A PEC da Insanidade e a Limitação da Investigação de Crimes
Filosofia

A PEC da Insanidade e a Limitação da Investigação de Crimes



A PEC da Insanidade e a Limitação da Investigação de Crimes



Como é de conhecimento, a Proposta de Emenda Constitucional, de autoria do deputado Lourival Mendes (PTB-BA), PEC número 37, também intitulada PEC da impunidade, da corrupção, da insensatez etc., busca a tentativa – ainda que inconstitucional – de criação do monopólio, da exclusividade das investigações criminais, enfim, da apuração exclusiva por parte das polícias das ocorrências de delitos, assim como de suas respectivas autorias, praticados por quaisquer criminosos, inclusive àqueles do “colarinho branco”, quando os acusados exercem visível poder de ordem política, social, econômica etc.



Os mais árduos defensores da aprovação da proposta, dentre os quais o Conselho Federal da OAB e a própria classe dos delegados de polícia, assim como inúmeros políticos profissionais, sustentam, em resumo, que deve existir uma divisão de tarefas (de atribuições), cabendo às polícias, a investigação criminal; ao Ministério Público, o exercício da acusação através da titularidade da ação penal; aos réus, através de seus advogados, o exercício da ampla defesa, respeitado o contraditório e a igualdade de armas (forças); e, ao Judiciário, o julgamento final das demandas.

Tal lógica em relação às investigações criminais, fruto de uma visão flagrantemente corporativista, parcial e individualista, que pode ser bem resumida no brocardo popular: “Cada macaco no seu galho”, bem identifica a origem da cultura patrimonialista que serve de alicerce para este entendimento, conseqüência natural da desenvolvida apropriação privada da coisa pública, numa verdadeira simbiose entre público e privado.
A lógica da divisão de tarefas nesta hipótese, segundo a qual caberia a investigação criminal às polícias, além de superficial, é visivelmente inapropriada – e nociva – para o resgate dos princípios constitucionais previsto na Carta Maior da República. Ao contrário da premissa indicada pelos defensores da PEC da impunidade, o Ministério Público, embora sujeito a equívocos, falhas e imperfeições, não é parte comprometida com a acusação ou com a necessária condenação dos réus, haja vista que, quando investiga fatos criminosos, o faz no interesse de toda sociedade, seja para pedir a condenação de um criminoso, seja para pedir a absolvição de um inocente. Dito de outra forma: Diversamente dos advogados contratados por grandes criminosos – que possuem a legítima obrigação profissional de defender seus clientes –, o compromisso do Ministério Público é unicamente com a apuração integral dos fatos, sempre buscando reconstituir os acontecimentos ocorridos e responsabilizar os verdadeiros e possíveis culpados.
Ademais, com o alto nível de corrupção no Brasil, querer limitar as investigações criminais, afastando deste processo o Ministério Público, a Imprensa, a Receita Federal, o COAF, a Controladoria-Geral da União, a Previdência Social, o Banco Central, dentre outros, representará um significativo retrocesso, quiçá definitivo, na luta contra os grandes criminosos deste País, alguns dos quais, infelizmente – uma vez eleitos de forma (i)legítima pelo povo –, terão o poder decisório de votar a proposta no Congresso Nacional. Poderia parecer engraçado se não fosse trágico!
Na prática, também como é de conhecimento geral, a investigação criminal, assim como a própria atuação repressiva, vem sendo banalizada no cotidiano policial, seja por deficiência estrutural (falta de condições físicas e humanas), seja, ainda que excepcionalmente, pela corrupção policial, em alguns casos, flagrante o desrespeito aos princípios, direitos e garantias constitucionais, presente uma atuação policialesca, expondo abusivamente suspeitos a diversas violações.
De outro lado, o crime organizado campeia livremente na estrutura estatal, com interferência relevante nos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, impondo uma resistência significante às apurações decorrentes das investigações do crime organizado e de grandes esquemas de corrupção.
Muitos são os discursos a favor e contra as operações investigativas nas estruturas criminosas instaladas no poder. As polêmicas sobre a espetacularização das prisões de suspeitos sobre o excesso e descontrole da concessão judicial de escutas telefônicas (grampos) – que para alguns representa verdadeiro resquício do autoritarismo – e sobre a subordinação e dependência das polícias ao Poder Executivo, bem demonstram a complexidade e as dificuldades do uso dos instrumentos investigativos no Estado Democrático de Direito.
Com a realidade nua e dramática da disseminação e desenvolvimento da corrupção no Estado brasileiro, de viés patrimonialista, não se pode admitir, em nome da divisão de tarefas e atribuições, em hipótese alguma, a exclusividade e limitação da investigação criminal. Também não se pode compactuar com a omissão e com o discurso falacioso generalizado dos excessos investigativos.
Percebe-se, por óbvio, a extrema dificuldade de conciliar teoria e prática, especialmente numa rede de articulação de poder escamoteada entre escândalos e atentados contra o Estado Democrático de Direito, de viés constitucional e garantista. Seja como for, parece inegável, incontestável e urgente a necessidade da investigação constitucional dos atos de corrupção e do crime organizado instalado no Estado brasileiro, realizada com transparência, critérios técnicos e responsabilidade por diversos atores, aliás, como ocorre em todos países civilizados e democráticos do Planeta.
Portanto, respeitadas todas opiniões em contrário, algumas poucas, inclusive, legítimas, não é matéria do acaso o atual debate legislativo/constitucional sobre o monopólio da investigação criminal. Longe do “circo” propositalmente armado, com a corrupção disseminada na estrutura de poder estatal, a arrecadação probatória por parte do Ministério Público, assim como de outros importantes atores investigativos, especialmente em casos de crimes envolvendo o poder político, econômico e de autoridade, torna-se imprescindível para efetiva punição de corruptos e de corruptores.
Ora, sem delongas, sendo o inquérito policial presidido pela autoridade policial prescindível ao oferecimento da ação penal pública, parece claro que o Ministério Público possa complementar ou arrecadar originalmente qualquer material probatório para formação da opinio delicti. Reconhecer um Ministério Público sem poder de investigação significa anular a própria instrumentalidade constitucional que lhe dá eficácia. Ou seja, significa negar a existência aos comandos normativos dos arts. 127 e 129, incisos I, II e III, ambos da CR, e, consequentemente, negar operatividade ao princípio constitucional da moralidade administrativa. Nesse sentido, Clèmerson Merlin Clève, advogado e professor titular das Faculdades de Direito da UniBrasil e dos cursos de Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito, pós-graduado pela Université Catholique de Louvain (Bélgica), com precisão científica e clareza matemática, esclarece que:
A atividade de investigação tem clara natureza preparatória para o juízo de pertinência da ação penal, de modo que, sendo o Ministério Público o titular da ação penal pública, por ele é providenciada a fim de formar sua convicção de acordo com os elementos colhidos (29). Sendo a investigação conduzida através de inquérito policial ou por outro meio, a finalidade é a mesma, porém, o deslinde não, já que a qualidade da investigação é determinante para a formação do juízo do titular da ação penal. Diante disso, parece lógico que, dispondo de meios apropriados e recursos adequados, a atuação do membro do Ministério Público não deve ser, em todos os casos e circunstâncias, limitada pela atuação da polícia judiciária. É que o limite, em última instância, pode significar o seqüestro da possibilidade de propositura da ação penal. E nem se afirme que o controle externo da atividade policial seria suficiente para remediar a possibilidade. Necessário e acertadamente externo, o controle possui fronteiras. Pode implicar possibilidade de emergência de censura à eventual desídia, mas nunca solução ao específico caso que, diante da dificuldade de encaminhamento do inquérito, produziu reduzida chance de êxito na propositura da ação penal. Em semelhante hipótese, sequer a possibilidade de requisitar a instauração de inquérito ou de diligências investigatórias, no limite, pode se apresentar como solução para o impasse, eis que o órgão ministerial, titular da ação penal, sem poder interferir diretamente na ação policial, não dispõe de instrumentos, a não ser reflexos (controle externo), para garantir a qualidade das diligências providenciadas em virtude de requisição. A autoridade policial tem, com o inquérito policial, meios para auxiliar o Parquet na promoção da ação penal, mas se, em virtude de hermenêutica menos elaborada, lhe for atribuída a exclusividade da investigação preliminar criminal, terá também, e certamente, um meio para limitar sua função, o que importa em risco (sendo, na sociedade de risco, ainda mais grave e incompreensível) para o Estado Democrático de Direito.1
Reconhecendo o poder investigatório do Ministério Público, Aury Lopes Júnior destaca que:
Analisando os diversos incisos do art. 129 da CB, em conjunto com as Leis nº 75/93 e nº 8.625/93, especialmente o disposto nos arts. 7º e 8º da primeira e 26 da segunda, constatasse que no plano teórico está perfeitamente prevista a atividade de investigação do promotor na fase pré-processual. Não dispôs a Constituição que a polícia judiciária tenha competência exclusiva para investigar (...). Não existe exclusividade desta tarefa, inclusive porque quando pretendeu estabelecer a exclusividade de competência o legislador o fez de forma expressa e inequívoca. Tampouco a natureza da atividade ou dos órgãos em discussão permite ou exige uma interpretação restritiva; ao contrário, trata-se de buscar a melhor forma de administrar justiça. (...) Não só o inquérito policial é dispensável, senão que também é dispensável a atuação policial, ou, em outras palavras, o MP pode prescindir da própria polícia judiciária. O art. 129, III, da CB trata do inquérito civil como atividade preparatória da ação civil pública; logo, quando no inciso VI o legislador afirma o poder do MP de instruir os procedimentos administrativos de sua competência, está claramente referindo-se a outros procedimentos. Aqui está a outorga constitucional para que o MP realize a instrução preliminar, considerada como um procedimento administrativo pré-processual, preparatório ao exercício da ação penal. Neste sentido, complementam a norma constitucional as Leis nº 75/93 e nº 8.625/93, que autorizam a instauração de procedimentos administrativos com caráter investigatório. (...) Destarte, entendemos que o Ministério Público, ademais de participar no inquérito policial, poderá ser protagonista, instaurando e instruindo seu próprio procedimento administrativo pré-processual. Entendemos que o MP pode instaurar e realizar uma verdadeira investigação preliminar, destinada a investigar o fato delituoso (natureza pública), com o fim de preparar o exercício da ação penal. Aqui se materializa a figura do promotor investigador.2

Além do que já foi argumentado, não fossem as interferências e ingerências políticas, não parece lógico que a polícia judiciária investigue sem estar em sintonia com o destinatário primeiro da investigação criminal. É inegável que melhor pode fazer justiça quem por si mesmo realiza, conduz ou comanda as investigações criminais. Como imaginar uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, guardiã da ordem jurídica e defensora da sociedade e dos direitos fundamentais, destituída de instrumentos sólidos e efetivos de controle, fiscalização, investigação, além de acompanhamento das atividades relacionadas direta e indiretamente com a coisa pública?
Como é de conhecimento, os Tribunais Estaduais, assim como o Superior Tribunal de Justiça, vêm reconhecendo a legitimidade do Ministério Público para condução da investigação criminal, cabendo ao Supremo Tribunal Federal, de uma vez por todas, superadas as pressões políticas e coorporativas, referendar o comando integrado dos dispositivos constitucionais, repudiando qualquer tentativa de limitação do poder investigatório do Ministério Público, ou de qualquer outra medida tendente a enfraquecer o combate à corrupção e a busca pelo propagado Estado Democrático de Direito, como ocorre com a PEC 37.
O respeito ao comando constitucional intenta fortalecer o Ministério Público em razão da difícil e fundamental tarefa de dar eficiência à estratégia de combate à corrupção e, consequentemente, de permitir a efetivação dos direitos fundamentais e a operatividade do princípio, direito e garantia da moralidade administrativa.
Uma investigação criminal, quando bem conduzida e orientada, poderá determinar decisivamente o sucesso da repressão à prática disseminada dos maiores crimes praticados contra a Nação, como ocorre na hipótese presente do chamado julgamento do Mensalão. Não por acaso, alguns réus do Mensalão, já se posicionaram publicamente a favor da aprovação da PEC 37. Enfim, basta ficarmos atentos e verificarmos – quando da votação da PEC 37 –, quem é quem!

1 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Investigação criminal e Ministério Público (Artigo). Jus Navigandi. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5760
2 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 154-155.



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