Ando impressionada com a forma generosa - e leviana - que a palavra TODOS vem sendo usada hoje em dia: "acesso para TODOS", "escola para TODOS", "trabalho para TODOS". Mas qual TODOS? Pouco importa. Este mistério existe para não ser solucionado.
É que o vocábulo TODOS surge na última década do século XX (e está no título de vários documentos e projetos nas áreas de saúde, de cultura e de educação, no Brasil e no mundo), como uma saída milagrosa. Saída para resolver o seguinte impasse, que atormenta a vida de TODOS nós, do representante mais simples do povo ao presidente da República: "Como dar a entender que se está compromissado sem dizer exatamente com quem?". Ora, se eu digo TODOS, resolvo TODOS os problemas de uma só vez. Quem tem receios de ficar fora do TODOS do interlocutor, seja este um político ou a professora do filho, na escola, imediatamente relaxa a guarda ao ouvir que o plano de governo será bom para TODOS, que a avaliação está ao alcance de TODOS e que a nossa escola é de TODOS.
É difícil inserir o tema diversidade humana (que se manifesta em última instância através das deficiências e as doenças) no TODOS que os estudiosos chamam de pluralidade cultural brasileira. Nele entra, as diferenças de gênero, as disparidades regionais, as diversidades raciais, étnicas, religiosas, lingüísticas e, lógico, as desigualdades sociais.
É um esquecimento sério, "porque a indiferença em relação às necessidades e às dificuldades específicas das pessoas com deficiência é uma ameaça ao desenvolvimento cultural de uma nação". (Javier Perez de Cuéllar).
O Estado nos diz que a ?Educação para TODOS? é um direito garantido no texto constitucional. Para não falar de outras especificidades da educação, gostaria de saber se, pelo menos, a biblioteca das escolas públicas, se é que elas têm, (pois sabemos que é o mínimo a ser oferecido aos alunos) também será para TODOS. Minha dúvida é a seguinte: estas bibliotecas contemplarão TODOS os tipos de assuntos? Terão livros em braile? Ou gravados? Terão livros, para todos os estudantes? ( TODOS os estudantes), sobre síndrome de Down, paralisia cerebral, ostomia, hemofilia, asthma, doenças mentais, Aids, fissurados, síndromes genéticas etc? Ou será que mais uma vez estes assuntos serão excluídos do acervo, não sendo considerados como de interesse estudantil(alunos, professores e comunidade), uma vez que este público hoje, convive com colegas ?inclusos? em sua sala de aulas? Sei do desespero de educadores em busca da informação e também do quanto estudantes dos ensinos fundamental e médio fazem cada vez mais trabalhos sobre o tema. Em que local irão pesquisar?
É fundamental que nossas escolas e sobretudo, nossas bibliotecas se tornem bens públicos, porque sem bens públicos uma sociedade não consegue se transformar. Bem público, nós sabemos, é o que não segrega nem gera rivalidade, TODOS podem se beneficiar dele. Mas TODOS, mesmo. Só quando assumirmos a pequenez de nosso TODOS e nos tornarmos desejosos de vê-lo reproduzir a humanidade como ela é, e não como gostaríamos que fosse, estaremos contribuindo para a construção de uma escola em que caibam TODOS, e não onde apenas se ajeitem TODOS. Nesse dia, a Pátria ficará mais gentil, as escolas serão mais humanas e os educadores terão a tranqüilidade de ter dado o melhor de si.
Prof. Aparecida de Fátima Garcia Oliveira.
Escola Est.Mário Spinelli - Sorriso - MT