Filosofia
Manifesto pela Integração entre Filósofos Analíticos e Não-Analíticos
Prezados amigos filósofos,
Estou escrevendo este manifesto, pois penso ser importante pensarmos sobre o seu conteúdo. Todos nós que estamos há alguns anos na investigação em filosofia na academia sabemos que há uma divergência persistente entre filósofos chamados "analíticos" e os chamados "não analíticos" ou "continentais". Sob cada um desses termos, jaz inúmeros tipos de filósofos, diferentes em seus métodos e intuições básicas. Talvez a divergência principal entre esses dois tipos gerais seja em suas concepções metafilosóficas fundamentais, com a filosofia sendo uma prática cognitiva ou uma não-cognitiva. Cada tradição teria se fundado em uma posição e daí as práticas pedagógicas de cada uma se lhes teriam adequado. E isso teria aumentado a divergência entre cada concepção. Talvez essa seja a resposta; talvez a distinção esteja em outro lugar. Mas o quanto devemos deixar essa distinção nos levar à guerra? Essa é uma pergunta política e, portanto, exige uma resposta política.
Num país como o Brasil, com recursos ainda bastante limitados para a educação superior em Filosofia, essas tradições acabam brigando por espaço, e essas brigas geralmente paralisam ou diminuem as ações dos departamentos de filosofia. E, muitas vezes, os alunos e professores chegam a se tornar sectaristas de uma tal forma, que é prejudicial para a formação total de um filósofo, seja por não assistir aulas ou não fornecer conhecimentos sobre filosofia analítica ou não-analítica. Um filósofo total deve saber tanto as minúcias da lógica, quanto a ética de Sartre. Mas o quão importante é ser um filósofo total? E em que medida a academia está necessariamente envolvida nesse processo? Não posso responder a primeira pergunta sem um escrutínio grande demais para esse manifesto. Mas quanto à segunda pergunta, a academia tem de fornecer as possibilidades de o interessado na abrangência se formar como um filósofo total, sabendo de muitas teorias de muitas tradições diferentes, e de um interessado na especificidade se tornar um filósofo especialista.
Não precisamos e nem devemos querer pedagogicamente que todo graduado seja um filósofo total, ou que ele seja um especialista. Principalmente porque precisamos de ambos - os totais, para nos dar uma visão de mundo, e os especialistas, para aprofundar cada tema de nossa visão de mundo. Abrindo a possibilidade de formação dos alunos, desde a graduação, para as disciplinas que os interessam, sem obrigá-los a fazer o que não lhes interessa, obteremos alunos muito mais dedicados e interessados. A filosofia tem uma característica diferente das outras disciplinas: as teorias não são importantes em si mesmas no ensino de filosofia, tal como o são em outras disciplinas (como a engenharia ou a química), mas elas são importantes pedagogicamente apenas na medida em que ensinam os alunos a filosofar, ou seja, ensinam-nos a produzir teorias filosóficas. Além disso, essa possibilidade de escolha das disciplinas tornaria mais fácil amenizar a guerra entre analíticos e não analíticos, que está se tornando algo muito comum em departamentos brasileiros.
Há pessoas que pensam mais analiticamente. E há outras que pensam mais sinteticamente, ou mais historicamente etc. Quanto mais variedade tivermos na filosofia, melhor. Melhor para os departamentos, que receberão mais recursos e poderão realizar mais coisas. Melhor para os alunos, que receberão mais benefícios, podendo aproveitar da integração nas disciplinas e no contato com outras posições. E melhor para a sociedade como um todo, dada a geração de mais filósofos dedicados. E muitas (ou algumas) vezes os trabalhos de uma tradição ou outra podem ser utilizados para adquirir importantes insigts nas próprias investigações. Quantas vezes Nietzsche já não nos forneceu intuições não-cognitivistas sobre a ética? E quantas outras vezes Wittgenstein já não nos iluminou das funções não assertóricas da linguagem?
Manter uma guerra nos departamentos de filosofia, entretanto, é ruim, dado o seu caráter separatista. Ruim para os alunos e professores, que começam discussões agressivas e constrangedoras em sala de aula, que começam a parar de se falar e que deixam de se ajudar em projetos que desenvolveriam a filosofia no Brasil. A universidade, além de ser um local para a investigação da realidade, é um local de formação de grupos para empreendimentos de projetos. Guerrear costuma travar muitos contatos e projetos de acontecerem, muitas pós-graduações de surgirem, muitos cursos de se manterem etc.
É comum pensarmos que há uma diferença marcante entre analíticos e não analíticos. E talvez haja, tal como há uma diferença marcante entre teóricos universalistas platônicos (transcendentalistas) e aristotélicos (imanentistas). Há uma diferença marcante entre ambos, mas eles ainda podem continuar o diálogo. Podemos ter uma diferença substantiva entre tradições filosóficas, desde que isso não gere quietismo. E, mesmo que o gere, o fato de sermos todos humanos e dedicados à filosofia (cada um segundo sua perspectiva metafilosófica) já nos dá a possibilidade de debate e união. Sejamos mais unidos e tentemos deixar as divergências filosóficas no campo da teorização. Platão e Aristóteles divergiam em muitos aspectos teóricos, mas isso não impediu que ambos estudassem juntos.
Façamos uma filosofia mais aberta, com menos sectarismo. Porém, ao mesmo tempo, com a opção de estudarmos o que gostamos. Isso poderia evitar os embates, embora não seja um caminho para facilitar o debate. Mas acredito que depois que tivermos o respeito e a consideração pelos nossos amigos filósofos de outras tradições, podemos trabalhar numa melhor integração pelo debate. Esta só virá após aceitarmos que o outro pode ter algo interessante a dizer. E só fazemos isso quando respeitamos e consideramos o outro digno de ser ouvido. Pode haver argumentos ou intuições com relação ao relativismo cultural (ou mesmo com relação ao relativismo da verdade) que sejam bastante interessantes, mesmo para um realista moral; tal como pode haver aspectos da lógica modal de primeira ordem interessantíssimos para um metafísico do estilo heideggeriano. Caridade interpretativa e razoabilidade; é isso que esperamos de nós mesmos.
Por favor, alcancemos a paz, o respeito e o desenvolvimento.
Um grande abraço a todos,
Rodrigo Reis Lastra Cid
23/03/2013
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