Oblivion: a arte do esquecimento
Filosofia

Oblivion: a arte do esquecimento


'Oblivion'...

palavra latina que significa 'esquecimento'. Mas aqui, o vocábulo não se refere ao 'esquecer' de um guarda-chuva, de uma conta recém vencida ou de um número telefônico... 
Pense aqui e agora num outro tipo de 'esquecimento': o 'esquecimento eterno'... algo condenado a não mais ser lembrado.
O vocábulo latino dá origem à expressão "cair no esquecimento" (que na Língua inglesa origina ao verbo fall into oblivion). 
Mas, o que é 'esquecimento' em sentido metafísico ou absoluto? 
E por que esse assunto importa?
Primeiramente, pensemos: Em termos humanos (subjetivos), o que é que pode ser esquecido? 
qualquer informação registrada na memória. 
Até nosso próprio ego é um tipo de informação registrada na memória. O ego é  informação e está em nossa mente, nada mais lógico do que defini-lo como memória acumulada, cristalizada (*).

Mas, para quê serve a memória? em sentido pragmático, ela permite a sobrevivência (por algum tempo), permite reproduzir situações prazerosas e evitar as dolorosas, permite aprendizado. Desprovidos de memórias, ou sem acesso a elas (por motivo biológico ou psicológico), quase nada poderíamos aprender. E aprendemos que 'aprender é essencial'! Aprender a aprender, então, é o suprassumo. Como fazer isso sem memória?
Para os humanos especialmente, a memória tem funções ainda mais específicas como acumular e transmitir tal 'aprendizado'... 
Cremos que, tanto os bons como os maus feitos não devem ser esquecidos. Os primeiros por serem desejáveis e úteis. Os segundos, pelo motivo pedagógico de que é prudente 'aprender com os erros do passado'.
Aprendemos muito quando capazes de acumular memórias... acumular, reutilizar, agrupar, associar, recombinar, raciocinar (induzir, deduzir, concluir)...
A experiência vivida por um sujeito, mas não 'perpetuada' em certa mídia (memória interna e natural ou memória externa artificial), não pode ser reaproveitada, nem por nós, nem pelas gerações vindouras. 
Sim! seria o adeus à cultura! Não haveria ferramentas, edificações, roupas, domesticação de sementes ou de animais... nada de registros escritos ou telecomunicações, nem gravadores ou computadores... 
nada de aquecedores para o inverno ou resfriadores no verão...
... tampouco religiões, filosofias, ciências, técnicas ou medicinas... 
sem bandeiras e sem ódios, sem mísseis teleguiados ou contaminação atômica, nada de terrorismos ou fronteiras... adeus às mágoas, ansiedades, complexos, traumas, ressentimentos ou melancólicas saudades... imagine só! um mundo sem dinheiro, sem a moda, sem comparações, nem julgamentos, sem patologias sociais, sem fofocas, sem códigos e sem celas... 
Nada de nomes, avisos, preceitos, bulas, títulos, certificados, receitas, métodos, aulas... Sem música! Sem vingança! Sem filmes! sem racismo! Sem escultura e arquitetura! Sem escravidão e corrupção! Enfim... sem celebração! Sem complicação! 
Haveria o momento... e o existir! nem feliz, nem infeliz... 
Poderia haver conhecimento ou sabedoria fora da memória? 
(há apenas um tipo de conhecimento?)


Há algum tipo de evolução ou transformação possível, sem o recurso da memória? 
(É possível melhorar ou piorar sem ela?)

Se podemos melhorar ou piorar, como discernir se marchamos nesta ou naquela direção? 
(Isto é: enquanto indivíduo ou coletividade, como saber se nos tornamos melhores?)

Alguém pode se autoconhecer (saber quem é, de onde veio e o que veio fazer no mundo) sem memória?

Por todos os exemplos revistos acima, quando é que memórias passam a ser parte do problema, ao invés de serem solução? 
Quando é que desintegrar memórias torna-se mais inteligente do que acumulá-las? quando é que "esquecer" acaba sendo mais mais sábio que reviver/relembrar?
'Recordar é viver' ou apenas sonhar hipnotizado?
Do quê posso ou do quê devo me esquecer?

oblivion! palavra grave e solene para se invocar, não é?
Penso que ficou claro que memórias têm função... que ora ajudam, ora atrapalham...
que ora resolvem problemas, ora criam novos, a pretexto de resolver os primeiros.
Então, como escapar desse dilema? 
Simplificando e sintetizando toda a questão da 'memória versus esquecimento', diríamos que há memórias agradáveis e outras desagradáveis. Nesse momento, concluímos que não podemos afirmar que uma memória é má ou boa. Por quê?
Tanto umas como as outras podem ajudar ou atrapalhar, dependendo de nossa reação a elas. Memórias ruins (de excessos, carências ou hostilidades) podem gerar traumas limitantes, conflitos e temores irracionais, imprudência, vícios debilitantes, delitos etc. Memórias boas (de opulência, permissividade ou competitividade), podem desencadear processos subjetivos individualistas, materialistas ou egoístas, outros vícios e atitudes imaturas etc. 
Por outro lado, memórias boas ou ruins também podem ser estimulantes, mas isso depende da capacidade do sujeito de se tornar consciente delas, principalmente no sentido de não confundir sua própria identidade com tal conjunto de memórias. A identificação do sujeito com as memórias que habitam seu espaço psíquico leva-nos a um beco sem saída para o autoconhecimento e autorrealização íntima de qualquer pessoa.
O diferencial está principalmente na forma como cada sujeito encara suas memórias, se fica preso nelas (passado), se reage mecanicamente baseado nelas. É neste momento que elas se tornam perceptivelmente tóxicas e altamente destrutivas de nossa integridade psíquica.
Fica claro, portanto, que memórias não "integradas" (assimiladas, transformadas, 'iluminadas' pelo senso de discernimento...)  acabam se constituindo rapidamente em uma montanha  de 'lixo psíquico' que carregamos conosco no dia a dia.
Cada eu psicológico (e temos milhares) é uma memória positiva ou negativa (e temos milhares). Cada uma opera como um invisível programa de computador (um software)****, já que fenomenicamente representam todas as nossas reações (físicas e mentais) aos estímulos (comandos) advindos do ambiente que nos cerca. 
Cada uma dessas memórias poderia ser descartada e desintegrada, se realmente quiséssemos. O problema é que geralmente não queremos. Comumente somos profundamente apegados a nossas queridas memórias (mesmo às ruins). Aliás, paradoxalmente, temos especial e bizarro apreço pelas memórias pessoais de sofrimento. Estas, por incrível que pareça, são as mais difíceis de integrar/dissolver, devido ao altíssimo grau de auto-identificação com elas.
Como as memórias são a base, o combustível de sustentação energética dos distintos eus que formam nossa identidade psicológica, nossa autopiedade e amor-próprio tornam terrivelmente difícil a tarefa de compreendê-las como algo estranho a nós mesmos. Isso seria crucial para qualquer avanço nessa dimensão essencial do autoconhecimento. Como resultado, achamos que SOMOS NOSSAS MEMÓRIAS.
Nossos sofrimentos, todas as nossas experiências (vivas em nós na forma de 'memórias') moldam nossa personalidade (que forma nossa identidade emocional e mental mais superficial). Somos tão apaixonados por nossas memórias que estaríamos prontos a abrir mão de qualquer bem material, posição social, ou títulos, para não perdê-las (S.A.Weor, em seu Tratado de Psicologia Revolucionária*). 
Podemos até afirmar que a maioria das pessoas adora mais a suas próprias memórias do que a qualquer outra coisa neste mundo, inclusive a si mesmas!
Alguns seriam capazes de matar, roubar, enganar e passar apuros, só para preservar suas memórias. Os conflitos (nacionais, regionais, profissionais ou familiares) estão geralmente atrelados e legitimados por memórias recentes ou remotas.
Uma lei natural nos diz que tudo que nasce, um dia morre. Se teve um início, terá fim (ou pela ação do tempo, ou pela ação intencional). Por que nossas memórias seriam exceção?

Então, chega um momento de 'oblivion' para qualquer memória. Uma memória é uma forma de energia mais ou menos sutil e condensada em nosso cérebro (embora não se confunda com ele). O esquecimento é seu futuro certo. Pode-se passar pelo processo com mais sofrimento (devido ao apego), ou simplesmente se pode conscientemente 'integrá-las/desintegrá-las, por vontade própria, com plena consciência do processo. Se há maturidade espiritual, e não uma mera tentativa de esconder o ego de si mesmo, o 'esquecimento' constitui uma sábia forma de 'fabricar felicidade', de 'plantar paz' e de 'sintonizar' frequências de onda interessantíssimas.
Em síntese:
Esquecimento quer dizer: "conexão com o ponto Zero (o Absoluto)"...
Esquecimento quer dizer: não se identificar com o ego... 
Esquecimento quer dizer: "apagar memórias"...
Esquecimento quer dizer: "perdoar" ...
Esquecimento quer dizer: "abster-se de julgar..." (o outro ou a si próprio, o que dá no mesmo no final das contas, já que no fundo e objetivamente não há separação absoluta entre 'mundo interior' e 'exterior' que nós em geral imaginamos existir).
Esquecimento quer dizer: "amor" (não paixão).
O verdadeiro esquecimento é o "negar-se a si mesmo" cristão**; é abrir mão da autocomiseração, da autopiedade.

Esquecimento quer dizer: cessar das vozes internas da tagarelice psicológica e da fofoca interior.
Esquecer é o caminho mais rápido e o mais difícil também. Todos (os egos) queremos continuar "vivos", desgraçadamente.
Oblivion como caminho! eis talvez a mais difícil das lições. Morrer no orgulho, morrer no egoísmo, morrer para o passado e viver de momento a momento, sem as correntes e cadeias das memórias***.

Oblivion: A Arte do Esquecimento - silvio mmax.


* a obra citada (Tratado de Psicologia Revolucionária) ensina sobre o processo de desintegração egóica das memórias que tanta dor trouxeram e ainda trazem ao mundo diariamente.
** O "negar a si mesmo" não significa criar resistência psicológica contra si mesmo. Criar ou alimentar conflitos internos não desintegra, mas apenas reforçar mais aquilo que se queria eliminar).
*** a obra "O Poder do Agora, (de E. Tolle) falar de forma bastante clara sobre como viver o momento presente.
**** a obra Limite Zero (de Joe Vitale e Ihaleakala Hew Len) trata de forma clara a questão das memórias, dos programas e de como conectar-se com o Absoluto, que chamamos Deus.




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