Filosofia
Dessa doentia obsessão por Nova Iorque
O meu irmão tinha um sonho muito grande que era trabalhar nas Nações Unidas. Deus foi Pai com ele e fez com que a sua luta tivesse sentido e foi agora trabalhar por alguns anos na ONU em Nova Iorque. O meu irmão é o novo orgulho familiar. Tinha um projecto, lutou (sozinho) e agora está lá e estou mais do que feliz por ele. Quando digo que o meu irmão está a morar em Nova Iorque, a reacção aqui em Paris é quase sempre a mesma “uau, que sorte, quem me dera, também quero, também deverias ir”. Não compreendo nem quero compreender o porquê dessa obsessão que New York é cool e “the place to be” apenas porque comem séries e filmes sobre a cidade, dia e noite, e pensam que vão ter amigos para beber café no Central Perk* todos os dias e cosmos à noite ou porque tiram uma foto em Times Square e "uau, sou tão cool". Turismam uma semana numa cidade, e pronto, é o lugar onde morar, esquecendo que ha pessoas com vidas reais e que a luta é a mesma em Luanda, em Montpellier, em Bagdad e no Catambor.
Vai dar no mesmo quando me dizem “uau, morar em Paris, que sorte, que chulo!” sem conhecerem a cidade, ou por terem vindo uma semana ou por tudo o que vêm nos filmes, como se um parisiense vos fosse agarrar na rua para dançar num cais do Sena todas as noites de luar e dizer "je t'aime" sem parar, enquanto mais rapidamente um vos vai dizer "va te faire foutre" e outros que tais.
People, give me a break. Essas grandes cidades são bastante apelativas mas ponham juízo na vossa cabeça. Nada é melhor do que conhecer os nossos vizinhos, a quem podemos ir pedir um quilo de açúcar no andar de cima, ter a mãe perto para cuidar dos nossos filhos, ter amigos de infância com quem ir jantar. Já tentaram ir morar numa cidade que não conhecem? Acham que tudo o que vêm nos filmes é verdade?
Além das festas, e dos saltos e dos cosmos e toda essa futilidade que vos obceca, já pensaram nas horas que se passa sozinho com um livro numa lavandaria, a ver as pessoas passar, sem ninguém com quem conversar? pensaram no que é viver numa cidade na qual não conhecem ninguém? Em que trabalham 12 horas, andam a pé porque não têm um carrinho ou lugar para parquear o carrinho ou apenas porque ter um carrinho é caro que doi? Pensaram no tempo que se passa em transportes apertados para gastar 75% do salário no aluguer um quarto de um apartamento que partilham com cinco pessoas estranhas, que não falam com vocês, a não ser hello-goodbye e post-its no frigorifico a perguntar QUEM ROUBOU A M* DA MINHA SALADA SEUS FDP? Sabem o que é ir ao cinema sozinho? Gastar tanto dinheiro em take away porque vamos comer sozinhos e nem temos vontade de cozinhar para uma pessoa? Ter encontros esporádicos, conhecer muita gente, ter muitos números no telefone mas não ter ninguém com quem falar a sério, a quem expor os nossos problemas, apenas porque queremos ser cool? A Carrie não existe, a Amélie não existe. A Carrie tem aquele estilo de vida depois de morar 20 anos em NY. A Amélie vive naquele bairro porque nasceu ali, está enraizada e conhece todo o mundo. Os parisienses não fazem amizade com as pessoas rapidamente. Vejo aqui muito expatriado que mora aqui há anos e não têm amigos. Porque os nativos não se abrem, já têm os amigos deles há 30 anos e estão melhor assim. Os novaiorquinos fazem amizades rápidas. Mas é apenas isso. É rápido, é um date eterno, no qual tens de te apresentar todas as noites à volta de um cocktail, a uma pessoa diferente mas continuas a regressar a casa ainda mais vazio e sozinho do que antes. Do que nunca.
Sou apologista e grande admiradora das pessoas que vão além dos seus limites e saem de casa para viver sonhos longe. Mas já paravam de pensar que os sonhos apenas se realizam em Nova Iorque. Até porque eu sei onde durmo melhor, onde o chão não treme porque o metro passa, onde a discoteca de Chelsea não fica aberta todos os dias de semana. E esse lugar onde durmo tão bem tanto pode ser na Baixada Fluminense ou no Barreiro, que não é hip, não é cool, não aparece cheio de glamour nas televisões mas é onde durmo melhor.
Então sim, estou mais do que orgulhosa pelo meu irmão, pela sua luta, pelo facto de poder ter a mulher e as filhas com ele para viver este que foi o seu sonho desde miúdo. Mas foi ponderado, com muito sofrimento, muitas viagens à Assembleia, muitos meses à espera de assinaturas e validações e sem um sonho meio idiota de ser apenas cool mas de ser mais homem.
Enough with the shallow crap.
*o café ponto de encontro em Friends
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