Filosofia
Iba Mendes: A doutrina do branqueamento
Iba Mendes: A doutrina do branqueamento:
Racismo à brasileira “No século XIX as idéias do racismo cientÃfico foram traduzidas, divulgadas e estudadas no Brasil. Na segunda metade ...
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Racismo à brasileira
“No século XIX as idéias do racismo cientÃfico foram traduzidas, divulgadas e estudadas no Brasil. Na segunda metade do século XIX a intelectualidade brasileira era altamente influenciada pelas teorias racistas (Skidmore, 1976).
As teorias raciais produzidas na Europa aqui repercutiam de forma selecionada. Frente a uma variedade de linhas, autores do darwinismo social foram insistentemente traduzidos e citados, com destaque para postulação da raça como critério de hierarquia, a determinação racial dos comportamentos e a proposição dos males da miscigenação. (Schwacrz, 2000, p. 20). No final dos Oitocentos, muitos autores insistiram nos malefÃcios da miscigenação, que determinaria uma população deficiente. A grande mistura de raças foi utilizada como hipótese para o pouco desenvolvimento do paÃs. A explicação das adversidades do paÃs como causa da miscigenação era tônica. O manual de História do Brasil de João Ribeiro21, considerado o mais importante do inÃcio do século XX, lançado em 1900, endossava esta perspectiva: “o contato das raças inferiores com as que são cultas, quase sempre desmoraliza e deprava a umas e outras†(Ribeiro apud Bittencourt, 1993, p. 238). A decorrência de que a miscigenação deixava a nação inviabilizada levou a grande mal-estar. A saÃda encontrada foi a absorção parcial das teorias raciais produzidas na Europa, vindo a constituir-se um modelo racial particular.
Acabou predominando a posição otimista sobre a miscigenação. Silvio Romero, intelectual muito ativo no perÃodo abolicionista, alinhava-se ao darwinismo social, mas mantinha uma visão otimista sobre a miscigenação (Skidmore, 1976). O autor opinou sobre o futuro do paÃs: “O povo brasileiro, como hoje se nos apresenta, se não constitui uma só raça compacta e distinta, tem elementos para acentuar-se com força e tomar um ascendente original nos tempos futuros. Talvez tenhamos ainda de representar na América um grande destino histórico-cultural†(Romero, 1888, apud Skidmore, 1976, p. 53)22. A idéia de superioridade da raça branca foi mantida, e os bons frutos do futuro condicionados à sua hegemonia “Pela seleção natural (...) o tipo branco irá tomar a preponderância até mostrar-se puro e belo como no velho mundo†(Romero, 1880, apud Skidmore, 1976, p. 53).
Esta concepção foi a base para a “solução brasileira†(Skidmore, 1976, p. 81), a teoria do “branqueamentoâ€. A particularidade do racialismo brasileiro foi reestruturar as teorias raciais européias ao contexto local, privando-as da concepção de necessária degenerescência causada pela miscigenação. A doutrina do branqueamento pendeu para uma explicação inversa ao racismo cientÃfico. Mantendo a hierarquia em relação ao branco e apontando-o como ideal, considerou que a inferioridade da raça negra seria abrandada com a miscigenação, à medida que os traços fenotÃpicos deixassem de ser tão marcados. Essa concepção influenciou para um alto grau de importância da cor da pele na hierarquização das pessoas, que é tomada, no Brasil, como uma das marcas corpóreas de raça. A importância das caracterÃsticas fenotÃpicas se relaciona com o conceito de “preconceito racial de marca†(Nogueira, 1985, publicado originalmente em 1957). O principal elemento para a definição racial das pessoas são as caracterÃsticas fenotÃpicas, diferentemente do caso norte-americano, no qual rege o “preconceito racial de origem†(Nogueira, 1985). Guimarães (1995) sustenta que esta passou a ser uma das caracterÃsticas distintivas do racismo no Brasil.
Embranquecimento passa a significar a capacidade de a sociedade brasileira absorver e integrar os mestiços e os negros. Essa capacidade varia na razão direta com que a pessoa repudia sua ancestralidade africana ou indÃgena. Embranquecimento e democracia racial são assim conceitos de um novo discurso racialista†(Guimarães, 1995, p. 57).A Figura 2 expressa a metáfora da “solução brasileiraâ€. O fato de ter sido pintada em 1895 é exemplo de que as idéias sobre o branqueamento circulavam no final dos oitocentos.
A tela faz alusão à s pinturas da sagrada famÃlia, com elementos mundanos, tÃpicas do barroco espanhol. Ao centro a mãe com seu filho no colo, com olhar e gestual que remetem à s representações sacras de Nossa Senhora com o Menino Jesus (significativos os elementos que fazem alusão aos trópicos, como as folhas de Palmeira sobre a avó e a laranja na mão da criança). Neste caso, a mãe é uma negra e a criança tem a pele mais clara. O pai, branco, descansa ao lado com olhar prasenteiro, expressão de satisfação. A avó materna, de pele mais escura que a mãe, levanta as mãos para o céu, agradecendo o embranquecimento do tom de pele de geração em geração.
A “redenção de Cam†é retratada, na tela, como fruto do embranquecimento. O tÃtulo da obra é também significativo. Os africanos são tratados como “filhos de Camâ€, por meio de uma “leitura capciosa de uma ambÃgua passagem bÃblica (Gênesis IX, 24-25)†(Faloppa, 2000, p. 84, tradução nossa). Os filhos de Noé, após o dilúvio, receberam como missão povoar as diversas regiões do mundo. Cam, o filho renegado por haver observado a nudez de Noé, foi povoar a Ãfrica, e por causa disso os habitantes do continente foram considerados, pelos europeus, o povo amaldiçoado. Este foi um desvio de leitura utilizado como justificativa à escravidão. Em verdade, o amaldiçoado por Noé foi Canaã, o único, entre os filhos de Cam, que não foi povoar a Ãfrica, mas uma região da atual Palestina.
O final dos Oitocentos foi momento de formulação de tais idéias, que travaram batalha contra os adeptos do racismo cientÃfico europeu, que consideravam a miscigenação como degeneração. O ideário de embranquecimento ganhou divulgação e vigor nos novecentos, vinculados à concepção do Brasil como “cadinho das raças†e locus da democracia racial.â€
---É isso!
Fonte:PAULO VINICIUS BAPTISTA DA SILVA: “RELAÇÕES RACIAIS EM LIVROS DIDÃTICOS DE LÃNGUA PORTUGUESAâ€. (Tese apresentada à Banca Examinadora da PontifÃcia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do tÃtulo de Doutor em Psicologia Social, sob orientação da Profª. Dra. Fúlvia Maria de Barros Mott Rosemberg). PontifÃcia Universidade Católica de São Paulo – PUC. São Paulo, 2005.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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