Cibernéticos e virtuais, nadamos num rio de novidades e nos consideramos moderníssimos. Um turbilhão de recursos trazidos pela ciência, pela tecnologia, nos atrai ou confunde. Se somos mais velhos, nos faz crer que jamais pegaremos esse bonde - embora ele seja para todos os que se dispuserem a nele subir, não necessariamente para ser campeões ou heróis.
A tecnologia abre territórios fascinantes, e ameaça nos controlar: se pensarmos um pouco, sentiremos medo. O que mais vem por aí, quanto podemos lidar com essas novidades, sem saber direito quais são as positivas, quanto servem para promover progresso ou para nos exterminar ao toque do botão de algum demente no poder? Exageradamente entregues a esses jogos cada dia inovados, vamos nos perder da nossa natureza real, o instinto? Viramos homens e mulheres pós-modernos, sem saber o que isso significa; somos cibernéticos, somos twitteiros e blogueiros, mas não passamos disso. E, se não formos muito equilibrados, vamos nos transformar em hackers, e o mundo que exploda.
Não vamos regredir: a civilização anda segundo seu próprio arbítrio. Mas, como quase todas as coisas, seus produtos criam ambiguidade pelo excesso de aberturas e pelo receio diante do novo, que precisa ser domesticado, para se tornar nosso servo útil. As possibilidades do mundo virtual são quase infinitas. Sua sedução é intensa. Tão enganador quanto fascinante, no que tange à comunicação. Imenso, variado, assustador, rumoroso, ameaçador, e frio, porque impessoal. Nesse mundo difuso somos quase onipotentes, sem maior responsabilidade, pois cada ação nem sempre corresponde a uma consequência - e ainda podemos nos esconder no anonimato. Criam-se sérias questões morais e éticas não resolvidas nesse território: através da mesma ferramenta que nos abre universos e nos comunica com o outro, caluniamos e somos caluniados, ameaçamos e somos ameaçados, nos despersonalizamos, nos entregamos a atividades estranhas, algumas perversas; espiamos, espreitamos, maldizemos amigos e desconhecidos, odiamos celebridades, cortamos a cabeça de quem se destaca porque se torna objeto de inveja e ressentimento, escutamos mensagens sombrias e cumprimos, talvez, ordens sinistras.
Relacionamentos pessoais começam e terminam, bem ou mal, nesse campo virtual - não muito diferente do mundo dito real, dos bares, festas e trabalho, faculdade e escola. Para as crianças, esse universo extenso e invasivo pode ser uma grande escola, um mestre inesgotável, um salão de jogos divertido em que elas imediatamente se sentem à vontade, sem os limites dos adultos. Mas pode ser a estrada dos pedófilos, a alcova dos doentes, ou a passagem sobre o limite do natural e lúdico para o obsessivo e perverso.
Como quase tudo neste mundo nosso, duplo é o gume: comunicar-se é positivo, mas sinais feitos na sombra, sem verdadeiro nome nem rosto, podem acabar em fantasmáticas perseguições e males. Singularmente, mas de maneira muito significativa, enquanto estamos velozes e espertos no computador, criando mundos virtuais, e jogando jogos cada vez mais complexos, buscamos o nevoeiro desse anonimato e, na época das maiores inovações, curtimos voar com bruxos em suas vassouras, namorar vampiros e inventar avatares que vão de engraçados a sinistros.
Estimulante, múltiplo, tão rico, resta saber o que vamos fazer nesse novo mundo - ou o que ele vai fazer de nós. Quando soubermos, estaremos afixados nele como borboletas presas com alfinete debaixo da tampa de vidro ou vaga-lumes em potes de geleia vazios, naquelas noites de verão quando a infância era apenas aquela, inocente, que ainda espia sobre nossos ombros.
Lya Luft é escritora.
Fonte: Revista Veja