There are the same letters in "listen" and "silent" but I still prefer the latter
Filosofia

There are the same letters in "listen" and "silent" but I still prefer the latter


Querida Sofia, 
A velhice não me tem trazido rugas mas tem-me dado hábitos que não consigo largar. Ou que pelo menos, passei a descobrir e aceitar. Há pessoas que precisam ir correr todas as manhãs (tenho muita inveja da minha amiga J., que se não correr, morre), que precisam apanhar sol todos os dias para se sentirem vivas, outras precisam de andar de bicicleta, outras é ler, escrever… eu é o silêncio. Descobri que é mesmo o silêncio. E o meu problema é que tenho a impressão que o silêncio dá medo a muitas pessoas, sobretudo à minha volta. Sinto-me mal quando não tenho acesso ao silêncio. Sou um animal social: almoço, tomo chá, vou jantar, vou dançar com amigos várias vezes por semana. Gosto de acordar algumas horas a cada pessoa, aqui e ali. Há pessoas que vejo apenas uma vez por trimestre, outras com quem falo uma vez por semana. Mas gosto do tempo que tenho com elas, quando estou com elas. Mas depois de saciado, o animal social em mim precisa regenerar-se. Recarregar baterias. E é aí que preciso de silêncio. Ando com problemas ultimamente com algumas amigas a quem o silêncio incomoda pior que comichão... Gostaria de usar aqui a expressão para descreve-las mas não me pertence. Mas estão sempre a falar. Sobretudo sobre elas mesmas. Sobre o que sentem, o que fazem, o que querem, o que tencionam fazer e SOBRETUDO, o quanto o mundo não as compreende. Nunca colocam a pergunta para dar lugar a um debate. Falam sobre elas, do começo até o fim. Quando a conversa tem fim.

Tenho uma amiga em particular que já fez muito por mim no passado e sinto sempre que lhe devo tanto que tenho de a ouvir. Quando me pergunta “como vais?”, respondo sempre por um seco "tudo bem". Mas quando lhe coloco a questão, sempre vai tudo mal e disserta, se possível, durante três horas. Já dei por mim a pensar nas minhas contas, no meu programa do dia seguinte e na cor da parede enquanto ela fala. Coitada. Mas no fundo, ela não precisa que ninguém a oiça, apenas precisa de falar. Então que fale.
O meu problema começa quando ela entra no meu espaço e não compreende que “ok, time break!”. Ela dorme frequentemente na minha casa porque viaja bastante. O mês passado, depois de um dia juntas, acabamos de jantar e disse-lhe que ia para o meu quarto. “vais dormir?” “não, vou apenas para o meu quarto”. “mas porquê? Não queres ver um filme?” “não”. “Queres que vá embora?” “Não, deixa-te estar, já passamos o dia juntas, apenas preciso ficar sozinha” e sente-se ofendida, porque no fundo, quer continuar a falar. 
Gosto da sensação de me deitar, fechar os olhos e pensar. Sabe-me pela vida. Depois, posso pegar no laptop, ler a vida das pessoas, os mails, os status no FB, o que contam no twita, o que se passa no mundo. Mas no silêncio. Ou com música. Ou tempo para ler. Arrumar gavetas. Que seja, desde que esteja sozinha. Mas preciso que me deixem esse tempo.
O meu “problema” tornou-se tão grave que desinstalei o MSN há alguns meses, gesto que chocou algumas pessoas. O Skype, abro quando o rei faz anos. O Google Talk abre automaticamente quando consulto os mails no gmail, mas é raro lá entrar. E muito poucas as pessoas que estão na minha lista.
Pior que ficar a ler pessoas a falar toda a hora por tudo e por nada, são as conversas que não têm futuro depois do “tudo bem?” “ya e contigo?” “tudo bem” e depois chega o vazio. Não gosto de vazios desnecessários. Prefiro simplesmente não aparecer, e esperar que a próxima conversa, dentro de seis meses, via mail ou sei lá que meio, seja rica em peripécias e coisas por contar como o trio “encontrei alguém, casei, estou grávida”.
Acho que escrever-te uma carta, comprida ou curta, ou algumas certezinhas aqui e ali faz-me bem. É um exercício diário que quero manter enquanto não perturbar a minha procura pelo silêncio. Ao menos, é uma busca tão pessoal e tão pública que não pode magoar mais ninguém. Não mais do que o meu querido silêncio.



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