Filosofia
O conceito de 'Vazio'... ou "como me livro do "mim mesmo"
O Pico da Montanha é onde estão os meus pés.: O Vazio: Um dos conceitos mais difÃceis de entender no Budismo é o conceito de vazio, vacuidade. É freqüente que pessoas cometam um erro básico qu...
Um dos conceitos mais difÃceis de entender no Budismo é o conceito de vazio, vacuidade.
É freqüente que pessoas cometam um erro básico quando, ouvindo falar do vazio, pensem por exemplo, que o fato da ciência ter mostrado que a maior parte do que vimos como matéria é vazio, e que se tomarmos um átomo e o imaginarmos como do tamanho da cúpula de uma catedral, o seu núcleo terá o tamanho de um grão de sal e os elétrons estarão na periferia da cúpula, e em seu entorno não haverá coisa alguma. Por esse motivo, os neutrinos podem atravessar a terra sem bater em nada. Só alguns deles se chocarão com o núcleo.
Somente porque interagimos com a matéria, temos a sensação de que seja sólida. A minha matéria é uma nuvem de energia muito rarefeita que interage com a nuvem extremamente rarefeita do braço da cadeira e, dessa forma, uma não penetra na outra.
Algumas pessoas pensam, então, que esse vazio fÃsico é uma comprovação de que as declarações de Buda a respeito da vacuidade das coisas estão certas. Uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra. Vacuidade no Budismo é o vazio de um “euâ€. As coisas são vazias de um “euâ€, um “eu†inerente, alguma coisa própria e exclusiva de um fenômeno.
O que Buda tentou dizer com “vazio†é que todas as coisas são vazias de um “euâ€, porque todas as coisas são interconectadas e interdependentes. Parecem algo porque nós atribuÃmos a esse algo um conceito. Quando vemos um copo cheio de água, o que é o copo em si? É um cilindro fechado na base, constituÃdo predominantemente, no caso desse copo de vidro, de silÃcio, que é um átomo muito comum na crosta da terra. Mas o copo, essa entidade copo, ela existe realmente como entidade separada ou é uma projeção de nossa mente? Na realidade se nós partirmos o copo em pedaços e tivermos os cacos na minha mão, tudo que constitui o copo ainda está aqui, não é? Está inteiro aqui, mas nós podemos dizer que é um copo? Não, pois não serve mais para colocar água. Mas se tudo que o constitui ainda está aqui, onde está o copo? Afinal de contas o que é isso que chamamos de copo? Isso que chamamos de “entidade copo†é uma organização dos cacos de silÃcio numa forma adequada para guardar água, então a entidade copo está na nossa mente. Talvez o copo seja simples demais.
Esta casa, o que é? Pedaços de madeira, carbono, reboco, vidro nas janelas, não temos dúvida alguma que é uma casa. Chegamos e imediatamente nos admiramos com sua beleza. Mas a casa só é a casa, organizada de determinada forma, seus agregados juntados a partir de uma idéia que é “a casaâ€. A coluna tem que estar em pé apoiando a trave pois, se não estiver nessa posição, a casa cai e não será mais uma casa, será como no caso do copo, cacos de casa. Onde está o “eu casaâ€, o que nós chamamos casa, o “eu†que está nas nossas mentes e que nos permite chamar de casa? Não está em lugar algum; o copo e a casa não são nada mais que matérias organizadas de determinada forma a qual atribuÃmos uma identidade.
Agora olhem para si mesmos. Nós somos constituÃdos de agregados - carbono, ferro, cálcio, água que é oxigênio e hidrogênio, tudo organizado de determinada forma. Comparados conosco, a casa é simples, o copo simplório, cada um dos corpos de vocês é altamente complexo, tem até um programa em cada célula dizendo à ela como agir. Esse programa e esta organização fazem de nós um conjunto de agregados que funciona. Como esse conjunto de agregados funciona e consegue pensar, ele diz a si mesmo: “eu souâ€. A casa não consegue dizer a si mesma “eu souâ€, pois ela é simples, nós é que dizemos “a casaâ€. Mas nós somos suficientemente complexos para olharmos para nossa organização de agregados, para nossa soma funcional e como estamos pensando dizermos “eu souâ€.
A ciência já comprovou que alguns animais conseguem se reconhecer no espelho e até apagam sinais pintados em seu rosto, pois reconhecem a si mesmos. À medida que pegamos animais mais primitivos, eles não são capazes de se reconhecer. Um cão late para si mesmo no espelho, mas um chimpanzé faz caretas pois é capaz de se identificar, um golfinho também. Nós não temos dúvidas que a figura no espelho seja nós mesmos. Quando eu trabalhava organizando departamentos de telemarketing, colocamos espelhos em todas as mesas das operadoras de telemarketing, de modo que as telefonistas vissem a si mesmas. Imediatamente as operadoras começaram a trabalhar mais maquiadas, mais bem vestidas e passaram a sorrir para si mesmas quando falavam com as pessoas, ao sorrir seu tom de voz mudava, dessa forma tornavam-se mais simpáticas. É muito interessante que tenhamos essa noção de nós mesmos.
Mas voltando ao vazio, esses agregados - copo e casa - são vazios de um “euâ€, isso é fácil de entender, eles não possuem nenhum “euâ€, são só uma soma de agregados. Mas nós também somos uma soma de agregados vazios de um “eu†inerente, não temos um “eu†que seja exclusivo nosso, também somos um fenômeno construÃdo e que pode ser desfeito em cacos. Imediatamente esse eu, com que nós nos identificamos, desaparece. Quando desfazemos em cacos a casa e temos só material de demolição, não existe mais casa. Mas quando desfazemos o homem, com a morte por exemplo, não existe mais um “eu†ali. Toda essa análise foi feita para dizer que o “eu†que tanto queremos que seja permanente e para ele criamos a idéia de uma alma eterna, que, por exemplo, pode reencarnar e carregar aquele “eu†consigo, não é mais que mera ilusão imaginada e nós também somos vazios de um “euâ€.
O “eu†que existe dentro de nós é o que cada um acredita, tem a mesma consistência que o “eu†da casa ou do copo. É só um conjunto de agregados funcionando. Todo o universo é vazio de um “eu†inerente. Todos os fenômenos funcionam interconectados e interdependentes. Nós não existimos sem as plantas e sem o sol. Basta tirarmos qualquer um dos elementos e em muito pouco tempo nós estaremos completamente acabados. O problema da iluminação é, como é que eu acordo para o fato do meu “eu†ser uma ilusão e me reintegro, me reincorporo ao grande ser ao qual eu evidentemente pertenço, abdicando dessa ilusão de ser uma entidade separada, independente, com nome e que deseja permanecer para sempre. Como me livro disso? Como retorno e me livro de mim? Ao retornar ao grande ser, nascimento e morte desaparecem. Nascimento e morte são fenômenos deste “euâ€. Esse “eu†nasceu, esse “eu†que morre. Ao nos livrarmos da ilusão do “euâ€, somos instantaneamente eternos e livres desse ciclo repetido. Perceber isso é livrar-se de todo o sofrimento e angústia existencial.
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