Será que ter vida implica em ter células? Não, os vÃrus não têm células e representam uma forma de vida! Os vÃrus são estruturas que, visualizados tridimensionalmente milhares de vezes aumentados, se parecem com pequeninos kiwis, lichias ou jabuticabas. Além das camadas exteriores à base de proteÃnas, no seu interior apresentam filamentos de DNA ou RNA que guardam informações importantes para assumirem o comando quando entram dentro de uma célula hospedeira. Os vÃrus fora de célula hospedeira não conseguem ter metabolismo próprio e muito menos crescer e se multiplicar.
O conceito de vida poderia estar ligado à reprodução, mas os vÃrus não se reproduzem e são considerados forma de vida. Se a reprodução fosse critério de vida, as mulas e outros animais hÃbridos não poderiam ser considerados seres vivos, pois não proliferam. As formigas obreiras também não se reproduzem!
Será que para ser vida precisa ter DNA ou RNA? Não, os prÃons não têm nenhum destes ácidos nucléicos e parecem ter vida. Os prÃons são bem menores que os vÃrus e apenas equipamentos muito especiais conseguem decifrar sua estrutura. São proteÃnas que, ao entrarem nas células, atrapalham o metabolismo levando à sua degradação seguida de morte, dificultando a função do órgão. São partÃculas protéicas infecciosas, cujo anagrama “pro in†do inglês proteinaceous infectious particle deu o nome a este tipo de molécula que provoca a doença da vaca louca ou encefalopatia espongiforme bovina, assim como algumas doenças neurodegenerativas
em humanos. Estudos com este agente infeccioso renderam o Prêmio Nobel de Medicina em
1997 a Stanley B. Prusiner.
Quando alguém está quieto as pessoas ficam observando, e quando se movimenta logo se diz: está vivo! O movimento, a capacidade de se transformar, de acumular energia e massa seriam critérios para afirmarmos que existe vida. Se assim for, as estrelas têm vida, fazem tudo isto e ainda pulsam, piscam, emitem energia. Olhemos o Sol, nossa estrela maior.
Evolução
Sofisticando um pouco mais os conceitos sobre o que é vida, poderia adotar-se o critério de evolução das gerações, ligadas à existência de uma programação pré-definida com informações organizadas a serem transmitidas. Mas se fosse assim, os programas de computador deveriam ser considerados formas de vida: evoluem, herdam informações e ainda dão origem a novas espécies e variantes.
As bactérias têm metabolismo, se reproduzem e tem DNA; reconhecidamente são formas de vida. Em Marte foram encontradas formas bacterianas identificadas em um de seus meteoritos. Alguns corpos celestes revelam ter água, um forte indicador de vida, logo temos vida extra-terrestre.
A barata, o sapo, o carrapato, a pulga e o morcego são vidas. As vacas, porcos, frangos e peixes também são vidas como as plantas. Definir vida não é fácil, então, definir o que é tirar a vida, dar a vida ou estragar a vida também deve ser difÃcil. Quando matamos os animais ou cortamos o pé de uma planta, como o alface, estamos tirando uma vida de circulação.
Em nossas refeições ingerimos vida! Será que precisamos comer vidas para manter a nossa existência? PoderÃamos sobreviver apenas com os frutos do que plantamos. Precisamos pegar um pedaço da vida do outro para sermos melhor? Diminuir o tempo e a qualidade não é uma forma de tirar a vida de alguém? Quando você não fornece alimentos, tira-se a vida. Quando não atendemos no hospital tiramos a vida. Quando não se presta socorro, nega-se a vida. Quantas vidas tiramos de circulação ou comemos por dia? E tudo isto acontece em um contexto em que todos querem a vida eterna.
Para a corrente filosófica do existencialismo liderada por Sartre, a vida apenas existe quando tomamos consciência de nós mesmos, quando sabemos quem somos e qual o nosso papel no contexto em que estamos inseridos. Mas muito tempo antes, Sócrates já afirmava: uma vida sem reflexões não merece ser vivida. Então, fica uma pergunta no ar: com qual conceito você está levando a vida?
* Alberto Consolaro é professor titular da FOB-USP e escreve todas as segundas-feiras no Jornal da Cidade de Bauru