Devo ser daquelas meninas que saiu do seu país tão cedo, tão cedo, que tenho a mania que nem uma “boa” Kizombada oiço mais. Estou a exagerar. Tenho uma lista mais do que enorme de músicas no iTunes e escolhi apenas mil para levar sempre comigo no telemóvel. No meio de tantas faixas, há algumas músicas angolanas, sim senhor. Músicas que gosto muito. Não oiço Kizomba todos os dias, mas no meio de uma selecção aleatória, por vezes lá passa uma e curto o momento. Mas é muito raro ver-me a cantar trinta faixas de música angolana de seguida. Let me get to the point.
Quando vejo um carro com meninos árabes e música Rai aos berros, penso logo “pfft, típico”.
Quando vejo Porto-riquenhos ou cubanos ou outros latinos com a rádio apenas na sintonia da Latina FM para ouvirem apenas Salsa e Bachata e tais durante o dia, penso logo “pfft, típico”.
Quando vou ter com amigos africanos francófonos, e a música que está a tocar é um Ndombolo ou um RAP mesmo sujo e cheio de palavrões, penso logo “pfft, típico”.
Não gosto de coisas óbvias, de gentes óbvias com gostos óbvios. Estes mini etnocentrismos cansam-me e são (parte d)a origem dos meus quatro primeiros cabelos brancos (porque ainda não tenho rugas, mas não vai demorar). Acho que gosto mesmo é de gente ecléctica. Gosto de passar a tarde com uma melhor amiga (angolana) a ouvir o Xavier Naidoo (alemão). Isso é tão bom quanto saber que um amigo francês ouve os Tribalistas. Tão bom quanto receber música hebraica (Idan Raichel Project) da minha irmã. Tão bom quanto ouvir os extintos Silence Four, essa banda portuguesa que cantava em inglês. Gostos destes Melting Pot, tudo ao molho e fé em Deus. E ainda não morri, nem sofro de saudosite aguda, oh meu Deus, que me vai aparecer algo na pele por não ouvir música Angolana dia e noite.
Lembrei-me do quanto amo e venero o eclectismo das pessoas ao pensar num ex-namorado meu, que ao ver que eu estava a ouvir música que não fosse rap (porque preto que é preto, se não ouve rap sente a pele branquear, cruz credo, Deus os livre!), desligava o que eu estava a ouvir e punha a música dele. “Somos negros, temos de ouvir a nossa música, tens a mania de ouvir música espanhola, que chatice, só podes ser complexada”. Eu pensava “Nina Pastori, idiota, nem isto conheces! E o rap não é nosso. Idiota de novo!”. Pensava mas não dizia. Pois, a idiota, no fundo, era eu.
Lembrei-me disto tudo porque a minha melhor amiga ouviu este final de semana cá em casa umas vinte faixas de música angolana e dei-me conta que eu nunca na vida fiz isso. Lembrei-me da minha irmã mais velha e fiquei logo com a impressão que estava a ser transportada para o Barreiro (Margem Sul de Lisboa, Portugal), que é como uma casa para mim, mas onde o pessoal gosta mesmo é de ouvir a sua música tão alto, tão alto, que os vizinhos têm de ouvir aquilo com eles.
Lembrei-me disto tudo porque no bar Palos em Luanda, que eu adorava e onde ia matar a minha semana de trabalho no estágio há alguns anos atrás, não punham kizomba. Uaué, o que aconteceu? As pessoas, esses radicais etnocêntricos com falta de abertura de espírito, muito reclamaram que o dono só podia estar com a mania que era branco (?) para não passar kizomba. Parece que música lounge tem o mesmo efeito para esta gente que hemorróidas. Dói-lhes no rabo mas ninguém, além deles, pode ver. Não podiam ouvir a sua musiquinha em casa ou no carro? Também tinha de ouvir no bar? Assim como assim, começaram a passar música Angolana no Palos. Tamanha estupidez, penso eu. Isto de querer ser original é muito mal visto. Não és da vanguarda não! és um complexado, arrogante, traidor da pátria.
Tentei perguntar-me o que aconteceu comigo, se vendi a minha alma ao diabo – neste caso, à França – e estou a renegar as minhas origens. Mas nem quando eu morava em Luanda, passava o dia a ouvir o Chofer de Praça ou a Rosa Maria. E se formos a falar de origens, tendo nascido em Cuba, eu deveria ter uma intravenosa de Salsa Cubana, não é? Não tenho. Adoro salsa. Mas amanhã não é o dia em que vão me ver ouvir cinco faixas de salsa seguidas.
Música francesa? Well, comprei o meu primeiro álbum sete anos depois de aqui morar. O cantor chama-se Stanislas, é um Deus da música e toca como um mestre. Nem é pela letra em Francês que eu oiço o raio do álbum. É mesmo pelo talento dele, que seria o mesmo se ele cantasse em Francês, em Português, em Inglês ou em partipimpim. Até oiço bastante música indiana, nem sempre procuro tradução e podem estar ali a dizer as maiores baboseiras do mundo.
Tenho medo das pessoas que (esta é a expressão do mês, né não?) não aceitam a cultura dos outros, os horizontes dos outros e que têm a certeza que o que é do país deles é melhor que o dos outros.
Nada vale aquele kizomba que aprendi a dançar com os meus irmãos quando era nov(inh)a. Nada vale todos os concertos dos SSP aos quais fui (TODOS) e que nunca esquecerei. Mas essa Angolanidade forçada não faz parte de mim. Não mudei de país para trazer uma bagagem que não me permitisse aceitar outras maneiras de viver. Falando em bagagem, esta conversa toda faz-me pensar nas pessoas que viajam com comida do seu país (tauas, um peixe seco escondidinho nas cuecas e nas meias dentro da mala, que tal?) para não comer a do país que visitam. Fica para a próxima carta onde eu quiser ranger os dentes. Prefiro fazer isto: escrever-te uma longa carta a partir a cara de alguém.
Para resumir, Sofia, fica pronta e põe-te a pau. Se passares uma hora da tua vida comigo, vão ser 60 minutos com uns Gotan Project, uns Xx, um Nitin Sawhney, um Pedro Abrunhosa, um Xavier Naidoo, uma Melody Gardot, uma Adriana Calcanhotto, um Idan Raichel Project, um Muse, uma Adele, um Jobim e uma kizombada daquelas de lembrar o quanto uma pessoa se rasga numa boa tarrachinha (manos, não leiam isto). Eu sou assim. Cada um o seu defeito. O meu pelo menos não é ter um espírito estreitinho como Gibraltar. Ámen.
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