Filosofia
A questão da origem e da função da Linguagem
A questão da origem e da função da Linguagem: uma breve introdução
Qual a possÃvel relação entre as palavras e as coisas? Seriam os nomes dados aos seres, meras convenções ou seriam naturais/inerentes aos seres?
A crença de que o nome tem um poder intrinsecamente associado à coisa ou pessoa portadora dele é milenar. Na Antiguidade, muitos consideraram que o nome era parte indissociável do seu próprio ser. O nome de uma pessoa seria tão parte dela como qualquer outra parte do seu corpo. Por vezes, o nome adquiria até um caráter sagrado, sendo que ao seu portador caberia honrá-lo.
Convencionalismo versus Naturalismo
No diálogo “Crátiloâ€, Platão apresenta um diálogo entre Crátilo e Hermógenes. Este defende a posição conhecida como “convencionalismoâ€: os nomes não têm nenhuma relação com as coisas e são completamente arbitrários. Já, Crátilo defende a denominada “posição naturalistaâ€, na qual se afirma que a cada coisa corresponde o seu nome e “conhecer o nome significa saber o que a coisa éâ€. Platão reconhece a ocorrência de certo grau de convencionalismo (como quando um mesmo objeto tem diferentes nomes em diversas lÃnguas). Não obstante, há um limite para tal ‘convencionalismo’, pois, segundo ele, não se deve perder de vista o fato de que “as palavras devem significar a essência daquilo que representamâ€. No fundo, a palavra seria “um instrumento representativo da ordem das coisas, do mundoâ€.
Assim como existe uma ordem nas coisas, existe uma ordem na linguagem, que é tão mais verdadeira quanto melhor representar a ordem das coisas. Por isso, torna-se necessária a ‘crÃtica da linguagem’, já que ela precisa ser mais fiel no momento de expressar aquela ordem natural das coisas (tal tarefa caberia ao ‘dialético’, responsável por criar os nomes e fazer com que a palavra pudesse exprimir em sons a ideia correspondente à essência da coisa).
Bem contrária à posição de Platão, temos o filósofo inglês Guilherme de Ockham (1285-1349), defensor da doutrina conhecida como "termismo" ou "nominalismo". Segundo Ockham, o nome ou o termo "faz as vezes" do objeto na proposição. Ele tão somente substitui a coisa real, mas ele mesmo não tem nada a ver com a coisa que designa, é mera convenção utilizada para nos referirmos às coisas.
O problema da abstração
Podemos ter uma ideia bastante clara de quem seja o 'Antonio' ou a 'Joana', mas a ideia mesma de "humanidade" que se atribui a ambos já não é tão clara assim em nosso intelecto. Disso se poderia concluir que as palavras se prestam melhor para se referir à s coisas concretas e não para representar a essência (se é que ela existe), como pensava Platão. Os termos abstratos seriam apenas construções de nosso intelecto, “não estando de forma alguma nas coisasâ€. Deste modo, as coisas não têm uma essência a ser simbolizada através do termo, nós é que atribuÃmos uma essência para elas através do processo de abstração.
Convenção ou essência
Percebemos determinadas caracterÃsticas nas coisas e estabelecemos relação de semelhança entre elas. Ex: certos animais têm penas, bicos e são bÃpedes, o que nos leva a chama-los de aves. Essas caracterÃsticas comuns estão presentes nos indivÃduos singulares, mas nós abstraÃmos, formando uma “ideia geral†que se aplica a um grupo de indivÃduos. A "ave" em si, porém, não existe. O que existem são patos, galinhas e canários concretos aos quais aplicamos a ideia geral de “aveâ€.
Pedro Abelardo (1079-1142), colocou o mesmo problema nos seguintes termos: “se todas as rosas do mundo desaparecessem, o nome ‘rosa’ ainda assim continuaria tendo significado?â€
A questão da origem da linguagem
Esta questão é considerada como “um problema não linguÃsticoâ€. As teorias sobre a origem da linguagem podem ser sintetizadas em quatro principais correntes:
1. Teses biológicas: defendiam que a linguagem nasceu lentamente da evolução dos movimentos e dos sons espontaneamente expressivos (pooh-pooh theory) das emoções do animal e do homem; ou então que é produto da imitação dos gritos ou ruÃdos naturais (bow-wow theory).
2. Teses antropológicas: há várias, divergindo entre si mesmas. Alguns teóricos desta linha defendem que a origem da linguagem se atribui:
a) às correlações simbólicas entre o valor impressivo de uma produção sonora e o seu sentido (ding-dong theory);
b) às emissões sonoras acompanhando o esforço muscular (yo-heho theory);
c) ao desenvolvimento do primeiro galreio infantil, ou do canto ou mesmo dos gestos expressivos.
Certas teses tentaram se apoiar nos estudos sobre a aquisição da linguagem pelas crianças ou sobre as formas linguÃsticas observadas entre os povos primitivos, ou ainda sobre a patologia da linguagem.
3. Teses filosóficas: sustentaram, ora que a linguagem é inata, ora que é adquirida, ora que resulta de uma invenção voluntária, mas fortuita, uma descoberta acidental.
4. Teses teológicas: afirmavam que a linguagem é dom de Deus.
A linguÃstica histórica tenta reconstruir os estágios mais remotos da lÃngua, muito anteriores aos primeiros textos conhecidos. Assim, as reconstruções do indo-europeu comum situam no III milênio a.C. um estágio hipotético de uma lÃngua desconhecida atestada sob as formas evoluÃdas conhecidas como o “sânscrito védicoâ€, o “grego homéricoâ€, etc.), as quais são encontradas tão só por volta do milênio I a.C.
As descobertas na Ãfrica do Sul (Australanthropos, Zinjantrhorpos) transferem o aparecimento da espécie “homo†para perto do fim do perÃodo terciário (há talvez um milhão de anos, o que alonga consideravelmente os tempos da evolução de todos os fenômenos propriamente humanos, inclusive a linguagem).
Leroi-Gourhan, palenteólogo, etnólogo e pré-historiador realizou vários estudos sobre as origens do homem e da escrita e assim considera que a escrita constitui a primeira prova arqueológica direta da linguagem. Por volta de 50.000 a.C., homens teriam feito incisões regularmente espaçadas na rocha. Por volta de 30.000 a.C teriam aparecido as figuras gravadas ou pintadas.
Para Marcel Cohen, a escrita teria passado por três estágios:
1) Pictogramas: espécie de desenhos que contam uma história, mas sem relação visÃvel com um particular enunciado falado; história que se interpreta ou se reconstitui como o motivo de um quadro ou de uma série de quadros. Tais desenhos tanto podem ser autossuficientes, como servir de resumos mnemônicos de relatos, isto é, de mensagens verbais mais ou menos estereotipadas.
2) Ideogramas ou hieróglifos: desenhos de formas no geral reconhecÃveis, cada um dos quais corresponde a uma unidade semântica de um enunciado falado.
3) Fonogramas ou signos escritos. Cada um deles corresponde a um som mÃnimo da linguagem, vogal, semivogal ou consoante.
O que é ‘linguagem humana’ e ‘linguagem animal’
O termo linguagem pode referir-se aos mais diversos usos: linguagem falada, linguagem escrita, linguagem dos animais, linguagem das artes, linguagem dos gestos, etc. A distinção entre linguagem humana e linguagem animal requer uma série de considerações:
1) Animais são capazes de exteriorizar (comunicar) o medo, o prazer, a cólera, etc. por meio de determinados sons ou gestos: o objetivo é comunicar, no sentido de influenciar o comportamento de outros animais;
As abelhas (e outras espécies animais) têm uma interessante forma de comunicação, mas por mais engenhoso que seja esse sistema de comunicação, não constitui linguagem no sentido em que utilizamos o termo quando nos referimos à linguagem humana;
2) A linguagem dos animais não é um produto cultural: é um componente da organização fÃsico-biológica, herdada com a programação genética da espécie: linguagem das abelhas, dos golfinhos, das formigas...
3) A linguagem humana não é herdada: o homem aprende a sua lÃngua;
4) A linguagem dos animais é invariável no tempo e no espaço, enquanto a linguagem humana se modifica com o passar do tempo: Latim à Português... A linguagem dos animais não é variável, pois sempre fornece ao grupo o mesmo tipo de informação, não é capaz de adquirir sentido em outras circunstâncias; enquanto isso, a linguagem humana expressa sentidos diferentes de acordo com diferentes experiências e situações: a frase “Vai chover†pode significar várias coisas...
5) A linguagem animal é composta de Ãndices (Ãndice = um dado fÃsico ligado a outro dado fÃsico por uma causalidade natural: nuvens negras no céu = Ãndice de chuva; fumaça = Ãndice de fogo...), enquanto a linguagem humana é composta de signos linguÃsticos (convenções orais feitas pelos homens); Exemplo: forma significante dotada de significado - /m e z a / (significante, sons), lugar de refeições (significado, conceito);
6) A linguagem animal não é articulada: não se deixa decompor em elementos discriminadores de significado; não tem uma significação sistêmica, nem pode ser analisada em unidades mÃnimas; Já, a linguagem humana é duplamente articulada: pode ser analisada em unidades mÃnimas. Exemplo de 1ª e 2ª articulação:
a) as menores unidades significativas = morfemas <gat-> <-inh-> <-o-> <-s>
b) as menores unidades distintivas = fonemas /g/a/t/i//ñ/o/s;
7) A linguagem animal é comportamental ou simpatética, puramente emocional (assustar-se, defender-se do perigo...), constituindo mera comunicação de comportamento; A linguagem humana, que se realiza através de signo vocais intencionais, é comportamental, mas é principalmente intelectual (aprender a extrair raiz quadrada de um número...)
Silvio M. Maximino
Texto para leitura prévia, elaborado com base nos artigos:
“Filosofia da linguagem: As palavras e as coisasâ€, de autoria de Josué Cândido da Silva*
*(professor de filosofia da Universidade Estadual de Santa Cruz em Ilhéus -BA, publicado na página eletrônica “Pedagogia & Comunicaçãoâ€, em 15/08/2007, disponÃvel no endereço eletrônico http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofia-da-linguagem-2-as-palavras-e-as-coisas.htm
“O que é Filosofia da Linguagem?â€, de William P. Alston, (1972), extraÃdo da obra 'Filosofia da Linguagem', Rio de Janeiro: Zahar, pgs. 13-24, disponÃvel no endereço eletrônico http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/alston.htm
Obra "História da lingüÃstica: das origens ao século XX", de Georges Mounin
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