Filosofia
Raposa Serra do Sol vive abandono após quatro anos
CONGRESSO EM FOCO Raposa Serra do Sol vive abandono após quatro anos
Adversários na demarcação da segunda maior reserva indÃgena do paÃs, fazendeiros e Ãndios se unem na crÃtica ao poder público por descaso com a região. IndÃgenas querem apoio para produzir
Wilson Dias/ABr
STF manteve demarcação. Quatro anos depois, cenário é de abandono
BOA VISTA e PACARAIMA (RR) – Quatro anos depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmar a demarcação da terra indÃgena
Raposa Serra do Sol, em Roraima, e determinar a retirada dos arrozeiros que ocupavam a área, as antigas culturas estão abandonadas. O gado, que em muitos lugares substituiu as plantações de arroz, morre de sede, as estradas, todas de terra, estão em mau estado de conservação, com muitas pontes sem condições de uso ou mesmo queimadas. Para fazer o transporte escolar dos
Ãndios, só com caminhonetes de cabine dupla, que transportam no máximo quatro alunos.
Assine a Revista Congresso em FocoAs condições adversas após a autorização do STF para a demarcação continuar foram constatadas pela reportagem do
Congresso em Foco no inÃcio desta semana, em viagem por comunidades da segunda maior reserva do paÃs, no norte de Roraima. Os Ãndios têm vivido apenas de pequenas roças, mas não estão satisfeitos com a situação. Querem assistência técnica para melhorar e aumentar a produção, distribuindo riqueza entre as comunidades formadas por 20 mil pessoas, segundo o Conselho Indigenista de Roraima (CIR), ligado à Igreja Católica.
Lados opostos na demarcação da Raposa, Ãndios, fazendeiros e deputados ruralistas ainda trocam adjetivos duros entre si, mas o abandono na reserva os fez chegar a pontos de consenso. No Centro de Tradições Gaúchas de Boa Vista, os arrozeiros ainda lamentam a perda das terras, o “engessamento†da economia de Roraima, mas entendem a demarcação como fato consumado. E defendem que os indÃgenas retomem a produção agrÃcola antes tocada por eles. O presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Genor Faccio, mostra fotos da Fazenda Canadá, antes toda verde de arroz irrigado e, agora, seca e sem utilidade. “A gente podia até perder a fazenda pra alguém, mas que alguém fosse produzir aliâ€, afirma.
O coordenador do CIR, Mário Nicácio Wapichana, do povo macuxi, critica o governo federal. Ele diz que, ao assumirem a terra, foram impedidos de plantar numa das principais propriedades, que antes pertencia ao deputado Paulo César Quartieiro (DEM-RR). Quando Quartiero foi multado em R$ 30 milhões por crimes ambientais, teria havido um embargo à produção, que só começou a ser quebrado pelos Ãndios em novembro passado. “Para nós, foi um desrespeito mesmoâ€, disse ele. Wapichana acredita que nesses quatro anos o governo federal não agiu de forma ágil no desenvolvimento da agricultura local.
Eduardo Militão/Congresso em Foco
Sem água e alimentos, gado sofre na reserva. Abandono aproximou Ãndios e ruralistas
Mercado consumidorO deputado Márcio Junqueira (DEM-RR), que, junto com Quartiero, esteve no centro dos conflitos com os Ãndios, diz que o importante é garantir o abastecimento dos mercados consumidores do estado, do Amazonas e do exterior, independentemente de quem seja o dono da terra. O governador José de Anchieta (PSDB) – que não é exatamente um “amigo†dos indÃgenas – concorda com lÃderes da comunidade na Raposa, ao defender assistência técnica aos indÃgenas. “O governo federal precisa manter a infraestrutura das comunidades, estradas, pontes e energia, dar condições com relação a saúde, educação e assistência técnicaâ€, afirmou o governador ao
Congresso em Foco. Ele diz fazer sua parte ao entregar 80 kits de irrigação, construir poços de piscicultura e oferecer técnicos aos indÃgenas da reserva.
Apesar de manter crÃticas aos arrozeiros e à bancada de polÃticos que os apoiam, o coordenador do CIR entende que o diálogo está melhorando. “Fazemos o plano de gestãoâ€, explicou Wapichana. “O diálogo já está sendo feito.â€
Franklin Paulino, um lÃder local no Baixo Cotino, lembra as dificuldades e conta que mais de 40 cabeças de gado morreram só em abril. A seca ajuda a matar as reses. Ele admite que as técnicas agrÃcolas avançadas, dominadas pelos ex-proprietários, ainda não são dominadas pelos Ãndios. Faltou assistência aos indÃgenas.
Para o presidente da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos IndÃgenas, Padre Ton (PT-RO), a Funai falha na coordenação das polÃticas públicas nas reservas. “É um órgão ciumento: só ele entende de Ãndio. É muito fechado, foi muito corrupto no passado e conivente com problemasâ€, acusa o deputado, em entrevista ao
Congresso em Foco. O presidente da Comissão da Amazônia e integrante da bancada ruralista, Jerônimo Goergen (PP-RS), diz que pretende pedir a convocação de dirigentes da Funai, na próxima semana, em busca de esclarecimentos sobre o que ele viu na Raposa Serra do Sol. “Podemos abrir uma CPIâ€, disse ele.
Desde terça-feira (16), o
Congresso em Foco pede uma entrevista com representantes da Fundação Nacional do Ãndio para comentar as crÃticas feitas tanto por indÃgenas quanto por fazendeiros ao abandono da Reserva Raposa Serra do Sol. Mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.
* O repórter viajou a convite da Comissão da Amazônia da Câmara dos DeputadosFONTE: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/raposa-serra-do-sol-sofre-abandono-apos-quatro-anos/
Ãndios comemoram paz e pedem melhores condições
Para os moradores da reserva, trabalha-se para viver. Pedidos de melhoria são simples, como máquina para fazer farinha e energia elétrica constante
Eduardo Militão/Congresso em Foco
Para sobreviver, OtacÃlio Gustavo faz de tudo: planta hortaliças e vende até refrigerante
A reportagem do
Congresso em Foco visitou quatro vilarejos da reserva na segunda-feira (15), num percurso de cerca de 300 quilômetros apenas dentro da reserva. Num deles vive Maria de Jesus Galé, 34 anos. Tem oito filhos, que vivem num vilarejo com 11 famÃlias e 62 pessoas. Quando a reportagem chegou, ela e a filha preparavam farinha de mandioca em um panelão sempre cercado pelas crianças e por filhotes de porcos. Sobre as brasas, peixe e carne de caça eram assados numa cozinha comunitária. No varal, a carne salgada fica guardada para ser comida depois. Os brancos de Boa Vista consideram que os Ãndios estão em situação de miséria ou mesmo condições sub-humanas. Maria Galé afirma que não é nada disso. “Ninguém está passando situação difÃcil demais, não. A gente trabalha pra poder se alimentar. O mais difÃcil, negócio de sal e sabão, a gente vai comprar pra lá. Mas farinha a gente fazâ€, explica Maria Galé, sogra do twxawa – espécie de cacique – do local.
Na viagem pela Raposa, a reportagem cruzou com várias caminhonetes da Secretaria de Saúde IndÃgena (Sesai) do Ministério da Saúde. O trabalho é elogiado pelos Ãndios, que recebem vacinação na própria aldeia. Mas, para Maria Galé, é preciso obter obter máquinas para fazer a plantação de mandioca de forma mecanizada.
O que ela comemora é paz depois da demarcação é a paz. Maria Galé acusa os fazendeiros de, no auge dos conflitos, incendiarem as casas durante a madruga. E exibe a foto de um cunhado, que foi baleado nas muitas brigas envolvendo Ãndios e arrozeiros.
Hortaliças, bolo e refrigeranteNa comunidade da Vila Contão, OtacÃlio Gustavo, 49 anos, quatro filhos, reclama da infraestrutura do lugar. Pra sobreviver, ele faz de tudo: planta hortaliças no fundo de casa, vende sucos, bolos, refrigerante e salgados no vilarejo. Quando não é ambulante na Raposa Serra do Sol, vai pra Boa Vista trabalhar como pedreiro autônomo.
“Precisa de asfalto. E energia 24 horas. Porque a gente só vai trabalhar quando tem energiaâ€, afirmou seu OtacÃlio, em cima de sua motocicleta. Com ela, faz o trajeto Raposa-Boa Vista, uma distância de cerca de 200 quilômetros. Ele acabara de comprar pregos para fazer mais mesas e facilitar seu trabalho. OtacÃlio morou sete anos no norte do Mato Grosso, onde os brancos pagavam para explorar as terras indÃgenas. “Aqui, eles não davam um centavo pra genteâ€, afirmou.
No local onde antes funcionava a fazenda Providência, o próprio deputado Quartieiro destruiu as construções ele edificou em 20 anos de trabalho depois que soube que teria mesmo que sair da região. Mas o abandono não ficou restrito ao momento da retirada dos arrozeiros.
Ao lado de uma ponte queimada na região, encontramos um tamanduá morto. O cadáver do animal ainda fedia. Junto com ele, uma folha de papel recente com tinta de caneta azul indicava: “Te amo, beiby (sic)â€.
*O repórter viajou a convite da Comissão da Amazônia da CâmaraBriga de quase um século
Primeira demarcação ocorreu em 1917 e foi feita pelo governo do Amazonas. De lá para cá, brigas entre Ãndios e agricultores foram a tônica. No Brasil, são quase 900 mil Ãndios
A reserva indÃgena Raposa Serra do Sol teve sua primeira demarcação oficial feita em 1917 pelo governo do Amazonas, segundo o Instituto Sócio Ambiental (ISA). Mas idas e vindas entre o papel e a realidade só se concluÃram em 2009. Naquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF)
considerou legal da reserva feita em 2005, culminando com a expulsão de fazendeiros que cultivavam principalmente arroz irrigado na região. Os conflitos entre Ãndios e arrozeiros chegaram à troca de balas na Fazenda Depósito, do deputado Paulo César Quartieiro (DEM-RR).
Os Ãndios os acusam de mandar pistoleiro balearem dez moradores tradicionais. Já Márcio Junqueira afirma que ele e Quartieiro foram ameaçados com facões pelos caciques da região. Ao deixar o local, Quartieiro passou o trator por cima das edificações das fazendas Depósito e Providência. Outros agricultores expulsos receberam indenizações, mas só pelo valor das benfeitorias na faixa de R$ 200 mil. Algumas propriedades valiam R$ 5 milhões segundo avaliações feitas por corretores ouvidos pela reportagem.
Quase 900 milNo Brasil, há 896 mil Ãndios segundo o IBGE, representando 0,4% da população. De acordo coma Funai, 517 mil vivem em uma das 673 terras indÃgenas. As reservam ocupam 13% do território nacional: são 1,09 milhão de quilômetros quadrados. De acordo com a Frente Parlamentar de Apoio aos Povos IndÃgenas, há mais de 300 povos entre os Ãndios brasileiros.
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