Estimado leitor, como professor de Filosofia, uma das mais frequentes perguntas a que respondo é: para que serve a Filosofia? Basta começar mais um ano letivo e, sem grande demora, logo algum aluno profere tal indagação. E não são apenas eles que têm esse tipo de curiosidade: adultos, crianças, fora do ambiente escolar, assim que descobrem que dou aulas de Filosofia, perguntam qual função dela na nossa vida.
Mal sabem as pessoas que, ao perguntarem sobre a natureza do ato de filosofar, tocam numa de suas principais características, que é, justamente, a de incentivar o sujeito pensante a elaborar perguntas. O questionamento é, por assim dizer, o objetivo-mor da Filosofia. É impossível filosofar se não houver dúvidas acerca de algo.
Wilfred Bion, psicanalista estadunidense, dizia que se a dúvida é cruel, a certeza é burra. Ou seja: é preferível suportar as angústias de não possuir conhecimento sobre algo do que viver na esterilidade intelectual trazida pelas certezas acerca das coisas.
Aí reside uma contradição no mínimo curiosa. Se formular perguntas é traço indelével da Filosofia, nascemos, todos, filósofos, pois, até atingirmos uma certa idade, é só perguntas o que fazemos. Entretanto, ao crescermos, vamos perdendo, paulatinamente, o hábito, muito saudável, diga-se de passagem, de nos indagarmos acerca das coisas e, assim, vamos sepultando o filósofo que existe em cada um de nós. Passamos, a partir daí, a aceitar passivamente as certezas que nos são impostas.
Ao nascermos, o mundo é o nosso primeiro alvo de investigação. Por isso, os primeiros filósofos se interessaram em decifrar os mistérios da realidade que nos cerca. Fugindo de explicações de ordem fabulosa, a Filosofia vai buscar os nexos causais que estão na origem dos fenômenos.
É por esse motivo que a Filosofia possui valor inestimável para a humanidade, ocupando-se da compreensão dos problemas enfrentados pelos homens ao longo dos tempos. Qual a origem da vida? Qual o significado da existência humana? Como lidar com a dor de sermos finitos diante de um mundo infinito? Onde está a verdadeira felicidade? Existe algo eterno ou tudo é passageiro? O que é certo e o que é errado? Esses são alguns dos questionamentos que nos corrói a alma e a que, evidentemente, precisamos responder, sob pena de vivermos frustrados para sempre.
A Filosofia ajuda-nos a formar nossa personalidade crítica, sendo a responsável por não nos deixarmos transformar em massa de manobra. Tornando-nos mais conscientes da realidade, somos capazes de perceber as armadilhas que são montadas para nos aprisionar e respondemos com mais lucidez aos desafios impostos pela vida.
Era isso que Platão tinha em mente quando nos aconselhou a sairmos de dentro da caverna e contemplarmos a luz do sol. O Mito da Caverna, capítulo de uma obra platônica, defende a tese de que, somente com esclarecimento poderemos levar a melhor vida possível, sem nos deixar escravizar por nada nem ninguém.
Mas sair da caverna não é tarefa simples e exige muito empenho. Não é fácil, de uma hora para outra, abandonar velhas certezas, velhas opiniões e adotar outras novas. Como ele mesmo diz, a luz do sol (o conhecimento), de início, ofusca nossos olhos, e enxergá-la é atitude das mais dolorosas. Sem falar no imenso ?dissabor? que é ver aquilo que ninguém consegue ver. De tanto ver o que os outros não conseguiam, Sócrates, mestre de Platão, foi condenado à morte.
Acredito que, por desestabilizar verdades e por desocupar lugares de conforto, acaba-se por se desinteressar da Filosofia, anulando sua principal virtude. Entretanto, é justamente esse incômodo, esse desconforto o que a Filosofia tem de melhor.
(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira e da Facthus
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Fonte: http://www.jmonline.com.br/novo/?noticias,22,ARTICULISTAS,5804