Uma pergunta incômoda, um debate indispensável
A questão do fracasso escolar é um assunto de interesse para os diferentes agentes sociais, tais como autoridades governamentais, especialistas em educação, profissionais em cargo de direção, docentes e pais. O assunto pode ser abordado a partir de diferentes perspectivas, que estão relacionadas ao caráter essencial da escola, à história das reformas educacionais, aos modelos de ensino, às práticas escolares e ao rendimento individual da criança, fonte de preocupação da família.
A complexidade do tema nos obriga a fazer um recorte no conteúdo deste artigo. Nos propomos a rever alguns aspectos referentes às práticas docentes e às consequências para a família quando um de seus membros apresenta ?dificuldades para aprender?. Qual é o alcance do fracasso escolar? Sabemos que o fracasso escolar é difícil de ser definido e compreendido por se tratar de um fenômeno que não é natural, mas resultado das condições de interação entre a proposta de ensino, a assimilação do aprendizado por parte dos alunos, os modelos de ensino e de avaliação, além do contexto escolar e familiar.
Conceitualmente, o fracasso escolar é entendido como um desajuste produzido em algum ponto do sistema educativo, seja na formação do docente, na exigência dos conteúdos, na fragmentação curricular ou, ainda, nas possibilidades oferecidas aos alunos para o aprendizado. O rendimento individual de uma criança em sua condição de aluno mobiliza na família diferentes sentimentos vinculados ao desempenho escolar do filho:
O que explica, no que diz respeito às crianças, as respostas acima?
O espaço escolar é o primeiro ambiente institucional do qual a criança participa sistematicamente e encontra pares com características similares e também diferentes das suas, tanto como criança quanto como aluno. As observações dos pares ou dos docentes dirigidas a uma criança fazem com que ela se perceba num espaço diferente do que foi designado pelos membros da sua família. Em outras palavras, as situações aqui assinaladas também repercutem na criança em particular, em seus sentimentos individuais.
As colocações ?bom aluno?, ?sempre é o último a terminar?, ?demora muito?, ?é muito rápido?, ?trabalha bem, mas se distrai demais?, expressas pelo docente ou pelos colegas de uma criança, ecoam no seu íntimo, construindo sua identidade. São qualidades atribuídas por pessoas próximas que podem afirmar ou desestabilizar sua autoimagem. Os sentimentos despertados na criança por essas observações podem, em algumas ocasiões, gerar insegurança no momento de resolver situações escolares. Por isso, é importante criar um espaço de diálogo para conversar sobre o que acontece com a criança quando ela ouve o que se fala a seu respeito ? não apenas as qualidades menos agradáveis, mas também aquelas em que ela é altamente valorizada.
O diálogo permite avaliar uma mesma situação sob outra perspectiva, favorecendo a construção de critérios particulares para conhecer a si mesmo e para reconhecer quando a criança pode realizar atividades individuais e quando há necessidade de pedir ajuda. A questão é quando pedir ajuda, e se essa necessidade diz respeito somente à criança ou está vinculada à proposta escolar ou à situação familiar/socioambiental. A seguir tentaremos expor algumas reflexões:
A forma de ensinar tem diferentes modelos que se expressam nos modos de transmitir informações e organizar as propostas didáticas:
As dificuldades se apresentam quando o docente propõe um modelo de ensino mas faz a avaliação a partir de outro conceito. Ou, ainda, quando não existe na escola um consenso sobre como se deve ensinar, o que se espera dos alunos em classe e, finalmente, como e o que especificamente deve ser avaliado. Há docentes que não mantêm o mesmo conceito de ensino no momento da avaliação, e isso produz uma mudança nas regras implícitas da aula, gerando o fracasso dos alunos como resultado. Outra situação diz respeito às mudanças de critério que se observam na instituição de um modo geral. Se o corpo docente não mantém uma mesma modalidade de ensino, as valorações sobre a atuação dos alunos são distintas. Essas quebras na coerência institucional também levam ao fracasso escolar.
Como resolver essa situação?
O foco central é estabelecer acordos para o que a criança precisa como pessoa, em função da sua idade e do seu grupo de colegas, e entender o que ela pode fazer sozinha e o que requer um certo acompanhamento escolar ou familiar. É importante que nenhuma parte se posicione como dona da razão. É necessário refletir sobre o que se está fazendo para que a criança/aluno aprofunde o seu aprendizado.
Como os adultos podem contribuir para que a criança obtenha mais êxito na escola?
Novamente, a resposta é o diálogo, a explicação verbal sobre o que acontece e o que será realizado em casa e na escola. Os pais vão explicar as diretrizes definidas/estabelecidas com a escola e discutir os acordos e desacordos referentes às valorações do docente. Mas deverão proteger as crianças da divergência de opiniões entre os adultos, para não prejudicá-las.
Ao dar as razões e explicações sobre as decisões tomadas, os pais estimulam um desenvolvimento moral mais maduro na criança, além de contribuir para conscientizá-la sobre os aspectos comprometidos na situação e os compromissos assumidos para superar os obstáculos inerentes.
É importante lembrar que toda situação de mudança gera ansiedade e insegurança. É preciso que os pais ajudem o filho a compreender o contexto e acompanhem os reflexos no emocional da criança. Estabelecer antecipadamente as metas que precisam ser alcançadas, fazer o planejamento para que elas sejam concretizadas e realizar pequenas tarefas individuais vão devolver a segurança necessária à criança.
As atividades também podem ser dirigidas com modelos que a criança poderá repetir, revelando o que ela pode fazer sozinha e o que requer a colaboração de um adulto. Em alguns momentos será preciso ouvir a criança dizer em voz alta o que sabe para avaliar se ela absorve os procedimentos propostos pelo adulto. A expectativa é de que a criança vá, paulatinamente, autorregulando sua conduta e obtendo melhores resultados na aprendizagem. Em suma, a proposta é dialogar para encontrar os acordos e também os desacordos. Frente a estes últimos, construir pontes que permitam superar as diferenças, cuidando sempre da criança?aluno.
* Mabel Del Giúdice é graduada em Psicopedagogia, Mestre em Psicologia Educacional, diretora do Departamento de Psicologia e Ciências Pedagógicas da Universidad Caece. Docente (UBA e Universidad Caece). Supervisora das equipes de Psicopedagogia do Centro Claudina Thevenet.E-mail para contato: Mdelgiudicecaece.edu.ar
Fonte: http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=revista_educarede.especiais&id_especial=405