Elite Maria, Cheia de Inveja
Filosofia

Elite Maria, Cheia de Inveja


Querida Sofia,
Tenho inveja dos meus amigos, que assim que passam um par de dias fora de casa, já sofrem com tremendas saudades. Da família. Do cão. Da cor do quarto. Do cheiro dos livros. Vão uma semana de férias no vilarejo do lado e já se sentem agonizar por não verem caras que lhes são familiares. Por algumas horas. Por alguns dias. Lembro vagamente que já fui assim. Quando tinha 10 anos. Já viajava sozinha e deixava de comer, depois de alguns dias, por não ver a minha mãe. Tinha uma sensação de vazio muito estranha agora que penso no assunto.

Acho que não oiço a voz do meu pai há sete meses. Não vejo a minha mãe há um ano, dois meses e quinze dias e duas horas. Não sei mais o que é ter saudades deles. Sinto que não tenho direito a lamechices e chorar pelos cantos. Senão que faria eu da minha vida? Choraria todos os dias?

Então sinto inveja desse sentimento, no fundo tão bom, que é ter saudades. Sentir que não posso viver com eles. Apesar de não ser verdade. Sei viver sem eles perto.
E por ter inveja de quem ainda sente isso, chamo essas pessoas de hipersensíveis, lamechas, crianças, mimadas, imaturas. Sinto desprezo assim que oiço um “ah, que saudades do meu pai” enquanto, droga! Viste o homem a semana passada, do que te estás a queixar?

Não somos todos obrigados a ter a mesma vida. Nem as mesmas experiências. E sei que há pessoas que podem compreender o que sinto, sobretudo se foram forçadas a deixar as famílias algures no mundo para um tratamento médico, para trabalhar, para estudar, para fugir a uma guerra, para serem felizes num outro lugar onde se sentem melhor que no seu ponto de origem.

Sinto que se entrasse num daqueles concursos de Reality TV, nos quais as pessoas choram todos os dias “quero ver X, tenho saudades de Y”, poor Elite, não teria ninguém à minha espera, ninguém para me fazer um vídeo “oh Elite, saudadinhas tuas, do teu sorriso, do teu bom humor” e essas coisas que os pais dos outros dizem aos seus filhos. Pais que conhecem os filhos como a palma da mão porque viram e viveram cada etapa ali, ao lado deles, e não apenas via mail ou via telefonemas semanais.

Não sei se isto tem remédio. Não sei se um dia terei coragem para compreender as outras pessoas, que para mim são umas privilegiadas no que toca aos afectos e à família. Mas vou tentar julgar menos. Se tiver sentimentos suficientes para tal.



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