Filosofia
Enem: avaliando o avaliador, por Esther de Almeida P. M. Carvalho
Com relação ao Enem, em especial suas versões 2009 e 2010, uma sequência de descompassos tem abalado a credibilidade de um exame que envolve mais de três milhões de estudantes, em todo o Brasil, e põe em risco conceitos importantes que podem impactar na melhoria de nosso sistema educacional. Ao longo de sua história, o Enem passou por mudanças importantes, desde sua implantação, em 1998. Assumiu finalidades distintas e não complementares: ser um exame voltado para a avaliação do desempenho individual ao final da educação básica, com caráter de adesão individual e optativo, e, ao mesmo tempo, um instrumento classificatório e seletivo para o acesso ao ensino superior. A falta de comparabilidade entre os exames por dez anos, seu caráter optativo e, ao mesmo tempo, a publicação de resultados dos alunos a partir de 2005 geraram impacto significativo nas instituições de ensino, pois a prova passou a ser, socialmente, conhecida como um instrumento de avaliação de instituições, mesmo não tendo características técnicas para cumprir esse papel.
Em 2009, com o ano letivo em pleno andamento, houve a decisão de se alterarem as regras, o formato e o propósito do Enem, acentuando seu caráter classificatório e seletivo, ao vinculá-lo ao processo de ingresso nas universidades federais. Ao período de surpresa inicial seguiram-se momentos de indefinições e impactos, traduzidos no aguardo da adesão ao exame pelas universidades federais, na alteração da data de aplicação de agosto para dezembro e na compreensão da nova estrutura da avaliação, culminando com o adiamento da prova, a dois dias de sua execução, por motivo de fraude. Instituições de educação básica, em todo o País, mobilizaram-se para acolher e preparar seus alunos para a transição que se impunha, sem cuidado, por parte de seus propositores, que transformaram grandes ideias em precários processos.
Indefinições, ao longo do ano de 2010, quanto ao período de realização da prova, que ficou, novamente, para o final do ano, próximo à data de grandes vestibulares, vazamento de dados sigilosos dos alunos por parte do site do INEP, problemas de impressão dos cadernos e dos gabaritos e o despreparo para tratar contingências comprometeram a credibilidade do Enem, não quanto ao seu propósito, mas quanto à condição dos órgãos competentes de implementar, com qualidade, avaliação de tamanha envergadura.
No caso do acesso ao ensino superior, temos exemplos bem-sucedidos, como o Scholastic Assessment Test (SAT), aplicado nos Estados Unidos. O exame apresenta características fundamentais para seu sucesso: seu caráter compulsório a todos os que quiserem ingressar no ensino superior, a oferta de várias oportunidades de realização ao longo do ano e a descentralização da aplicação da prova, utilizando a mesma técnica contida no atual Enem, que é a Teoria de Resposta ao Item (TRI). Essa prova é aplicada, inclusive em outros países, como o Brasil, a todos os alunos que buscam ingressar em universidades americanas.
Os pressupostos pedagógicos do Enem, de avaliar competências e habilidades, de preconizar novas diretrizes para o ensino médio, o estabelecimento de indicadores que orientem políticas públicas e norteiem as escolas, assim como a criação de processos nacionais de seleção à universidade, são elementos importantes, capazes de contribuir para a melhoria do sistema educacional como um todo. Portanto, devem ser perseguidos. Assim, o que está em descrédito não é o Enem em si, mas a forma como as mudanças vêm sendo conduzidas, com prazos e processos inadequados, que levam a fragilidades técnicas e operacionais. Fazendo uma metáfora com a rotina escolar, o processo de aplicação do Enem está em recuperação.
Texto de Esther de Almeida P. M. Carvalho, diretora-geral do Colégio Rio Branco, de São Paulo (SP).
E-mail:
[email protected]Fonte: Jornal Virtual 198 - 10122010 - Revista Profissão Mestre
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