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Filosofia
Ode to my (tortured) feet
A Elite & Golden Boy, Meatpacking District Apple Store, on a f*cking rainy day like today
Querida Sofia,
Olhei para os meus pés. Nada de relevante. Têm uma aparência, vamos dizer, saudável. Pelo menos tenho os dois. Tenho uma amiga com vinte e poucos anos que já não tem um.
Olhei para os meus pés e lembrei-me de tudo o que os faço fazer. Correr, andar, saltar, andar de saltos, andar em modelos apertados, outros largos, massagens (poucas).
Olhei para os meus pés e senti que poderiam dizer tanto não fossem os pés um tema internacionalmente repugnante e quase tabu. Falar de sapatos, sim. Falar dos pés não. Não se deve tocar nos pés. Um pé é o equivalente de chulé, é queijo, é mofo, é suado, é nojentíssimo. Dizem que ninguém tem pés bonitos.
Já disse aqui e repito. Tenho os pés feios. Não são pés de porcelana, são patas. Já calcei 41. Com o emagrecimento agora calço 40. Sou mais feliz pois encontro mais sapatos. Os meus pés são menos felizes porque encontro mais sapatos.
Olhei para os meus pés e sei que o que mais gostam é de sapatos antigos, largos, aos quais já estão habituados. Onde sentem-se livres, confortáveis e prontos a atacar uma marcha de 3 horas, nesta cidade ou qualquer outra.
Mas não. O que dou aos meus pés? Sapatos apertados. Sabrinas apertadas porque são giras. Com o tempo, alargam, penso eu. Meus pés rezam por isso e mandam-me para o raio que me parta.
Gosto de saltos altos. Passou o medo de ser alta demais e agora (agora, agora… este agora já tem uns quatro anos) uso os de cinco centímetros, os de sete, os de nove, os de doze. Até tenho ali uns de treze. Tento não ir além disso. Uma amiga disse-me que sou a única pessoa que conhece que sabe andar de saltos. Que as minhas pernas foram feitas para serem ainda mais compridas. Uma outra amiga disse-me que usar sapatos nude foi a minha best idea ever. Que pareço ser ainda mais alta. Credo. Meu marido vai ter de tomar uma fórmula para ser o Hulk ao meu lado. Kidding, xé!
Olhei para os meus pés e vi que tenho marcas que nunca desaparecerão. Tenho uma cicatriz que fiz ali no Hotel de Ville na final do Mundial de 2002 com o Glenn. Tenho no tendão de Aquiles marcas de sandálias apertadas. Tenho marcas profundas de sabrinas apertadas. Marcas que mudaram os meus pés. As plantas dos meus pés são torturadas todos os dias com o meu peso. Uns setenta e muitos quilos. Yup, still fat. Tenho bolhas e zonas eternamente vermelhas por causa de horas passadas no salto. Tenho as unhas quase sempre vermelhas ou cor de vinho. Trademark.
Olhei para os meus pés hoje enquanto andava de sandálias de salto na rua, ali pelo quartier du Marais. Começou a chover. Comecei a correr. Parei num sinal vermelho para pedestres e fiquei a olhar para os meus pés. As unhas vermelhas (cool), os dedos molhados (not cool). Os pés ali ao léu, eu apanhar um pé de chuva tremendo. E os meus pés encharcados a sofrer. Fiquei a pensar, que em conversa com os meus pés, eles teriam-me mandado uns valentes “puta vida”. Mas é a vida que eu lhes dou. Sem orgulho.
Verdade seja dita, são o meu melhor instrumento. Depois das minhas mãos, dos meus olhos e da minha cabecinha pensadora, os meus pés são os meus melhores amigos. E como sou um ser complicado, gosto dos maiores inimigos deles. Sapatos. Apertados. Altos. Em tamanho 40, por favor.
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