Filosofia
Porque a miséria também mora aqui...
(foto Flickr)
Querida Sofia,
A miséria em Paris não é um facto histórico ou actual. É intemporal! (lembras-te do livro Le Parfum do escritor Patrick Süskind? ou da juventude da Edith Piaf retrada no filme oscarizado La Môme de Oliver Dahan? pobreza, miséria e mendigos já existiam nos séculos XVIII e inicio do XX... e antes... e depois...) Antes de vir morar para França, tinha a certeza que um pais com um sistema social tão forte não tinha pessoas desvaforecidas. E eu estava (redondadamente) enganada. Que seja em Paris, em Montpellier (onde morei cinco anos) ou em qualquer outra cidade de l'Hexagone, podemos deparar-nos com casos sociais dos mais variados e dificeis. Em Montpellier, e como em milhares de outros centros urbanos, foi construido nos anos 1960 um ZUP (Zona a Urbanizar em Prioridade) baptizado de La Paillade. Inicialmente destinado a albergar os Franceses da Argélia (França-Argélia conhecem um historico parecido com o de Portugal-Angola no que toca a Colonia e Independencia), hoje esses bairros têm a pior das reputações, no que toca a bandidagem, vandalismo, (des)reinserção social e (des)urbanização. Hoje lá moram muitos antigos emigrantes, os seus descendentes e Franceses de classe social baixa ou média-baixa. É o que aqui se chama de morar na banlieue ou na cité. Nem todo o mundo direito a abonos do Estado. Conheço uma pessoa que recebia abonos a mais dos que tinha direito pois tinha tido a "arte" de mentir na sua declaração às autoridades. Conheço outros casos de homens que tinham um emprego e que do nada, foram despedidos. Não indo trabalhar, ficavam em casa, o tempo ia passando, e os abonos diminuindo. Aos poucos, tornavam-se pesos para as suas esposas e muitas vezes, acabavam por se separar. Procuravam um novo domicilio, mais pequeno, mas com o tempo, deparavam-se com a impossibilidade de pagar. Para muitos, o tempo era curto até terem de dormir em centros sociais e no pior dos cenarios, NA RUA, à porta de um prédio, numa esquina protegida do vento, num banco de parque municipal mal iluminado.
Daí a minha pergunta neste post da semana passada. Não sei distinguir a alegria da tristeza nas respostas que aqui recebi. Achei mais do que positivo ver que muitos de vocês têm o hábito de dar comida aos pedintes, os trocos que têm no bolso, a ajuda que podem... a outra face desta moeda é saber que infelizmente, há tanta gente necessitada. A verdade é que há de tudo neste mundo, tanto do lado do pedinte como do trauseunte. Há aquele pedinte que apenas estende a mão, há aquele pedinte surdo que deixa um bilhetinho escrito no teu colo quando estás sentada no comboio, há aquele pedinte que discursa a sua desgraça em alto e bom som no metro, há aquele pedinte que canta algo dos Gypsy Kings com um velho acordeão, há aquele pedinte que pede em silencio, de cabeça baixa, no auge da solidão. Há aquele trauseunte que passa rapidamente, há aquele trauseunte que vai à padaria do lado comprar pão, há aquele trauseunte que sorri rapidamente, há aquele trauseunte que ignora completamente, há aquele trauseunte que atira uma moeda com desdém, há aquele trauseunte que insulta ou grita "vai trabalhar, vagabundo!"... Há os que dão e outros que não. Isso é a opção de cada um. Há os que julgam e outros que não. Há os que querem ter a certezinha que o dinheiro é para uma refeição "não vá agora comprar droga ou alcool com isto, entendeu?!" e outros que não querem nem saber qual será o destino dos seus 50 cêntimos de Euro. No fundo, não sei se há uma atitude mais certa que qualquer outra. Tudo depende da vida, visão e educação de cada um.
Enfrentar o frio não é exclusivo aos habitantes da América do Norte. A fome não elegeu domicilio unicamente em Africa. A chuva não cai mais fortemente na Asia. A falta de segurança não mora só na America Latina. A indiferença, divisões sociais, injustiças morais residem nas mentes de demasiadas pessoas em todo o lado. E a miséria?... A miséria também mora aqui. Em Paris.
(foto by Nicolas Roze)
*ultima foto, no cartão: 1 pièce pour MANGER, SVP = 1 moeda para COMER, PFF
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