Pronto, acabaram-me com a festa. Não, let's name a cat A DAMN CAT. Parabéns, lixaram-me mesmo os c*
Filosofia

Pronto, acabaram-me com a festa. Não, let's name a cat A DAMN CAT. Parabéns, lixaram-me mesmo os c*


Pronto. O dia estava a correr bem demais, vinha aqui contar uma óptima noticia e tinha de acabar assim. Mal. O mundial ainda agora começou e que leio eu numa mensagem enviada a 5 milhões de pessoas? “Gente, vocês que estão a ver o Mundial, lembrem-se que há 1 milhão de pessoas a morrer de paludismo em África todos os anos”.

Infelizes. Depois de tudo o que tenho aturado e lido nos últimos meses, hoje foi a gota de água. Esse apelo às consciências enquanto as pessoas estão APENAS a ver uma abertura de um campeonato de futebol, um concerto, uns cantores, umas danças, coisas giras assim… deixem de sorrir! Deixem de vibrar! Lembrem-se, eles MORREM! Eles têm doenças! Eles têm diamantes de sangue! Eles têm guerras! Eles têm crime! Nós não! Só eles! É a única coisa que eles têm!
É sempre a mesma m… treta. Quando há algo (festa, I mean) em África “ah, não se esqueçam que eles lá morrem de fome, são uns coitadinhos, estão sempre muito mal”. “ah, eles têm um índice de casos de SIDA que é abismal”. “ah, lá há muito crime mesmo, todos vão acabar por morrer chacinados”. “ah, tanta guerra, tadinhos, não sabem o que é viver em paz”. Hein, lembrem-se disto enquanto estão a ver um jogo pelas vossas selecções. Não pensem na bola, não pensem nos bons (ou péssimos, depende por que país torcemos) 90 minutos que estão a viver, okay?

Os Africanos, todos juntos, não existiam antes do mundial, não vão existir depois. É agora que temos de pensar neles! Assim como o Haiti só existiu no início do ano.

Foi a mesma coisa com o CAN em Angola. Tivemos o azar (não há outra palavra) de ter aquela tragédia inadmissível e imprevisível em Cabinda, logo antes dos jogos começarem, e depois pouco se falou sobre o evento. Apenas foi o ataque no qual morreu gente. Não estou a dizer que não foi importante. Deus e os meus sabem o quanto fiquei mal com isso. Mas apenas senti que foi injusto não termos sequer o tempo de brilhar por algo de positivo.

E é assim nós Africanos somos obrigados a viver até o final das nossas vidas. Africano fora do seu continente é filho de corrupto, Africano dentro do seu continente vai morrer de SIDA.
Não há meio termo. Não há classe média. Não há esforço. Não há cidades modernas. Não há nada além do que a televisão ou os média mostram, em termos de guerra e doenças e crime.
Em momentos assim, fico com a puta da inveja do Brasil, que também “é só crime” mas pelo menos são internacionalmente conhecidos pelo Samba, a Bossanova, a Caipirinha, as praias, as mulheres. Pronto, eles ao menos têm coisas boas. Nós? Epa… temos o Mandela né…

África? Não… nem continente é. É um país. Uma caganita ali onde a civilização tardou a chegar. Um território assim como assim meio incerto e remoto no qual falamos todos a mesma língua, somos todos pobres, temos todos sida, comemos o arroz do World Food Program e temos uma arma apontada para nós assim que saímos à rua.

De todos as viagens que tive o prazer (ou não) de fazer em 23 anos, nunca conheci pessoas menos infelizes, mais cheias de esperança, de brilho nos olhos, agradecidas apenas pelo facto de estarem vivas a cada dia que em Angola. Angola não representa toda a África mas é a minha, a que eu conheço melhor.

Acho inadmissível, intolerável e desprezível que nunca sejamos lembrados por nenhum evento positivo. Nada. Quase nunca citam a diversidade cultural, o número de línguas e dialectos que falamos, a imensidão das nossas paisagens, o facto de muito ainda estar intocado pelo horrível ser humano, por termos tanta história antes mesmo do Europeu ter chegado, temos tanta coisa por mostrar, em comida, em dança, em savoir-vivre, em sorrisos e esperança. So much more. Mas não, não é possível. Somos pobres porque sempre foi assim e sempre será.

Nunca vivi numa árvore, nunca andei descalça para ir para a escola, o quadro da minha turma não estava pendurado num embondeiro, a minha mãe nunca me carregou às costas nem andou a catar os piolhos da minha cabeça com as pernas abertas (não, usamos mesmo QUITOSO), não cresci apenas à base de mandioca cozida, nunca recebi o arroz que enviaram à Somália, não conheço pessoalmente a Iman (nem é minha prima)(…), nunca andei de camelo no deserto, já tive paludismo e não morri.

Não quero ter de cortar-me do mundo durante os próximos dias para não ter de ouvir ou ler mais essa história de que os “Africanos, esses coitados, yada yada yada”. Problemas? Claro que temos. Mas quando pensei no Euro na Áustria, não pensei apenas nos Fritzl. Quando foi na Bélgica, não pensei apenas que já foi o país com mais escândalos de pedofilia do fim do século passado. Quando penso nos próximos JO em Londres, não me digo “ai, credo, vão sofrer outros atentados”. Se é para irmos procurar estigmas e ideias preconcebidas, don’t worry, we are ready.

Não temos apenas problemas. E durante 30 dias de festa, não é a única coisa que queremos mostrar apenas por termos FINALMENTE tempo de antena. Temos o direito de sentir orgulho por acolher e organizar tal evento.

Ah, favor não esquecer que 1 milhão de pessoas morre de malária em Africa todos os anos enquanto assistem à abertura do Mundial” - Ashton Kutcher.

Olha, vai à tuge**, sim?

*mother, dad... sorry.

**termo usado para dizer "m****" em Angola



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