12/11/13 - Opinião1 - Jornal da Cidade - Bauru | |
Meritocracia, democracia racial e cotas na educação | |
Silvio Motta Maximino | |
No Brasil, desigualdades entre afrodescendentes e brancos ainda são grandes em diversos setores. O polêmico debate sobre a polÃtica de ações afirmativas visando o combate à discriminação racial no Brasil tem por base estatÃsticas reveladoras: negros e pardos ocupam as funções mais modestas e recebem, em média, salário inferior ao dos brancos, mesmo desempenhando as mesmas funções; afrodescendentes com desempenho escolar inferior aos demais; “esquadrões da morte†matando aqui mais negros do que a polÃcia da Ãfrica do Sul, durante o regime do Apartheid. Após a abolição legal da escravidão, uma nova luta ideológico-cultural começou. Para entender a complexidade da questão, é necessário considerar vários fatores. De um dia para o outro, mais de setecentas mil pessoas foram colocadas à disposição de um mercado de trabalho fictÃcio. Parte importante do problema do desemprego estrutural brasileiro nasce daÃ. Os efeitos contra o afrodescendente se fazem sentir até hoje. Trata-se de um desemprego e subemprego permanentes, que não se minimizou com o fim da escravidão, mas, ao contrário, perpetuou-se. Recentemente, porém, o Brasil optou por reconhecer, após persistente mobilização de minorias étnicas, a existência do racismo, da discriminação e de uma dÃvida social histórica, já que nem afrodescendente, nem indÃgenas, foram indenizados pelos séculos de abusos, escravidão e expropriação. Uma vez libertos formalmente, afrodescendentes tampouco tiveram acesso à Educação ou a qualquer tipo de qualificação profissional. Apesar dos fatos evidentes, é ainda comum o sofisma de que no Brasil, por conta de intensa miscigenação, não há racismo. Nesta “Ilha da Fantasia†abençoada por Deus, dizem por aÃ, “todos são iguais perante a leiâ€. Acredite quem quiser! Ao som agradável desse mantran repetido à exaustão, desfila solene o mito da democracia racial. Já, para quem sentiu na pele, na carne e no espÃrito, o estigma da cor imposto pelos seus irmãozinhos igualmente inteligentes e racionais (porém brancos), de pouco adianta o prescrito solenemente na BÃblia ou na Constituição. Distantes da almejada “integração racial pacÃficaâ€, o que assusta mais é ver como tais ideologias se tornam perigosamente perniciosas ao se associarem à doutrina da meritocracia. Alguns crÃticos chegam a ignorar ou a omitir, que nosso sistema de cotas é destinado a alunos oriundos do ensino médio público. Além disso, metade destas cotas são exclusivas para estudantes de baixa renda. Não se trata, portanto, de um simples sistema de cotas raciais. A meritocracia, quando aplicada incondicionalmente a uma realidade heterogênea, acaba por meter na mesma fôrma ou molde, brasileiros desnutridos desde o ventre materno, de baixÃssima autoestima (por vezes decorrente de sua condição étnica), de restrito capital cultural, para competirem em suposta “igualdade de condiçõesâ€, com os outros bem nutridos, dotados de amplo capital cultural e elevada autoestima. Tudo simploriamente se resolveria à luz do mérito próprio! Todas essas considerações não absolvem o polÃtico brasileiro pelo crime doloso e continuado perpetrado contra a Escola Pública e seus profissionais. Tampouco servem para remediar as evidentes imperfeições do sistema de cotas brasileiro. Contudo, não percamos de vista o pressuposto de que cotas não existem para resolver o problema da Educação Pública, mas meramente para corrigirem uma das várias distorções existentes em nossa sociedade. Cotas existem para combater o sintoma, não a causa da disnomia social. O autor, Silvio Motta Maximino, é professor, pós-graduado em antropologia, co-autor das obras “Antropologia: uma reflexão sobre o homem†e “As veias negras do Brasil: conexões brasileiras com a Ãfrica†publicado no Jornal da Cidade, no seguinte endereço eletrônico: http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=231565 para entender o conceito de 'capital cultural', assista o vÃdeo: https://www.youtube.com/watch?v=a3eO6-D4nHo |