A lógica da divisão de tarefas nesta hipótese, segundo a qual caberia a investigação criminal à s polÃcias, além de superficial, é visivelmente inapropriada – e nociva – para o resgate dos princÃpios constitucionais previsto na Carta Maior da República. Ao contrário da premissa indicada pelos defensores da PEC da impunidade, o Ministério Público, embora sujeito a equÃvocos, falhas e imperfeições, não é parte comprometida com a acusação ou com a necessária condenação dos réus, haja vista que, quando investiga fatos criminosos, o faz no interesse de toda sociedade, seja para pedir a condenação de um criminoso, seja para pedir a absolvição de um inocente. Dito de outra forma: Diversamente dos advogados contratados por grandes criminosos – que possuem a legÃtima obrigação profissional de defender seus clientes –, o compromisso do Ministério Público é unicamente com a apuração integral dos fatos, sempre buscando reconstituir os acontecimentos ocorridos e responsabilizar os verdadeiros e possÃveis culpados.
Ademais, com o alto nÃvel de corrupção no Brasil, querer limitar as investigações criminais, afastando deste processo o Ministério Público, a Imprensa, a Receita Federal, o COAF, a Controladoria-Geral da União, a Previdência Social, o Banco Central, dentre outros, representará um significativo retrocesso, quiçá definitivo, na luta contra os grandes criminosos deste PaÃs, alguns dos quais, infelizmente – uma vez eleitos de forma (i)legÃtima pelo povo –, terão o poder decisório de votar a proposta no Congresso Nacional. Poderia parecer engraçado se não fosse trágico!
Na prática, também como é de conhecimento geral, a investigação criminal, assim como a própria atuação repressiva, vem sendo banalizada no cotidiano policial, seja por deficiência estrutural (falta de condições fÃsicas e humanas), seja, ainda que excepcionalmente, pela corrupção policial, em alguns casos, flagrante o desrespeito aos princÃpios, direitos e garantias constitucionais, presente uma atuação policialesca, expondo abusivamente suspeitos a diversas violações.
De outro lado, o crime organizado campeia livremente na estrutura estatal, com interferência relevante nos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, impondo uma resistência significante às apurações decorrentes das investigações do crime organizado e de grandes esquemas de corrupção.
Muitos são os discursos a favor e contra as operações investigativas nas estruturas criminosas instaladas no poder. As polêmicas sobre a espetacularização das prisões de suspeitos sobre o excesso e descontrole da concessão judicial de escutas telefônicas (grampos) – que para alguns representa verdadeiro resquÃcio do autoritarismo – e sobre a subordinação e dependência das polÃcias ao Poder Executivo, bem demonstram a complexidade e as dificuldades do uso dos instrumentos investigativos no Estado Democrático de Direito.
Com a realidade nua e dramática da disseminação e desenvolvimento da corrupção no Estado brasileiro, de viés patrimonialista, não se pode admitir, em nome da divisão de tarefas e atribuições, em hipótese alguma, a exclusividade e limitação da investigação criminal. Também não se pode compactuar com a omissão e com o discurso falacioso generalizado dos excessos investigativos.
Percebe-se, por óbvio, a extrema dificuldade de conciliar teoria e prática, especialmente numa rede de articulação de poder escamoteada entre escândalos e atentados contra o Estado Democrático de Direito, de viés constitucional e garantista. Seja como for, parece inegável, incontestável e urgente a necessidade da investigação constitucional dos atos de corrupção e do crime organizado instalado no Estado brasileiro, realizada com transparência, critérios técnicos e responsabilidade por diversos atores, aliás, como ocorre em todos paÃses civilizados e democráticos do Planeta.
Portanto, respeitadas todas opiniões em contrário, algumas poucas, inclusive, legÃtimas, não é matéria do acaso o atual debate legislativo/constitucional sobre o monopólio da investigação criminal. Longe do “circo†propositalmente armado, com a corrupção disseminada na estrutura de poder estatal, a arrecadação probatória por parte do Ministério Público, assim como de outros importantes atores investigativos, especialmente em casos de crimes envolvendo o poder polÃtico, econômico e de autoridade, torna-se imprescindÃvel para efetiva punição de corruptos e de corruptores.
Ora, sem delongas, sendo o inquérito policial presidido pela autoridade policial prescindÃvel ao oferecimento da ação penal pública, parece claro que o Ministério Público possa complementar ou arrecadar originalmente qualquer material probatório para formação da opinio delicti. Reconhecer um Ministério Público sem poder de investigação significa anular a própria instrumentalidade constitucional que lhe dá eficácia. Ou seja, significa negar a existência aos comandos normativos dos arts. 127 e 129, incisos I, II e III, ambos da CR, e, consequentemente, negar operatividade ao princÃpio constitucional da moralidade administrativa. Nesse sentido, Clèmerson Merlin Clève, advogado e professor titular das Faculdades de Direito da UniBrasil e dos cursos de Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito, pós-graduado pela Université Catholique de Louvain (Bélgica), com precisão cientÃfica e clareza matemática, esclarece que:
A atividade de investigação tem clara natureza preparatória para o juÃzo de pertinência da ação penal, de modo que, sendo o Ministério Público o titular da ação penal pública, por ele é providenciada a fim de formar sua convicção de acordo com os elementos colhidos (29). Sendo a investigação conduzida através de inquérito policial ou por outro meio, a finalidade é a mesma, porém, o deslinde não, já que a qualidade da investigação é determinante para a formação do juÃzo do titular da ação penal. Diante disso, parece lógico que, dispondo de meios apropriados e recursos adequados, a atuação do membro do Ministério Público não deve ser, em todos os casos e circunstâncias, limitada pela atuação da polÃcia judiciária. É que o limite, em última instância, pode significar o seqüestro da possibilidade de propositura da ação penal. E nem se afirme que o controle externo da atividade policial seria suficiente para remediar a possibilidade. Necessário e acertadamente externo, o controle possui fronteiras. Pode implicar possibilidade de emergência de censura à eventual desÃdia, mas nunca solução ao especÃfico caso que, diante da dificuldade de encaminhamento do inquérito, produziu reduzida chance de êxito na propositura da ação penal. Em semelhante hipótese, sequer a possibilidade de requisitar a instauração de inquérito ou de diligências investigatórias, no limite, pode se apresentar como solução para o impasse, eis que o órgão ministerial, titular da ação penal, sem poder interferir diretamente na ação policial, não dispõe de instrumentos, a não ser reflexos (controle externo), para garantir a qualidade das diligências providenciadas em virtude de requisição. A autoridade policial tem, com o inquérito policial, meios para auxiliar o Parquet na promoção da ação penal, mas se, em virtude de hermenêutica menos elaborada, lhe for atribuÃda a exclusividade da investigação preliminar criminal, terá também, e certamente, um meio para limitar sua função, o que importa em risco (sendo, na sociedade de risco, ainda mais grave e incompreensÃvel) para o Estado Democrático de Direito.1
Reconhecendo o poder investigatório do Ministério Público, Aury Lopes Júnior destaca que:
Analisando os diversos incisos do art. 129 da CB, em conjunto com as Leis nº 75/93 e nº 8.625/93, especialmente o disposto nos arts. 7º e 8º da primeira e 26 da segunda, constatasse que no plano teórico está perfeitamente prevista a atividade de investigação do promotor na fase pré-processual. Não dispôs a Constituição que a polÃcia judiciária tenha competência exclusiva para investigar (...). Não existe exclusividade desta tarefa, inclusive porque quando pretendeu estabelecer a exclusividade de competência o legislador o fez de forma expressa e inequÃvoca. Tampouco a natureza da atividade ou dos órgãos em discussão permite ou exige uma interpretação restritiva; ao contrário, trata-se de buscar a melhor forma de administrar justiça. (...) Não só o inquérito policial é dispensável, senão que também é dispensável a atuação policial, ou, em outras palavras, o MP pode prescindir da própria polÃcia judiciária. O art. 129, III, da CB trata do inquérito civil como atividade preparatória da ação civil pública; logo, quando no inciso VI o legislador afirma o poder do MP de instruir os procedimentos administrativos de sua competência, está claramente referindo-se a outros procedimentos. Aqui está a outorga constitucional para que o MP realize a instrução preliminar, considerada como um procedimento administrativo pré-processual, preparatório ao exercÃcio da ação penal. Neste sentido, complementam a norma constitucional as Leis nº 75/93 e nº 8.625/93, que autorizam a instauração de procedimentos administrativos com caráter investigatório. (...) Destarte, entendemos que o Ministério Público, ademais de participar no inquérito policial, poderá ser protagonista, instaurando e instruindo seu próprio procedimento administrativo pré-processual. Entendemos que o MP pode instaurar e realizar uma verdadeira investigação preliminar, destinada a investigar o fato delituoso (natureza pública), com o fim de preparar o exercÃcio da ação penal. Aqui se materializa a figura do promotor investigador.2
Além do que já foi argumentado, não fossem as interferências e ingerências polÃticas, não parece lógico que a polÃcia judiciária investigue sem estar em sintonia com o destinatário primeiro da investigação criminal. É inegável que melhor pode fazer justiça quem por si mesmo realiza, conduz ou comanda as investigações criminais. Como imaginar uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, guardiã da ordem jurÃdica e defensora da sociedade e dos direitos fundamentais, destituÃda de instrumentos sólidos e efetivos de controle, fiscalização, investigação, além de acompanhamento das atividades relacionadas direta e indiretamente com a coisa pública?
Como é de conhecimento, os Tribunais Estaduais, assim como o Superior Tribunal de Justiça, vêm reconhecendo a legitimidade do Ministério Público para condução da investigação criminal, cabendo ao Supremo Tribunal Federal, de uma vez por todas, superadas as pressões polÃticas e coorporativas, referendar o comando integrado dos dispositivos constitucionais, repudiando qualquer tentativa de limitação do poder investigatório do Ministério Público, ou de qualquer outra medida tendente a enfraquecer o combate à corrupção e a busca pelo propagado Estado Democrático de Direito, como ocorre com a PEC 37.
O respeito ao comando constitucional intenta fortalecer o Ministério Público em razão da difÃcil e fundamental tarefa de dar eficiência à estratégia de combate à corrupção e, consequentemente, de permitir a efetivação dos direitos fundamentais e a operatividade do princÃpio, direito e garantia da moralidade administrativa.
Uma investigação criminal, quando bem conduzida e orientada, poderá determinar decisivamente o sucesso da repressão à prática disseminada dos maiores crimes praticados contra a Nação, como ocorre na hipótese presente do chamado julgamento do Mensalão. Não por acaso, alguns réus do Mensalão, já se posicionaram publicamente a favor da aprovação da PEC 37. Enfim, basta ficarmos atentos e verificarmos – quando da votação da PEC 37 –, quem é quem!
1 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Investigação criminal e Ministério Público (Artigo). Jus Navigandi. DisponÃvel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5760
2 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 154-155.
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