Filosofia
relações entre Linguagem, Cultura e Conhecimento
Breve introdução sobre as relações entre Linguagem, Cultura e Conhecimento
Se é verdade que a cultura tem influência no desenvolvimento da linguagem, que querem dizer os teóricos e filósofos quando afirmam que a linguagem cria a realidade?
Por outro lado, o que querem dizer quando afirmam, ao contrário, que a linguagem reflete a realidade?
A. Schaff, importante filósofo marxista polonês (1913-2006), fez estudos sobre o papel ativo da linguagem no processo do pensamento.
De que modo o processo de conhecimento estaria indissociavelmente ligado à práxis?
Em que medida podemos afirmar que a linguagem influencia o estado e o desenvolvimento da cultura?
Na obra “Linguagem e Conhecimentoâ€* (Coimbra, Portugal: Almedina), Schaff analisa as relações entre linguagem e pensamento, abordando “os problemas ligados à relação da linguagem com a realidadeâ€. Sua proposta é analisar o papel ativo da linguagem no processo de conhecimento. A realidade é entendida como “a classe dos objetos dos quais falamos e que existem fora de nós, objetivamenteâ€. A linguagem, por sua vez, é definida como algo que se refere sempre a alguma coisa: a realidade natural, social ou psÃquica...
A primeira questão que se coloca, portanto, é: o que vem primeiro?
É a linguagem que cria a nossa imagem de realidade, ou seria a realidade (refletida pela linguagem), apenas reproduzida ou copiada por aquela linguagem?
Observemos as seguintes alternativas: ou o processo linguÃstico é o ato de criação da imagem da realidade, ou é o resultado do seu reflexo, da sua reprodução, etc. Pensa Schaff que, “se o processo linguÃstico é o ato do reflexo cognitivo da realidade, ter-se-ia de excluir o papel ativo, criador, da linguagem nesse processo, e vice-versaâ€.
Nesse ponto, Schaff redefine linguagem como sendo “um produto homogêneo constituÃdo de sinais e de significação, o qual funciona realmente no ato da palavra humana, e não um sistema de sons ou de outros sinais per se. â€
Teoria da linguagem como criadora da realidade humana
Schaff critica a visão idealista, na qual a linguagem cria, não a imagem do mundo, mas o próprio mundo: “a linguagem contém em si uma ideia do mundo definida [...] que determina o nosso modo de percepção e de concepção da realidadeâ€
Assim, a linguagem que cria a nossa imagem de realidade, nos impõe essa imagem. Deste modo, ela acaba por constituir uma forma de ordenar o caos que a realidade “em si mesma†é a priori.
(p. 216) “Ao impor ao espÃrito (que pensa sempre numa certa lÃngua) uma maneira definida de unir os elementos desse caos (por outras palavras, de separar em pedaços essa massa confusa), a linguagem decide, na realidade, do que tratamos como uma coisa, como um acontecimento, como uma regra etc., e cria assim a nossa imagem ordenada do mundo.â€
Ao lado dos defensores da tese do papel ativo da linguagem, há uma segunda tese, segundo a qual a linguagem é produto, ou de uma convenção arbitrária (Carnap, Ajdukiewicz) ou da função simbólica particular à psique humana (Cassirer).
Schaff assinala, quanto à segunda tese (da convenção arbitrária) que se trata de posição indefensável do ponto de vista da ciência (sociologia, psicologia, lingüistica etc) - “pois as teses a respeito da escolha arbitrária da lÃngua, baseada numa convenção arbitrária, relevam simplesmente do domÃnio do fantástico.†(p. 217) – procedimentos nascidos do interesse pelas ciências dedutivas, mas que “fracassam inteiramente quando é aplicado a produtos sociais tais como a linguagem.â€
Schaff ainda tece crÃticas à Carnap e Ajdukiewicz e também a Cassirer (p. 219):
Porquanto, que restará então por fazer, senão afirmar que se a linguagem cria – numa acepção definida deste termo – a nossa imagem do mundo é também um produto social e histórico?
Por fim, ele conclui (p 221):
“Daà resulta, que os que afirmam que a linguagem cria uma imagem da realidade de maneira arbitrária e, portanto, variável, unicamente em função da minha escolha arbitrária de uma lÃngua, defendem uma tese muito diferente da que nós obtemos, ao precisar que a linguagem cria, por certo, uma imagem da realidade, mas fá-lo na medida em que impõe ao indivÃduo, no decurso da sua apreensão ontogenética do mundo, os modelos e os estereótipos formados ao longo e ao cabo da experiência filogenética da espécie humana e transmitidos graças à educação, que é sempre lingüÃstica â€
Para Schaff, a questão da arbitrariedade não atinge o ato de criação. A “partir do momento em que admitimos que a linguagem não é, nem o produto de uma convenção arbitrária, nem o produto espontâneo de uma função biológica qualquer, resta-nos entendê-la como um produto social, genética e funcionalmente ligado à prática humana social. Também podemos admitir que a “imagem do mundo, oferecida ou imposta pela lÃngua dada, não é arbitrária e não pode ser arbitrariamente mudada em virtude de uma escolha arbitráriaâ€.
A criação não é uma escolha do indivÃduo, arbitrariamente, mas a linguagem cria a realidade na “medida em que impõe ao indivÃduo, no decurso de sua apreensão ontogenética do mundo, os modelos e os estereótipos formados ao longo e ao cabo da experiência filogenética da espécie humana e transmitidos graças à educação, que é sempre lingüÃstica†- a criação não é, nem arbitrária, nem arbitrariamente modificável.
Na segunda teoria, reproduzir não se refere ao aspecto sonoro da linguagem, embora as onomatopéias façam isto. Que significa dizer que a linguagem, enquanto produto composto de sinais e de significações, reflete (reproduz, copia) a realidade?
Para Helena Eilstein, o termo reprodução ou reflexo pode ser compreendido em três acepções diferentes:
1o) a relação de causa e efeito entre as excitações provenientes do mundo material e os atos psÃquicos que elas provocam - sentido genético: barulho e reação de medo;
2o) a relação que se estabelece entre os atos psÃquicos e os caracteres da sociedade que os condicionam, exercendo esta sociedade uma influência formadora na atitude do sujeito – reflexo no sentido sociológico – o comportamento do indivÃduo como reflexo do meio social em que vive;
3o) a relação cognitiva especÃfica que se estabelece entre os conteúdos de certos atos psÃquicos e os seus correlativos, sob a forma de elementos definidos do mundo material - sentido gnoseológico – o conhecimento, apreensão do mundo material.
Como já mencionamos antes, para Schaff, “a linguagem nem cria a realidade – no sentido literal da palavra ‘criar’, nem é o reflexo da realidadeâ€. O reflexo contém sempre um certo elemento de subjetividade e é esse reflexo que, num sentido moderado da palavra, “cria a imagem da realidade.
O reflexo da realidade objetiva e a “criação†subjetiva da sua imagem no processo do conhecimento não se excluem, mas completam-se, constituindo um todo.
Há, assim, um caráter objetivo e subjetivo do processo de conhecimento sobre o qual a linguagem vai ter um papel ativo: o papel ativo da linguagem sobre o conhecimento!
Schaff aponta o papel ativo da linguagem na atividade intelectual do homem, analisando a relação da linguagem com o pensamento, com o conhecimento e com a cultura.
Estudando especificamente a relação entre linguagem e pensamento, Schaff faz três considerações relevantes:
1) a linguagem é condição necessária do pensamento conceitual – o pensamento seria impossÃvel sem um sistema de sinais: a lÃngua;2) a linguagem socialmente transmitida ao indivÃduo humano forma a base necessária do seu pensamento, a base que o liga aos outros membros da mesma comunidade linguÃstica e na qual se funda a sua criação intelectual individual;3) consequentemente, a linguagem não só constitui o ponto de partida social e a base do pensamento individual, mas influencia também o ‘nÃvel’ da abstração e da generalização deste pensamentoPara este autor, portanto, “linguagem e pensamento são produtos da prática humanaâ€. Relação entre linguagem e conhecimento
O conhecimento deveria assim, ser visto como um processo de pensamento, cujo resultado é a descrição da realidade. O processo de conhecimento estaria também indissociavelmente ligado à prática. A linguagem conteria em si a experiência e o saber das gerações passadas, ou seja, ela constituiria uma prática condensada, responsável por ficar esse conteúdo. A linguagem, por esse ponto de vista, seria socialmente modelada na base de uma prática social determinada, é o reflexo de uma situação concreta e constitui a resposta a questões práticas derivadas dessa situação.
Determinismo e Gerativismo: outras relações entre linguagem e cultura
Para N.J. Marr, o sistema linguÃstico é reflexo do sistema social, do sistema de classes. Ele introduziu na linguÃstica a tese da lÃngua como superestrutura. Marr critica as tentativas de estudar os grupos (as famÃlias) de lÃnguas e vê nisso a manifestação da teoria da "lÃngua-mãeâ€, que ele considera totalmente equivocada. Do ponto de vista marxista, contudo, seria correto afirmar que a lÃngua é uma superestrutura? Não.
“A infraestrutura é o regime econômico da sociedade numa etapa determinada de seu desenvolvimento. A superestrutura são as opiniões polÃticas, jurÃdicas, religiosas, artÃsticas, filosóficas da sociedade e as instituições polÃticas, jurÃdicas e outras que lhes correspondem. Se a infraestrutura se transforma e desaparece, ela acarreta a transformação e o desaparecimento de sua superestrutura; se nasce uma infraestrutura nova, ela acarreta o nascimento da superestrutura que lhe corresponde. Sob esse aspecto, a lÃngua se diferencia radicalmente da superestrutura. Tomemos por exemplo a sociedade russa e a lÃngua russa. Após a revolução russa, a anterior infraestrutura capitalista foi substituÃda por uma nova, socialista. Criou-se uma nova superestrutura correspondente. Apesar disso, a lÃngua russa continuou, no essencial, o que ela era antes da Revolução. No que diz respeito ao léxico fundamental e ao sistema gramatical que são a base da lÃngua, não somente não foram liquidados nem substituÃdos por um novo léxico fundamental ou sistema gramatical, mas foram conservados na sua integridade e não sofreram nenhuma modificação séria. (Stálin)
Por outro lado, segundo a hipótese Sapir-Whorf, também conhecida como Determinismo LinguÃstico (uma versão mais radical do Relativismo LinguÃstico), a lÃngua que falamos é capaz de moldar a maneira como pensamos e vemos a realidade. As lÃnguas humanas exercem um papel importante na cognição de seu falante, que vê o mundo de forma distinta daquela por meio do qual um falante de outra lÃngua o vê.
Para o linguista Edward Sapir (1884-1939), porém, “a lÃngua não existe isolada de uma cultura, isto é, de um dado conjunto socialmente herdado de práticas e crenças que determinam a trama das nossas vidas†(Sapir, 1954: 205). A relação entre tal conjunto de práticas e a lÃngua gera consequências interessantes. Tal relação afetaria sensivelmente a maneira como os falantes interagem com a realidade. Ou seja, é possÃvel que a lÃngua, por meio da cultura, de certa forma molde o nosso ponto de vista sobre a realidade. A partir desta tese, é que se atribui a Sapir e a seu discÃpulo Whorf, a chamada hipótese do relativismo linguÃstico.
Já, o gerativismo (Chomsky) defende que, sendo a linguagem uma faculdade exclusivamente humana, estaria de antemão programada nos genes dos homens, e, portanto, seria inata e universal. A maioria das pesquisas sob essa orientação (a partir da segunda metade do século XX) está em busca dos universais nas lÃnguas humanas, a fim de comprovar a universalidade da chamada “Gramática Universalâ€, que seria um sistema geneticamente transmitido.
É correto dizer que “a linguagem não depende em nada do desenvolvimento da cultura� A linguagem não seria, além de um dos elementos da cultura, também um dos co-criadores dela?
Texto elaborado por Silvio Motta Maximino
* principais obras de A. Schaff: A Sociedade Informática, Ed. Brasiliense; História e Verdade, Ed. Martins Fontes; Introdução à Semántica, Ed. Civilizaçao Brasileira; Linguagem e Conhecimento, Ed. Almedina; O Marxismo e o IndivÃduo, Ed. Civilizaçao Brasileira.
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