A política do "ou"
Filosofia

A política do "ou"





A política do “ou”*

Luiz Maurício B.R. Menezes

E se pudéssemos repensar a política? E se nos recusássemos a jogar o mesmo jogo político de sempre? E se algo novo pudesse surgir e modificar tudo isso? Eis a proposta do “ou”, eis a mudança que propomos na política.
A política do “ou” não está à esquerda nem à direita; também não está no centro. Ela não tem nem lugar nem tempo; não tem caminho pronto; e nem mesmo é um caminho, via ou solução. As propostas políticas geralmente se apresentam de maneira dualista: ou isto ou aquilo, ou A ou B, ou C ou D; ou α ou ω (...). Tais propostas são como o virar de uma moeda, isto é, nada muda, pois o problema está na moeda e não no lado que se escolhe. Nessas circunstâncias o que temos é de um lado o ‘mesmo’ e do outro o ‘mais do mesmo’, ambos se utilizando do mesmo discurso, mas fingindo ser diferentes um do outro. Toda mudança está em escolher o “ou” que não é percebido, mas que sempre presente está entre as escolhas.

A proposta do “ou” não é terceira via ou qualquer outra via; não tem lugar, pois ainda não foi construída. Seu discurso precisa ser construído, esse discurso está no “entre”, naquilo que não pode ser visto, no incomunicável da política. “Uma utopia?”, alguns me perguntariam. Talvez, mas não uma impossibilidade. É justamente na ousadia da proposta que está a novidade; na construção de um outro ao invés do mesmo. É preciso trazer o estrangeiro para o discurso, um alguém que vem de fora mostrar a diferença de tudo aquilo que se apresenta como sendo, pois na negação do discurso, inúmeras outras possibilidades do discurso se abrem.
Todo discurso político se apresenta com suas próprias características, com suas próprias interdições do que pode ou não ser dito. Nisso consiste o seu poder de articular e controlar aqueles que dele fazem uso. Desse modo, ele se torna útil e prático àqueles que participam do jogo político. Mas o “ou” nada é. Não tem utilidade, nem praticidade alguma, é inútil. Nisso consiste a sua força. “O inútil tem a sua grandeza própria e o seu poder determinante na sua maneira de ser: com ele nada se pode fazer” (HEIDEGGER, 1999, p. 12). O “ou” é um desviante, um outsider que perpassa o mesmo na construção de um outro. Mas que outro é esse que estamos a falar? Seria ele algo do mesmo? Deleuze diz que “o Outro, com efeito, não é somente uma deficiência que afeta as imagens; ele próprio aparece como um modelo possível, que se opõe ao bom modelo do Mesmo” (1975, nota 3, p. 263). O outro vem “salvar” a própria possibilidade do mesmo de ser. Ao se atrelar o “ou” ao discurso político, se pretende compor um híbrido que não é nem um dos dois, mas algo novo, diferente. Tal diferença se aplica na possibilidade e multiplicidade de discursos, isto é, na indeterminação discursiva que constitui um diálogo. Tomando a provocação de Foucault de que “os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem” (2005, p. 52-3), entendemos que tal descontinuidade também é de tempo e de lugar. O discurso não é fixo e originário de algo, ele nem sequer ésem também não ser. O discurso é um cruzamento múltiplo de acontecimentos sem sê-los; ele é atravessado por fluxos diversos; ele já nasce transdiscursivo. A diversidade que o habita não o permite ser imóvel, o mesmo, mas ele está na multiplicidade dos fluxos contínuos dos lugares e tempos outros. Ele atravessa-nos sem ao menos podermos retê-lo.
Said nos alerta para o fato de que “os governos continuam a oprimir abertamente as pessoas, graves erros judiciários ainda acontecem, a cooptação e inclusão de intelectuais pelo poder continuam a calar sua voz, e o desvio dos intelectuais de sua vocação é ainda muitas vezes uma realidade” (2005, p. 31-32). O novo discurso político que propomos deve penetrar as possibilidades do discurso, dando ao intelectual a capacidade de representar, articular e tomar uma atitude de maneira pública e coerente, não aceitando o status quo, mas construindo um híbrido discursivo que o permita atuar em diferentes frentes, tomando as suas possibilidades e perturbações. Como em A Cidade e a Cidade de Miéville, o discurso político pode ocupar o mesmo espaço-tempo, desafiar as certezas da física clássica e se abrir para as dúvidas da mecânica quântica. Em um reposicionamento do nosso olhar para a questão do real, tiramos as certezas absolutas para colocarmos no lugar uma teoria probabilista. Da mesma forma que os números 'três' e um 'seis' não podem sair ao mesmo tempo em um único lance de um dado, porém a soma das probabilidades de o dado mostrar uma das suas seis faces deve ser igual a 100%, a totalidade do discurso só pode ser dada de forma probabilista no espaço-tempo, nunca determinista. Para que ele possa assim ser utilizado, é preciso um novo olhar que possa ver de forma diferente o discurso, recolocando questões, sem tentar localizá-lo, mas atravessá-lo na tentativa de que ele “diga de novo o mundo e por aí chegue ao aparecer do ainda-não-apercebido” (HEIDEGGER, 1999, p. 40) na mais plena transdicursividade.
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* Ao amigo Fernando Maia, pelas inúteis e frutíferas conversas.


BIBLIOGRAFIA

BOBBIO, N.O Final da Longa Estrada. Considerações sobre a moral e as virtudes. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2005.

CALLENDER, C. O Tempo é uma Ilusão? Biblioteca Scientific American Brasil 3: Enigmas do Tempo, p. 16-25, 2013.

DELEUZE, G. “Platão e o Simulacro”. In: DELEUZE, G. Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva; Ed. Universitária de São Paulo, 1974.

FOUCAULT, M.A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola: 2005.

HEIDEGGER, M. Língua de Tradição e Língua Técnica. Lisboa: Veja, 1999.

MIÉVILLE, C. A Cidade e a Cidade. São Paulo: Boitempo, 2014.

PLATÃO. Sofista. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os Pensadores)


SAID, E. W.Representações do Intelectual. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.



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