Aos 14 anos, Rafael Coltran mudou de escola pela primeira vez na vida. Saiu da escola do bairro onde estudou a vida inteira para cursar o primeiro ano do ensino médio em um colégio maior. Nas semanas anteriores ao início das aulas, não se aguentava de ansiedade ? a ponto de desejar que as férias acabassem logo. Na noite anterior ao primeiro dia de aula, dormiu só cinco horas. Sua única preocupação era ?será que a galera vai gostar de mim??. Dúvida que foi respondida no primeiro dia de aula. ?Foi diferente do que eu esperava. Fiz amizade logo de cara?, diz ele, aliviado.
O medo de mudar de escola é comum a quase todos os alunos. Ele ocorre pelo menos uma vez na vida. De acordo com um levantamento feito pelo Ministério da Educação, os primeiros anos do ensino fundamental e médio são os que têm maior rotatividade nas escolas. A troca de alunos é de cerca de 30%. Seja qual for a idade do estudante, os problemas podem aparecer no relacionamento com os outros alunos e no aprendizado. ?Para alguns, especialmente entre o maiores, entrar em uma escola em que as ?panelas? já estão formadas é o pior pesadelo?, afirma Miriam Tricate, diretora do Colégio Magno, de São Paulo. ?Para outros, a dificuldade pode ser acompanhar o ritmo das aulas, diferente da escola antiga.?
Cada criança ou adolescente tem seu ritmo de adaptação ? e o que é considerado normal para um pode não ser para outro. Entre os sinais de que algo vai mal estão o isolamento, o desânimo para fazer a lição de casa, dores de cabeça e insônia (leia o quadro abaixo). Entre os pequenos, há casos de regressão, como voltar a fazer xixi na cama. A boa notícia é que, na maioria das vezes, os problemas são contornáveis se pais e escolas atuarem juntos (confira no quadro dicas de como evitá-los).
Patrícia Magalhães sabia que acomodar a filha em uma nova escola não seria simples. Aos 11 anos, Camila teve de deixar para trás uma inseparável turma de sete amigos que a acompanhava desde os 6 anos. Mas, quando Patrícia percebeu, numa conversa, que Camila ainda ficava sozinha na hora do recreio depois de duas semanas de aula, resolveu procurar a diretora. ?Não achei normal tanto tempo sem uma nova ?panela??, diz.
O plano de ação para contornar o problema de Camila envolveu seus professores, que passaram a sugerir sua entrada em grupos de trabalho com colegas com quem tinha mais afinidade. Já a mãe não perdeu tempo quando ouviu pela primeira vez a filha mencionar o nome de uma colega. ?Sugeri que convidasse a menina para passar uma tarde em casa, junto com suas antigas amigas. Deu certo.?
Promover encontros com os velhos amigos é uma alternativa. Vale até visitas na escola antiga, mas com uma ressalva. ?É preciso deixar espaço para novas amizades. Senão, a criança não seguirá em frente?, afirma a psicopedagoga Quézia Bombonatto. Outra dica para pais que temem o isolamento do filho é criar atividades extracurriculares dentro da escola. Mas sempre com bom-senso, para não prolongar a tortura ou sobrecarregá-lo.
A falta de apoio da escola foi fator determinante para o fracasso da adaptação de Laura Macian, que mudou de escola aos 6 anos. Seus pais começaram a notar que ela andava calada. O isolamento de Laura logo repercutiu em seu desempenho. ?A Laura sempre foi meio avoada, mas a dispersão se acentuou, e ela ficou cada vez mais desestimulada?, diz o pai, Luis Fernando. A escola foi procurada diversas vezes, mas a única resposta que Luis obteve foi ?aqui é mais difícil, e a Laura vai ter de se acostumar?. Na metade do segundo semestre Laura participou de atividades recreativas da antiga escolinha. Trazia para casa desenhos tão coloridos quanto os que fazia antes da mudança. ?Aí ficou evidente que estava infeliz?, conta Luis. Laura voltou para a escola velha.
Quase todos os colégios têm algum tipo de programação especial para os alunos novos. As atividades de integração podem até começar antes das aulas ? e são recomendadas para pais e alunos. O Colégio Discere Laboratum, de São Paulo, organiza um café da manhã uma semana antes do início do ano letivo, em que os convidados são os novos alunos e seus padrinhos ? alunos que já estudam no colégio e que ficam responsáveis por seus afilhados durante o período de adaptação. ?Ter alguém a quem recorrer nos primeiros dias tranquiliza quem está chegando?, afirma Márcia Angi, coordenadora pedagógica.
O cuidado deve acontecer até com quem está à frente no conteúdo. Giulia Pravato, de 5 anos, já lê e escreve bem. Neste ano, foi matriculada em um colégio maior, que oferece até o ensino médio. Na nova classe de Giulia há crianças que nunca foram à escola antes. Muitas ainda não sabem as letras nem os números. ?Qual vai ser a reação dela quando a professora apresentar o abecedário??, diz a mãe, Rose Catanni, preocupada com a motivação da filha. A diretora prometeu mandar lições de casa mais puxadas para ela.
Fonte: Revista Época