Confira a seguir um trecho dessa reportagem que pode ser lida na íntegra na edição da revista Época de 10/abril/2009. |
Eduardo (alguns nomes nesta reportagem foram trocados para preservar a privacidade) faz 18 anos neste mês, mas ainda não terminou o 2º ano do ensino médio. Ele foi forçado a sair do colégio tradicional e caro em que estudou por 12 anos, em São Paulo, por causa de seu jeito rebelde e agressivo. ?Acho que fui o pior aluno da história dessa escola?, diz, sem demonstrar arrependimento. Eduardo até sorri ao listar suas ousadias. Conta que distribuiu apelidos pejorativos e alguns sopapos por motivos fúteis, tumultuou aulas, discutiu com professores, humilhou colegas. ?Uma vez, mijei na mala de um moleque.? Os porteiros da vizinhança também já foram alvos de sua malvadeza, na forma de palavrões e ovos. O que há com esse menino?
Depois da expulsão, pais de seus antigos colegas, num misto de raiva e alívio, telefonaram para a casa de Eduardo dizendo que ele tinha recebido o que merecia. Na versão do colégio, Eduardo não era o líder que imaginava ser. Era apenas um mau exemplo para os demais alunos. O regimento da instituição exige dedicação e disciplina. Além de desrespeitar professores e alunos, o garoto ia mal nas provas e se recusava a estudar. Já tinha repetido dois anos de curso e rumava para a terceira repetência. Então, numa reunião de conselheiros, a decisão foi tirá-lo de cena.
A versão de Marta, mãe de Eduardo, é um pouco diferente. ?Ele é um bad boy, mas não é mau.? Ela vê o filho como um adolescente normal e queixa-se da decisão da escola. Diz que todo o dinheiro que investiu ali merecia uma atenção melhor. ?Como ele pode não ter o perfil desse colégio se estudou lá a vida toda?? Marta sabe que o filho não faz o tipo estudioso. Queria que o colégio ?de grife? mudasse isso. Talvez tenha posto muita ênfase na responsabilidade do colégio ? e pouca na própria e na do menino.
É provável que ambos tenham sua parcela de razão ? e de culpa. O fenômeno dos meninos que fogem ao padrão de comportamento põe em xeque a forma como educamos as crianças hoje. A começar pelo papel dos pais e da escola, que anda meio confuso. Algumas décadas atrás, o modelo era claro: os pais falavam, os filhos ouviam; a escola ensinava, os alunos aprendiam. E a rebeldia era tratada com palmada. Hoje, a tônica é procurar o diálogo. Pode-se creditar essa mudança ao processo de democratização, que teria contaminado a dinâmica de poder na família. Ou à onda hippie, que influenciou tantos pais. Ou aos avanços da neurologia, pelas descobertas de que o aprendizado tem muito mais a ver com o prazer que com a disciplina. Ou à disseminação de conceitos da psicologia.
Qualquer que seja a explicação, o fato é que raros pais, hoje, desejam assumir o papel ditatorial que era tão comum nos tempos de nossos avós. Nas escolas, seja por uma mudança cultural, seja pelas leis que protegem os direitos dos alunos, o processo é o mesmo. O problema é que, uma vez tomado o rumo do diálogo, não é mais só a vontade dos pais e professores que conta. E os filhos parecem nascer com uma capacidade de identificar pontos fracos para dobrar, driblar ou tripudiar sobre a autoridade.
O que chama a atenção em casos como o de Eduardo é a dificuldade em explicar sua conduta antissocial. Quando deparamos com notícias como a do menino de 12 anos detido em dezembro, em São Paulo, após ter roubado o nono carro em um ano, tendemos a concluir que ele é um fruto do ambiente em que vive: a pobreza, a falta de perspectivas, as más influências, a estrutura familiar precária. Essas explicações soam bem menos convincentes para entender Eduardo, um rapaz boa-pinta, que se expressa bem, tem uma família tradicional e recebe carinho, mesada, estudo.
Fonte: http://editoraglobo.globo.com/