
Desejo a todos os amigos e visitantes dos meus blogs : Um Feliz Ano Novo !!! Feliz 2010 ! ... com um texto de Carlos Drumond de Andrade. FELIZ OLHAR NOVO O grande barato da vida é olhar pra trás e sentir orgulho da sua história. O grande lance é...
-
Ser Mulher
Ser mulher é assim, pura emoção. Sempre com os sentimentos a flor da pele, expostos para que todos vejam. Sem armas contra ninguém, mas sempre a favor. Armas só para demonstrar nossa paixão pela vida. Mulher é assim mesmo...Um sorriso pra tudo....
Filosofia