Filosofia
O "tu" e o "vous" no mundo corporate em França ou o meu desprezo pelo "você"
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source: http://www.affinity-web.org/lanews-135.php |
Querida Sofia,
Quando tive a minha primeira longa experiência numa empresa francesa, em 2006, onde estagiei durante 11 meses, tive um pequeno choque ao chegar. Um choque rápido, do qual te curam na primeira hora de trabalho: aqui ninguém é "doutor" e (quase) ninguém se trata por "vous".
Explico: cresci em países lusófonos nos quais todo o mundo que é mais velho e está numa empresa é doutor (ou é tio... certo?!). Mesmo que nem à universidade tenha ido, mesmo sem doutoramento, pouco importava, era “Senhora Doutora” para aqui e “Senhor Doutor”para acolá.
Quando entrei no banco (2006), não fui infeliz ao ponto de chamar alguém de senhor doutor, mas cumprimentei usando o “vous”. Nunca usei o “você” em Português, acho que nunca na vida usarei (não sei porquê, acho que é frescura), mas quando quero mostrar respeito ou que uma pessoa não é da minha txurma, falo com ela na terceira pessoa. Explico bis: digo “a tia gostaria de beber algo? O senhor poderia dar-me a informação X?”, uma ginástica que uso há 24 anos, que tem funcionado para mim, sem nunca usar o “tu” nem o “você” e acho que não é por isso que seja malcriada. Acho engraçado, sobretudo na internet, quando leio um “não nos conhecemos de lado nenhum, trate-me por “você”"... ha ha haaaaaaaaaaaaa? Parto do princípio que NA internet, somos todos iguais. Bref.
Aqui em França, ou pelo menos nas empresas que não estão no XIX° século, ninguém é “senhor doutor” (alias, é um título que não existe sequer, ou és "monsieur", ou és "docteur" (apenas reservado para os médicos e pessoas COM doutoramento), mas nunca os dois juntos. Os Franceses conseguem sem pedantes sem ir pela via rápida, sabes...).
A regra diz que no primeiro encontro, diz-se “monsieur/madame/vous”, e, por cortesia, eles respondem “vous n’avez pas besoin de me vouvoyer, nous pouvons nous tutoyer”. Saímos da era do "vous", que chamamos de "vouvoiement" para entrarmos na era do “tu”, que chamamos de "tutoiement".
Confesso que foi difícil para mim no princípio - passei uma vida a falar com as pessoas da maneira que expliquei acima e para mim, dizer "tu", era uma tremenda falta de respeito - e hoje, finalmente, acho tudo isto normal e vou ter dificuldades se voltar ao mundo das “senhoras doutoras sem diploma para tal, mas senhora doutora na mesma”. Isso para não falar quando tratamos com os anglo-saxónicos, e o “you/you”, que é ainda mais fácil que esta etapa do “vouvoyer” e do “tutoyer”, etapa que nem sempre é fácil atingir, mas com jeitinho, aprendemos as regras.
Acredito também que esta possa ser a "norma" em empresas grandes, multinacionais, "prà" frentex. Não conheço realidade nos hospitais, laboratórios e empresas mais pequenas... E digo mais: uma sociedade na qual existam os verbos para designar o facto de chamar de "tu" e "vous" às pessoas já determina que não somos todos nascidos da mesma farinha, então é preciso ter cuidado com as regras implícitas desta cultura complexa e apaixonante.
Lembro-me que em 2009, já rodada do banco por lá estar há anos, chamava o presidente do banco de “tu”. O director dos recursos humanos era “tu”. Ao director da comunicação, dizia “tu”. Todo o mundo “TU”. As únicas pessoas a quem se diz “vous” numa empresa são os empregados de limpeza e os agentes de segurança. Digo sempre, com um sorriso: “Bonjour! Vous allez bien?”, porque nunca tivemos aquela cerimónia do "vous/tu". E sem cerimónia explícita, não avançamos até lá. Comme quoi, são os que merecem toda a deferência e o meu “vouvoiement” porque é preciso ter pachorra, por exemplo, de esvaziar o meu lixo todas as manhãs.
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