Mérito da hipocrisia: cotas raciais em debate
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Mérito da hipocrisia: cotas raciais em debate


Mérito da hipocrisia: debate sobre cotas raciais no Brasil

Saulo Rodrigues de Carvalho 

As cotas raciais têm sido alvo de inúmeras críticas. A maioria delas inconsistentes. Fundamentadas numa visão meritocrática do sistema de ensino superior, propagam o preconceito rasteiro e petrificado das classes dominantes do Brasil. Comentários como o do sr. Jéthero Cardoso (Opinião, 24/11/12), que se diz jornalista, expressam esse tipo grosseiro de argumento.



O problema da cota não é quem entra ou quem deixa de entrar na universidade. O vestibular não forma pessoas. Entrar com média oito ou cinco não determina o desempenho dos estudos de alguém. O problema das cotas são as próprias cotas. A criação de um sistema como esse demonstra que há um sério problema no âmago da sociedade. As cotas desnudam a hipocrisia da nossa elite no trato da educação do país.

No Brasil se criou um sistema escolar de baixos investimentos na educação básica para os mais pobres, com poucas expectativas de mobilidade social, e um Ensino Superior restrito aos mais ricos, com melhores oportunidades e salários. Para barrar o acesso das classes trabalhadoras à Universidade a elite criou um sistema muito eficiente baseado no mérito, que aparentemente coloca todos os indivíduos em situação de igualdade. Aparentemente, porque na realidade as condições sociais de trabalho e estudo são vertiginosamente desiguais.

O vestibular é assim mais um mecanismo de manutenção de privilégios de uma classe. Desse modo o problema da cota é o problema de uma educação dual com uma política educacional de pífios investimentos em Educação Básica e restrito acesso ao Ensino Superior.

E a cota racial? Nem será preciso argumentar os horrores da escravidão no Brasil, para comprovar a situação de exclusão da pessoa negra que aqui se originou. Mas, concordo plenamente que a cota não irá “reparar a dívida histórica” do Brasil com o povo negro.

O fato é que como “a carne mais barata no mercado é a carne negra” (Marcelo Yuca) o trabalhador negro é quem enfrenta as condições mais desiguais de disputa por uma vaga na Universidade. Por isso as cotas como política afirmativa. Como jornalista que nunca precisou de cotas o Sr. Jéthero deveria saber que o sistema de cotas raciais foi criado nos E.U.A na década de 1960 (o que nunca existiu lá foi o vestibular). Depois de muitas lutas travadas pelo Movimento Negro, Malcom X, Marthim Luther King, os Panteras Negras, o governo de J.F. Kennedy institui no Código Civil de 1964 a cota para negros não só na universidade, mas em outros setores da sociedade, como forma de atenuar as tensões sociais.

A sociedade branca norte-americana, nunca escondeu seu ódio racial. Tanto que os primeiros cotistas negros tinham de ser escoltado por policiais até a universidade, para não serem linchados pelos alunos brancos. Hoje a situação lá mudou pouca coisa, as cotas beneficiaram, maiormente, a consolidação de uma classe média negra nos EUA. Os negros mais pobres da classe trabalhadora continuam sofrendo o racismo e a falta de direitos em muitos estados. Contudo, os Norte-Americanos elegeram duas vezes um presidente negro que foi cotista. Sim, mr. Barak Obama frequentou a universidade pelo sistema de cotas raciais.

Um jornalista deve checar suas fontes e também saber que o Ministro Joaquim Barbosa citado em seu artigo como exemplo de superação a ser seguido é defensor e votou favoravelmente à implantação do Sistema de Cotas Raciais no Brasil. Na verdade observo que há muito barulho por pouco. As cotas raciais ou sociais, não bastam, elas pouco contribuem para desfazer a situação de desigualdade gritante colocada na sociedade brasileira. Fazem parte de uma política paliativa. Os mais ricos ainda vão continuar com seus privilégios. Os mais pobres terão agora um veio de esperança, no qual não podem se agarrar. Mesmo assim, é parte de uma política que parece mais incomodar os privilegiados do que animar os excluídos.

O mérito da hipocrisia de nossa elite está em fazer a população pensar que toda política social voltada para as minorias irá prejudicar a sociedade de alguma forma. Mero ranço.

Para não discordar de tudo, Jéthero, nos faz pensar em um ponto. A urgente necessidade de aumento dos investimentos do poder público na educação básica. Da valorização do professor e melhoria da sua remuneração. Da aprovação do Plano Nacional de Educação e destinação dos 10% do PIB e não 4,5% (com tem sido há pelo menos 20 anos) para a educação. Só assim teremos uma política de educação séria e comprometida com o desenvolvimento de todos.

O autor, Saulo Rodrigues de Carvalho, é pedagogo, mestre em Educação pela Unesp

 

http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=226286




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