Também a escola se depara com a violência
Filosofia

Também a escola se depara com a violência


Jornal Mundo Jovem
Entrevista publicada na edição nº 395, abril de 2009.


Eveline Maria da Costa
O debate acerca da violência nas escolas torna-se cada dia mais intenso e urgente: indisciplina, falta de segurança, rivalidades entre grupos de alunos, conflitos entre professores e estudantes.
Sendo a escola um espaço potencializador de transformação, como construir alternativas para a superação desta realidade? É possível promover uma cultura de paz nas escolas e em suas comunidades?

Eveline Maria da Costa,
integra a equipe da ONG Educadores para a Paz e é professora da escola Municipal Wenceslau Fontoura, de Porto Alegre.
Endereço eletrônico: [email protected]
Site: www.educapaz.org.br


Mundo Jovem: Como a questão da segurança atinge a escola?

Eveline Maria da Costa: Quando a gente pensa em segurança, muitas vezes temos uma visão individualista: eu quero segurança, quero segurança para minha família, quero segurança pra mim, quero poder andar livremente na rua, quero poder sair e não me preocupar se vou ser machucada, assaltada. Mas a segurança é muito mais do que isso. Ela não é só individual; envolve uma série de questões que na escola (e ainda mais na escola de periferia) a gente pode ter contato.

É importante trabalhar com o tema da segurança não simplesmente questionando o aluno sobre o que é segurança, para quem é a segurança. Deve-se ter, tambm, uma visão mais ampla da questão cultural. E aí entra o trabalho com uma nova cultura, um novo tipo de educação, com uma educação para a paz, buscando criar uma nova cultura que é a cultura de paz. Por que criar uma nova cultura? Porque a nossa cultura não é a cultura da paz. A cultura ocidental é uma cultura bélica, violenta, que nos ensina diariamente a usar a agressão e a força para conseguir os nossos objetivos, para resolver os nossos conflitos...


Mundo Jovem: É possível acabar com os conflitos?

Eveline Maria da Costa: Os conflitos são inevitáveis. Eles fazem parte da natureza humana, da diferença, de todas as coisas que nos fazem ser humanos. E como não tem como evitar o conflito, a gente tem que inventar uma maneira diferente para administrar essa questão, que não seja a maneira da violência. Então se pensa na cultura da paz, na resolução não-violenta de conflitos, na transformação das injustiças sociais.

Alterar o conceito de segurança que temos pode ser uma das transformações para mudar esta realidade violenta. Que segurança queremos? Que tipo de sociedade queremos? E aí, com os jovens na escola podemos questionar: o que é segurança para você? Para que serve este tipo de segurança? Assim como você vive diariamente é bom? Está sendo agradável? O que podemos fazer para transformar essa realidade? Quem faz a segurança na comunidade da periferia? Com certeza não é o Estado. Então, manter este discurso moralista de que todos temos que ?seguir as leis?, que ?temos direitos e deveres?, que ?precisamos seguir nossas obrigações? que o Estado vai nos trazer o que é importante para a nossa segurança, não é suficiente.

Precisamos problematizar: por que o Estado não está fazendo a segurança aqui na periferia? Quem toma conta da segurança aqui? O que podemos fazer para transformar essa cultura e criar uma nova, uma cultura de paz?


Mundo Jovem: Por que existe violência na escola? Não deveria ser um lugar de paz?

Eveline Maria da Costa: O que eu vejo em relação à violência na escola é que muita coisa que faz parte da vida da comunidade se manifesta na escola. Então, se faz parte do costume de uma família ou de um grupo de amigos resolver as questões de conflito, que são inevitáveis, resolver as contrariedades, as diferenças no grito, no chute, na agressão verbal, no quem fala mais alto, quem tem mais poder da força física, isso se reflete dentro da escola. E a escola tem que trabalhar com isso. Muitas vezes, na escola, dizemos: ?Aqui não pode brigar.

Se você quiser pegar seu colega, vai pegar lá na rua?. Assim não resolvemos o problema, só o tocamos para a rua. Em outras palavras, você está dizendo para o aluno que ele pode, sim, bater no colega, mas que só não o faça aqui dentro, porque vai gerar um probleminha para nós. Assim, continuamos trabalhando com a cultura da violência. Simplesmente colocamos a escola como um espaço proibido de briga, permitindo essa ação na rua. É preciso trabalhar de uma forma inversa.


Mundo Jovem: E como se faz isso?

Eveline Maria da Costa: Pelo diálogo, pela conscientização. Perguntar ao aluno por que ele quer bater no fulano? Bater nele vai resolver? O que a gente pode fazer em relação a isso? A violência se manifesta dentro da escola, mas ela pode ganhar uma cara nova; podemos trabalhar de uma nova maneira, transformar a violência, a resolução violenta de um conflito, numa resolução não-violenta, de um outro jeito, através do diálogo.

Uma proposta muito interessante está sendo discutida em Porto Alegre. Saiu do Judiciário e agora está se multiplicando através de oficinas e cursos para os professores, que propõe trabalhar com práticas. Consiste em reunir as partes envolvidas no conflito, sentar para conversar, pensar em opções para remediar ou tentar modificar aquele dano que foi causado, de uma maneira que não haja violência.

Um outro aspecto que não podemos deixar de analisar é que também existe a violência da escola. Porque quando ela trata com violência as próprias manifestações de violência, quando reprime, cala, oprime, ignora ou joga para a rua aquela manifestação, ela também está gerando violência. Neste caso a escola não é só um espaço de manifestação, mas também um espaço que pode gerar violência. Também pode ser um espaço que é inseguro. Às vezes os jovens procuram na escola um espaço de segurança e encontram um lugar onde aquele problema vai continuar persistindo.


Mundo Jovem: Como podemos construir essa cultura da paz na escola?

Eveline Maria da Costa: Ao invés de resolver aquela situação de briga dentro da escola com um chute, com um soco, com o meu bonde brigando com o teu bonde, te pegando na saída da escola, tentar resolver de outra maneira. De repente foi um mal-entendido, foi só porque eu falei determinada coisa pro meu colega e ele não gostou, mas eu não sabia que aquilo ali podia ofender. Eu posso sentar, eu posso conversar, eu posso me abrir e mostrar que eu sou gente, que eu tenho sentimentos. E aí construir uma outra forma de resolver as desavenças.

A paz não é algo parado, uma coisa que a gente alcança e pega no ar e pronto: agora a paz é minha e ela faz parte de mim para sempre. Não. A paz é algo em construção, é uma forma de viver, uma maneira de enfrentar a vida. Por isso falamos em cultura da paz. São jeitos de ser, tradições, costumes que vão transformando a nossa vida. Dela, a resolução de conflitos, a solidariedade e a cooperação fazem parte. E aí a segurança começa a integrar esse meio também. Não preciso mais olhar para o outro com desc nfiança, com medo. Posso começar a ocupar os espaços públicos e a comunidade começa a ocupar também e eu passo a me sentir seguro, porque eu sei que o outro não vai me apunhalar pelas costas; ele vai tentar conversar comigo quando alguma coisa não der certo.


Mundo Jovem: Ainda temos muito que fazer para construir esta cultura?

Eveline Maria da Costa: É um caminho lento e muitas vezes árduo, porque não faz parte da nossa cultura nacional e mundial. Mas ao mesmo tempo já existem muitas iniciativas por aí. Aqui na escola, por exemplo, temos vários professores trabalhando com essas questões em sala de aula, com grupos de estudo e de discussão, com oficinas de monitores, nas quais os maiores trabalham com os menores. Tais iniciativas de trabalhar com a cultura de paz e segurança devem ser vistas, estimuladas e valorizadas. Porque uma coisa não está desligada da outra. Não tem como eu querer trazer segurança para minha comunidade se eu não trabalhar com uma cultura de paz e se a escola não fizer parte desse movimento.

A escola não é salvadora da pátria, mas um espaço de discussão, de debate, de construção de novas ideias, onde a rapaziada aprende, onde se diverte; onde também o professor aprende e se diverte. Passamos muito tempo juntos dentro da escola e é aqui que vamos aprendendo a viver.



A indisciplina e a mediação de conflitos

Quando o assunto é indisciplina dos alunos e atitudes de rebeldia e agressões, há a necessidade de mudanças profundas na escola enquanto comunidade. A postura tradicional de onipotência por parte do educador, mesmo quando se coloca para ajudar o aluno, é um modelo inadequado para alcançar soluções. Entender os motivos, os porquês que estão por trás de cada fala, do que as pessoas dizem, é a chave na resolução dos conflitos. O respeito, a responsabilidade e a cooperação são fundamentais. Na mediação de conflitos dentro da unidade escolar, o professor não pode ser o protagonista, deve considerar que não está sozinho nesse processo, e por essa razão deve trabalhar em equipe.

Faz-se necessário neste novo paradigma compreender primeiro e não apenas penalizar; saber escutar as razões. O conceito de culpa deve ser mudado para o paradigma do conceito de responsabilidade. Quando há responsabilidade, há reparação, pois só a culpa não resolve nada, apenas paralisa e exclui. A corresponsabilidade leva à reparação por mei da ação de que foi feito. Culpa ou castigo envolve exclusão e rótulos, a responsabilidade não.

Vejamos esta situação. Entre um grupo de professores foi feita a seguinte dinâmica: cada participante recebeu um balão e o encheu. Em seguida, o coordenador solicitou que amarrassem os balões e os segurassem com a mão esquerda e que colocassem a mão direita aberta para trás, onde foi colocado um palito de dente. A regra era proteger o seu balão e mantê-lo bem cheio até acabar o tempo de cinco minutos.

Dado o sinal de início, alguns balões começaram a ser estourados pelos colegas com o palito de dentes. Ao final do tempo dado, apenas dois permaneceram com os balões cheios. Todos poderiam ter permanecido com os balões cheios se não usassem os palitos, pois a regra não era estourar os balões. Foi o espírito competitivo que os levou a furar os balões. Nesse espírito, todos querem ganhar. Embora a consigna fosse ter o seu balão cheio, apenas dois se preocuparam em proteger o seu balão. O palito de dentes simboliza o conflito.

Neste modelo, em situações de conflito, o nosso objetivo é ganhar, não asta proteger, é preciso vencer. E para vencer é preciso destruir o outro nas dimensões objetiva e subjetiva. Este é um paradigma cultural que precisa ser desconstruído. Todos tinham palitos e o outro esperava que o ataque ocorresse. A forma de proteger foi atacando, porque o outro esperava isso. A filosofia que predomina é: o importante é que a outra pessoa perca e eu ganhe! Na cabeça das pessoas, a fórmula era: para eu ganhar o outro tem que perder, mas isso precisa ser desconstruído na mediação. Em lugar de derrotar o outro, é preciso pensar no que podemos fazer juntos para solucionar o problema que nos envolve. Essa é a mudança de paradigma que deve ser feita.

Para os alunos adolescentes que desejam ter identidade própria, independência significa subjugar alguém. Então aparecem as gangues para subjugar os outros. Para ele ser alguém, deve levantar as limitações. A pergunta é: como se resolve um conflito satisfazendo ambas as partes? Todos devem ganhar na mediação escolar. Tal mediação não trabalha a questão (conflitos), mas as pessoas que estão envolvidas na questão. Nesse novo paradigma, o conceito de quem ganha e de quem perde deve ser superado. Nossa cultura está formatada para ganhar e perder. Faz-se necessário construir o princípio do ganha-ganha, no qual todos ganham e ninguém perde.

Jorge Schemes,
professor universitário na FGG-ACE, Joinville, SC.
Endereço eletrônico: [email protected]

Fonte: http://www.mundojovem.pucrs.br/entrevista-04-2009.php




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