Filosofia
MunicÃpio indÃgena campeão em suicÃdios!
Reportagem da agência Pública mostra por que São Gabriel da Cachoeira, com a maior população de Ãndios do Brasil, tem Ãndice de suicÃdios dez vezes superior à média nacional
por Congresso em Foco | 05/2015
MunicÃpio com 80% de sua população indÃgena fica à s margens do Rio Negro
Natalia Viana, da Pública
Faz pouco mais de dois meses que ela se foi, um dia antes do seu aniversário. Maria – vamos chamá-la assim – completaria 20 anos em 2 de março. Ninguém diria que não era uma indiazinha como tantas que colorem as ruas de São Gabriel da Cachoeira, municÃpio no noroeste do Amazonas, à s margens do rio Negro. Era baixinha, os cabelos negros sobre os ombros, as roupas justas, chinelo de dedos. Mas Maria estava ali só de passagem. No seu enterro os parentes contaram que tinham vindo rio abaixo para passar o perÃodo de férias escolares, quando centenas de indÃgenas de diversas etnias deixam suas aldeias e enchem a sede do municÃpio para resolver pendências burocráticas. Ali na cidade, ela arrumou namorado, um militar, e passava os dias com ele, quando não estava entre amigos. Mas nos últimos dias Maria andava triste: o casal havia rompido o namoro. Estava estranha, nervosa. Os parentes contaram que chegou a ter alucinações.
Os pais tinham achado bom o fim do namoro. Ninguém chegou a conhecer de perto o tal soldado. Nunca conseguiram ver o seu rosto porque, segundo contaram, quando ele vinha ao bairro do Dabaru, um dos mais pobres do municÃpio, onde a famÃlia morava numa espécie de vilazinha com casas coladas umas nas outras, ele sempre se escondia nas sombras formadas pela parca iluminação. Tinha o rosto coberto pelas trevas da noite. Era branco? Era preto? Era gente?
Na madrugada de sábado para domingo, dia 1o de março, depois de ter passado a tarde e o começo da noite com o irmão mais velho e amigos bebendo na praia do rio, Maria começou a se transformar de vez. Estava agressiva. Os olhos já não eram os dela, contou o irmão, reviravam e mudavam de cor enquanto ela gritava que os pais não gostavam dela, que era ele o filho predileto. O irmão ainda arrastou Maria de volta, mas, quando chegaram em casa, os pais não conseguiam enxergá-la. No lugar dela viam apenas algo escuro, uma sombra. Um ser da escuridão. O pai não pôde nem levantar da rede no pequeno quarto que dividia com os filhos. Ficou chorando, atônito. Maria entrou no quarto ao lado, bateu a porta. Não conseguiram abri-la, embora não estivesse trancada. Por uma fresta, viram quando ela amarrou uma corda e se enforcou. No momento seguinte, contam, a porta finalmente abriu. Ela já estava morta.
Dez vezes mais
Maria é a vÃtima mais recente de uma tragédia assombrosa que se repete com enredo semelhante há pelo menos dez anos em São Gabriel da Cachoeira e que foi traduzida em números pelo Mapa da Violência 2014, da Secretaria-Geral da Presidência da República.
De acordo com o relatório baseado em dados do Sistema de Informação da Mortalidade do Ministério da Saúde, São Gabriel é o recordista nas estatÃsticas de suicÃdio por habitante dos municÃpios brasileiros. Em 2012 foram 51,2 suicÃdios por 100 mil habitantes – dez vezes mais que a média nacional. Isso corresponde a 20 pessoas que se mataram, mais ainda do que no ano anterior, quando foram 16 suicÃdios.
São Gabriel é também o municÃpio mais indÃgena do Brasil. As 23 etnias que há pelo menos 3 mil anos ocupam as margens do rio Negro e de seus afluentes correspondem a 80% da população. Hoje os cerca de 42 mil habitantes se dividem entre a área urbana – ocupada a partir da margem do rio desde a fundação do forte São Gabriel pelos portugueses, em 1761 – e as centenas de comunidades espalhadas pelo interior da floresta, algumas a dois ou três dias de barco dentro do maior mosaico de terras indÃgenas do paÃs, com 100 km2 de área. Um território maior do que Portugal, onde vivem os Baniwa, Kuripako, Dow, Hupda, Nadöb, Yuhupde, Baré, Warekena, Arapaso, Bará, Barasana, Desana, Karapanã, Kubeo, Makuna, Mirity-tapuya, Pira-tapuya, Siriano, Tariana, Tukano, Tuyuca, Wanana e Yanomami.
De um total de 73 mortes ocorridas entre 2008 e 2012, apenas cinco não foram de indÃgenas, segundo o Mapa da Violência 2014. Entre os indÃgenas, 75% eram jovens, como Maria. E muitos dos familiares e amigos contam que se suicidaram depois de terem sido assombrados por seres da escuridão, por parentes mortos, ou mesmo pelo próprio diabo, os quais, chamando-os durante meses a fio, afinal os arrastaram para a forca.
Problema do passado?
Mas quem chega a São Gabriel e pergunta nas ruas, nos bares, nas igrejas vai ouvir que os suicÃdios são um problema do passado. Uma crise, um surto, pronto, passou, não se fala mais nisso. Faz tempo que o assunto não atrai jornalistas forasteiros rio acima, com seus gravadores e suas perguntas. Foi uma crise, um surto, pronto, acabou, não se fala mais nisso. É no passar vagaroso dos dias que os relatos começam a aparecer. E são muitos, em todo canto.
Como o de seu Zeferino, que pode ser encontrado sentado no tronco de uma árvore no quintal de terra ocupado por duas casas – a dele e a dos filhos – no distante bairro de Tiago Montalvo. De olhos pequenos marcados pela catarata, as costas encurvadas, Zeferino Teles Lima não gosta de falar, mas a lembrança do filho Tiago não o deixa em paz. Misturando a lÃngua Tukano com o pouco português que sabe, o Ãndio Tariano conta baixinho que “pensa sempre… ele trabalhando na roça dele, trabalhando na casa dele, onde tem deitado… tenho pensado muito… tô pensando ainda, né? Bravo não fica muito não… fica muito tristeâ€. A imagem do filho o persegue dia e noite, chamando. Para se livrar de tanto pensamento, Zeferino procurou as curas tradicionais do seu povo. “Fizeram benzimento por minha vontade. Se assim não tinha benzido, já tinha morto já. Atrás dele né?â€, diz. Depois, buscou um padre. “Porque não dá pra mim tristeza e tá dando assim. Aà que padre tirou benzendo pra mim da cabeça. Aà passou um pouquinho agora, tá aos poucos melhorando.â€
Segundo a famÃlia, Tiago Lima morreu no dia 10 de abril de 2014 na comunidade Nova Esperança, no alto rio Uaupés, interior do municÃpio. Estava bêbado. A comunidade se preparava para a festa de Domingo de Ramos e Tiago não teve dificuldade em encontrar um comerciante disposto a vender-lhe cachaça – a venda de bebida alcoólica é proibida em terras indÃgenas. Comprou três “carotezinhosâ€, garrafinhas de plástico, de 200 ml. Ninguém viu quando Tiago amarrou a corda dentro da casa, depois de um desentendimento com o irmão, com quem estava morando. O pai resume: “Ele se laçouâ€. Na sua lÃngua não existe a palavra “suicÃdioâ€.
Não foi o primeiro da famÃlia a adoecer. Dois primos de Tiago tentaram a morte repetidas vezes nos últimos anos. Do outro lado da rua de terra, a sobrinha de Zeferino, Almerinda Ramos de Lima, conta essa história sem alterar a voz, enquanto organiza o almoço de famÃlia na casa do pai, cercada pela filha, o neto, alguns irmãos, as sobrinhas, a tirar suco de açaÃ. Almerinda foi a primeira mulher a assumir a presidência da Foirn, a Federação das Organizações IndÃgenas do Rio Negro, que reúne diversos povos da região. “Minha mãe diz assim, um dia vão acabar se enforcandoâ€, suspira. O irmão Melquior, de 38 anos, tentou se enforcar duas vezes. A primeira foi em 2010, por causa de uma briga com a esposa. A corda arrebentou. Um ano depois, ele voltou a tentar o suicÃdio, depois de o pai ter lhe chamado a atenção por estar bêbado. “Papai começou a ralhar ele, e ele falou: ‘Ah, já que eu que tô errado, já que eu que tô fazendo essas coisas erradas, então eu prefiro me matar, prefiro morrer’. Então isso que ele fez. Sorte dele que o galho quebrou.†.O outro irmão, Ivo, de 35 anos, também foi atrás da corda, depois de uma briga conjugal. “Acho que o diabo não quis levar eles ainda, por isso que não morreramâ€, diz Almerinda.
Leia a Ãntegra da reportagem na Pública
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/municipio-indigena-e-o-campeao-em-suicidios-no-pais/
loading...
-
Crianças IndÃgenas Morrem De Gripe E Desnutrição
Crianças indÃgenas morrem mais de gripe e desnutrição RUBENS VALENTE em ATALAIA DO NORTE (AM) Infecção e fome explicam quase um quinto das mortes de crianças com menos de um ano entre 2000 e 2012. Taxa de mortalidade...
-
Tribo Resgata Amostras De Sangue
Tribo Yanomami resgata amostras de sangue recolhidas pelos EUA Ariane Póvoa abril/2015 Após mais de 40 anos, Ãndios Yanomami conseguiram que o sangue colhido de seus ancestrais por cientistas norte-americanos, retornasse ao Brasil. As amostras...
-
IndÃgenas Brasileiros: Alguns Dados Importantes
A realidade dos povos indÃgenas Publicado em Dezembro 2013. em Ecologia Humana Por Ceres Battistelli A última semana foi marcada por protesto dos povos indÃgenas em todo o paÃs. Centenas de Ãndios foram à s ruas para se manifestar...
-
O Que O IndÃgena Pensa Do Brasil E Da Funai?
Ãndios desafiam a Funai por novo modo de produção Em conflito com produtores rurais e governo, indÃgenas querem plantar, garimpar e extrair madeira de suas terras, de modo comercial e sustentável. Mas enfrentam resistência, mostra reportagem...
-
Assassinatos De IndÃgenas No Brasil Crescem
Assassinatos de indÃgenas no Brasil crescem 269% nos governos Dilma e LulaPublicado 23 Novembro 2013. em Denúncia Integrantes da cúpula petista já contabilizam a crise indÃgena na conta das falhas de articulação polÃtica do...
Filosofia