Em três anos e meio em Paris, já recebi centenas de pessoas em casa. Sim, posso dizer "centenas". Uns vinte membros de família, uma dezena de bloggers que tiveram (felizmente) a ousadia de enviar um mail e ficar aqui em casa, os cinquenta couchsurfers que recebi em Setembro e os muitos amigos que vêm de passagem. Nunca tinha tido este movimento em Montpellier ou qualquer outra cidade onde tenha vivido. Confesso que gosto de receber pessoas em casa. Gosto de sentir que têm um tecto graças a mim (cof cof modéstia) e não vão gastar (estúpidos) balurdios num hotel que nem sempre é tudo o que esperamos.
Não gosto de ter as portas de casa fechadas. Sinto que não tenho nada de valor que possa realmente ser roubado, nem sou desconfiada. E as minhas amigas são magras demais para caber nos meus vestidos XXXXXXL. Não me importa que sejam amigos, ou apenas conhecidos ou completos desconhecidos. Quando estou com a predisposição (e com a intuição a apoiar), abro os braços a quem também confie em mim para vir cá passear. No entanto, dou-me conta que receber pessoas em casa fez-me ver muitos defeitos meus.
Não tenho paciência. Lamento, mas não tenho mesmo. Não sou a pessoa mais paciente do mundo. Acho que há algo em mim que prefere receber casais ou grupos de amigos que são autónomos e que gostem e saibam passear sozinhos. Fico meio aterrada quando alguém olha para mim com olhos do gatinho de Shrek para ir passear.
A minha política é mais ou menos a seguinte: gosto de fazer no mínimo um grande passeio com as pessoas que recebo em casa. Algo assim de bom e inesquecível, como andar de barco ou andar grandes distâncias ou passear fora de portas como em Versailles. São coisas que gosto de fazer, coisas que eu também descubro. Mas depois acho que com um mapa e bilhetes de metro qualquer pessoa consegue aviar-se na cidade. Há metros em todas as esquinas, a cidade é bem irrigada, tudo é relativamente perto a pé e quase todo o mundo sabe mais ou menos o que quer ver por aqui.
Gosto tanto dos aventureiros que entram no metro e saiem onde calhar como os que já têm os roteiros todos organizadinhos. Nem sequer me importo que me perguntem quais são os meus lugares preferidos e os que eu aconselho mais. Mas agora, esperar que eu leve X e Y a todos os lugares está fora de questão. Isto de estar habituada a morar sozinha há anos faz com que 1/já tenha um rítmo de vida apenas meu 2/não consiga - confesso, nada de mentir - dar tanto espaço aos outros 3/quebrar rotinas é o meu dia a dia mas tem de ser porque eu quero. Sentir que me foi imposto faz-me perder um braço.
Coisas que acho divertidas : ir tirar fotos à Torre Eiffel num dia de sol ou apanhar o barco para fazer um tour pelo Rio Sena. Ir beber café em Saint-Germain, ir ao cinema em Chatelêt, passear de noite em La Défense ou nos Champs-Elysées. Mas no fundo, são coisas que eu faço (ou posso fazer) TODOS OS DIAS. Vejo lugares turísticos QUASE TODOS OS DIAS. E fazer a Santa Trindade Louvre-Eiffel-Notre Dame pode por vezes ser duro para mim. A opção de fazer algo inédito para mim é muito mais aliciante.
Claro, há quem nunca tenha vindo a Paris antes de vir à minha casa. Claro, claro, claro! Então sempre aconselho a que façam as coisas mais turísticas em grupo e sem mim. E eu vou a lugar mais "meu", que tem mais a minha cara, que apareça menos num guia turístico, para apresentá-lo com os meus olhos. Alguém propôs-me recentemente que eu fizesse uma folha com os lugares mais turísticos, os essenciais de Paris para dar aos amigos. Mas acho que não é preciso fazer isso. Todo o mundo tem os seus essenciais de Paris. A tal santa Trindade é a mesma para todos. No entanto, parabenizo todos os que já me fizeram visitar e conhecer coisas mais inéditas como o Le Marais (bairro gay e/ou judeu), Montmartre, o cemitério do Père Lachaise ou até ir até Versailles (isso foi um dia inteiro, visto que é fora de portas).
Porque digo isto tudo? não, não é uma má experiência recente com convidados. Tenho tido uma sorte incrível por ter amigos e conhecidos muito autónomos, com quem deixo uma chave e eles cuidam das suas vidas. E sempre posso acompanhar para um passeio ou uma refeição diferente.
Digo isto pensando mais nos membros da minha família. Nunca vêm com ideias próprias de passeio, se eu não sair não saem, se passar o dia no trabalho, ficam em casa à espera, para fazer qualquer coisa, é sempre preciso eu ir, nem que tenha de ir fazer a mesma coisa que já faço ou que já vi umas boas centenas de vezes. Fico sempre nas nuvens quando tenho primos em casa, que quando eu acordo, já foram bater perna e depois é uma diversão acompanhá-los, não é uma obrigação. Eles não sentem que antes deles chegarem, eu não tinha vida. Eles adaptam-se ao meu ritmo e à minha maneira de ser. Quando não é o caso e são um grude, ficam surpresos de eu ficar com cara de peixe morto. Enquanto sou no fundo alguém de extremamente sorridente (?).
Digo isto porque durante a Paris Fashion Week a imprensa estava instalada em pleno Louvre. E para eu entrar e ter acesso às salas, tinha de passar por aquelas filas enormes de turistas e pela segurança do museu. Confesso que por mais entusiasmo que eu tivesse no trabalho, lembrei-me o quanto detesto sentir-me mais uma entre aqueles milhares de pessoas. O quanto detesto sentir-me forçada a estar ali, a passar por aquilo.
E agora que acabo de escrever isto tudo, depois de me queixar e de expor aqui em público tamanho defeito meu, dou-me conta de outra coisa. Estou mesmo a ficar tal uma Francesa. Não, vamos piorar o caso. Estou a tornar-me numa perfeita Parisiense. I wish (not).