Filosofia
A Caverna (trecho) - José Saramago
Havia alcançado o final da gruta. Baixou o foco da lanterna para se certificar da firmeza do solo, deu dois passos e ia a meio do terceiro quando o joelho direito foi chocar em algo duro que o fez soltar um gemido. Com o choque a luz oscilou, diante dos olhos surgiu-lhe, num instante, o que parecia um banco de pedra, e logo, no instante seguinte, alinhados, uns vultos mal definidos apareceram e desapareceram. Um violento tremor sacudiu os membros de Cipriano Algor, a sua coragem fraquejou como uma corda a que se estivessem rompendo os últimos fios, mas dentro de si ouviu um grito que o chamava à ordem, Recorda, nem que morras. A luz trémula da lanterna varreu devagar a pedra branca, tocou ao de leve uns panos escuros, subiu, e era um corpo humano sentado o que ali estava. Ao lado dele, cobertos com os mesmos panos escuros, mais cinco corpos igualmente sentados, erectos todos como se um espigão de ferro lhes tivesse entrado pelo crânio e os mantivesse atarraxados à pedra. A parede lisa do fundo da gruta estava a dez palmos das órbitas encovadas, onde os globos oculares teriam sido reduzidos a um grão de poeira. Que é isto, murmurou Cipriano Algor, que pesadelo é este, quem eram estas pessoas. Aproximou-se mais, passou lentamente o foco da lanterna sobre as cabeças escuras e ressequidas, este é homem, esta é mulher, outro homem, outra mulher, e outro homem ainda, e outra mulher, três homens e três mulheres, viu restos de ataduras que pareciam ter servido para lhes imobilizar os pescoços, depois baixou a luz, ataduras iguais prendiam-lhes as pernas. Então, devagar, muito devagar, como uma luz que não tivesse pressa de aparecer, mas que viesse para mostrar a verdade das coisas até aos seus mais escuros e recônditos desvãos, Cipriano Algor viu-se a entrar outra vez no forno da olaria, viu o banco de pedra que os pedreiros lá tinham deixado esquecido e sentou-se nele, e outra vez escutou a voz de Marçal, porém estas palavras agora são diferentes, chamam e tornam a chamar, inquietas, lá de longe, Pai, está a ouvir-me, responda-me. A voz retumba no interior da gruta, os ecos vão de parede a parede, multiplicam-se, se Marçal não se cala por um ninuto não será possível ouvirmos a voz de Cipriano Algor a dizer, distante, como se ela própria já fosse também um eco, Estou bem, não te preocupes, não me demoro. O medo havia desaparecido. A luz da lanterna acariciou uma vez mais os míseros rostos, as mãos só pele e osso cruzadas sobre as pernas, e, mais do que isso, guiou a própria mão de Cipriano Algor quando ela foi tocar, com respeito que seria religioso se não fosse humano simplesmente, a fronte seca da primeira mulher. Não havia mais que fazer ali, Cipriano Algor tinha compreendido Como o caminho circular de um calvário, que sempre irá encontrar um calvário adiante, a subida foi lenta e dolorosa.
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