A voz das ruas e a Internet
Filosofia

A voz das ruas e a Internet


20/08/13 05:00 - Coluna Opinião - JORNAL DA CIDADE - BAURU

A voz das ruas e a Internet

Luciano Olavo da Silva
Vimos, em junho e julho, a reprodução nacional de um fenômeno que outrora ocorria apenas em pequenos ambientes, onde as pessoas, conectadas pela proximidade física, formavam uma rede local. Ainda acontece em auditórios e teatros: o surgimento de um liame inconsciente entre os presentes leva-os a comportamentos padronizados, induzidos pela marcha da peça, com simultâneos aplausos, vaias, lágrimas e sorrisos.

Nesses casos, a falta de liderança impede a síntese racional de um discurso acerca do espetáculo, obrigando seus produtores a presumirem a “crítica” a partir das emoções externadas pela plateia que se manifesta em rede. Todavia, vaias e aplausos decorrem de uma ação convicta ou muitos simplesmente acompanham o coro para evitar o constrangimento de permanecerem inertes enquanto a rede age? Será que alguém foi introduzido na plateia para iniciar aplausos e vaias e, assim, conduzir a rede? Sem um discurso claro, que parâmetros serão utilizados para corrigir o show?



A Internet, com suas redes sociais, gera conexões que formam grupos gigantescos, cujos integrantes prescindem da proximidade física das plateias, mas, assim como elas, não passam de uma rede efêmera aglutinada em torno de um atrativo qualquer. Agem em uníssono, mas desvinculados de um histórico, sem discursos e líderes. Em suma: são plateias manifestando emoções, não criam um discurso. Podem, com suas vaias e aplausos, introduzirem singelas alterações no espetáculo, mas elas ocorrerão segundo o manejo de quem dirige o show. A democracia nos exige que sejamos mais do que plateia vaiando ou aplaudindo em uma catarse recreativa. Se não dirigirmos o show, não será democracia, mas não tem como dirigir apenas convocando pela Internet a ocupação desordenada das ruas. Participação política qualificada tem três fundamentos: informação, mobilização e ação. Há diversas ferramentas constitucionais destinadas a efetivá-los.

Com informação os indivíduos chegam aos detalhes dos problemas que os afligem, aos números associados a eles, ao que já se fez para saná-los etc; depois, podem então mobilizar pessoas para construírem conjuntamente um discurso que proponha solucioná-los. Bem informados e mobilizados, fortalecendo e sendo fortalecidos por um grupo bem organizado (associação, ong, sindicato), munidos de um plano coerente, finalmente serão capazes de levar seu discurso ao Estado e agirem coletivamente para efetivar sua implantação – o que pressupõe uma liderança.

Há instrumentos constitucionais para trilhar o caminho indicado? Claro que sim: direito de acesso à informação pública, direito de associação, direito de reunião, direito de representação e petição junto à Administração e ao Ministério Público, ação popular, lei de iniciativa popular e, veja só, o voto! Esses são apenas alguns direitos. Todos podem ser fomentados e instrumentalizados pela Internet. Redes sociais ajudam, mas não mudam o fato de que participação política séria passa pelo tripé informação, mobilização e ação, com lideranças definidas, discursos claros e comprometimento histórico. Tudo isso vai bem além do efêmero “evento” de Internet.

Se não aproveitarmos o momento para tratarmos dessas questões com a juventude, mais uma vez perderemos a oportunidade de sermos roteiristas e continuaremos como mera plateia. O show terminará, as luzes apagarão, e todos voltarão anonimamente às suas existências cordatas, ruminando impressões pessoais que nunca culminaram em um discurso coletivo ou resultados estáveis.

O autor, Luciano Olavo da Silva, é Analista Judiciário e especialista em Direito Eleitoral – [email protected]



FONTE: http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=230293



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