Por Marcelo Sampaio
A educação, principalmente a escolar e essencialmente a pública, é tema de debates
Há muitas respostas possíveis para essas indagações, aliás, cada secretário de Educação tem uma delas na ponta da língua. Entretanto, o ter opiniões sobre determinado assunto nem sempre significa conhecimento suficiente sobre o fenômeno indagado. Se as respostas investigadas pertencem ao universo das relações entre a sociedade e a educação, a sociologia clássica ainda nos ensina muito. Nesse caso, lembro-me de Durkheim (um dos fundadores dessa ciência) e de suas observações a respeito da educação. Obviamente, o referido mestre francês (escritor da virada do século XIX para o XX) pouco poderá nos dizer a respeito de uma educação tecnológica, globalizante e informatizada. Entretanto, por ter pesquisado profundamente os fundamentos de toda e qualquer sociedade, seu discurso ainda é importante no momento.
Durkheim nos alerta que é complicado pensarmos em uma educação que seja ideal e universal como querem os pensadores da escola até hoje. O mestre exemplifica: em Atenas procurava-se essencialmente formar com a educação espíritos delicados e em Roma desejava-se formar crianças que se tornassem homens de ação. Portanto, a educação preconizada em uma determinada sociedade não serve (necessariamente) de modelo para outros povos. A educação inglesa, chinesa ou francesa, talvez não possa servir de modelo para nós brasileiros e paulistas. Aí pode estar o início dos nossos erros em educação.
Durkheim afirma que há em cada sociedade um tipo regulador de educação do qual não podemos nos separar sem vivas resistências. Segundo ele, quando estudamos historicamente a maneira pela qual se formam e se desenvolvem os sistemas educativos, se constata que eles dependem, por exemplo, da religião, da organização jurídica e política, etc. Separada de todas essas instituições sociais, estes sistemas tornam-se incompreensíveis. Enfim, os sistemas educativos seriam realidades que não poderiam ser criadas, destruídas ou transformadas à vontade, ou mesmo pensados como uma realidade distinta da sociedade no qual eles são implementados. Nesse contexto, o que fizeram nossos secretários de Educação? Tudo ao contrário, isto é, pensaram a educação como uma realidade técnica apartada do resto da sociedade, digna de ações de engenharia com focos muito restritos: a evasão escolar e a repetência. Durkheim talvez diria que é preciso pensar e agir em educação como cientistas humanos e sociais e não como administradores. Aí pode estar a continuação de nossos erros em educação.
Durkheim questionou o sentido demasiadamente amplo das definições de educação dos filósofos (Kant, Stuart Mill, entre outros) ao postularem uma educação ideal e universal. Nesse terreno há novos ensinamentos do mestre francês. Para ele, apesar existirem diversas espécies de educação em uma sociedade (profissional, familiar, religiosa, e a privada, entre outras), pois nossa coletividade em seus diversos segmentos reclama aptidões particulares e conhecimentos especiais (certas idéias, usos e maneiras de sentir o mundo) de seus indivíduos, toda a educação deveria repousar sobre uma base comum: não há povo em que não exista certo número de idéias, de sentimentos e de práticas que a educação deva inculcar a todas as crianças (indivíduos), indistintamente, seja qual for a sua categoria social. A construção e a manutenção dessa base comum seria de responsabilidade da educação pública. Durkheim nos explica: cada sociedade faz do humano um certo ideal, tanto do ponto de vista intelectual, quanto físico e moral. Esse humano transformado em ideal é, até certo ponto, o mesmo para todos os cidadãos de uma determinada sociedade. Construir esse ideal, traduzido em maneiras de pensar sentir e agir, considerado pelo coletivo como indispensável a todos os seus membros seria a base da educação pública.
Portanto, a educação pública consistiria na socialização metódica das novas gerações, ou seja, na construção de estados físicos, intelectuais e morais em cada indivíduo da sociedade, em uma palavra, em cada um de nós para o bem de nós mesmos (mais precisamente, da coletividade). Vejam que Durkheim não se refere à função da escola exclusivamente para o mercado de trabalho e para a economia, mas para o desenvolvimento social de uma maneira geral. A cada nova geração de indivíduos, a educação pública se encontra em face novamente de sua função: suprir a necessidade social de criar no homem cotidiano um ser novo. A partir do que os indivíduos recebem dos pais, de suas famílias, enfim, de suas vidas particulares, construir uma personalidade definida para o desempenho de um papel útil na sociedade, eis a tarefa de todo e qualquer sistema educativo. De certa perseverança, juízo, capacidade imaginativa, capacidade de atenção (atributos trazidos da vida cotidiana) até esse novo ser que necessita ser criado a cada nova geração há uma distância muito grande. Durkheim nos adverte: esse longo caminho que os indivíduos devem percorrer é obra da Educação. Talvez nesse ponto esteja o nosso maior erro com relação ao sucesso educacional de nosso país e de nosso estado.
Não nos preocupamos em relacionar a escola com as qualidades e atributos reclamados por nossa sociedade atual. Nossas habilidades e competências escolares são ?administradas? visando apenas o sucesso profissional e o desenvolvimento econômico deixando de lado o sucesso social, isto é, o sucesso no (e pelo) convívio. Em uma sociedade dilacerada como a nossa, necessitada de cidadãos e inchada de indivíduos, Durkheim diria que estaríamos ?perdendo o foco?
O mestre francês ainda ensina: para que e educação tenha meios enérgicos para realizar em seres humanos uma transformação, é preciso que a mesma se desenvolva em um meio muito especial: a autoridade (não autoritarismo), isto é, na ascendência que o mestre possui (ou deve possuir) sobre seu discípulo, em razão do seu prestígio intelectual, moral e social. Acho melhor pararmos por aqui...
Marcelo Sampaio - Sociólogo