Filosofia
Blame it on the cufflinks. Always on the cufflinks.*
Querida Sofia,
Cada vez que passam por uma porta, entram num elevador, saem de algum lugar, ele, cavalheiresco, abre-lhe a porta e mostra-lhe o caminho da maneira mais educada possível, que porventura, lhe lembrava apenas uma outra pessoa. Pouco importava se ela de sapatos rasos ou com saltos estivesse calçada, ele tinha um jeitinho para passar o braço de lado ou por cima do meu ombro sem nunca nela tocar. Ela nunca lhe sentiu o cheiro, parecia que havia desligado esse sentido – e talvez fosse melhor assim. Encontrariam-se com uma terceira pessoa, que muito tinha para lhes dar profissionalmente, mas nada em termos visuais. Atravessaram corredores e finalmente entraram numa sala exígua. Sentaram-se. Ela foi a última a chegar, fechou a porta. Sentou-se, pôs me perto do homem que tanto tinha para lhes dar profissionalmente mas nada em termos visuais, que com ele carregava um laptop para fazer uma apresentação. Ela abriu um caderno A4 numa página virgem, pôs a data por automatismo e posou a caneta Pilot para preparar-se para ouvir. Conversa agradável, fluída, mas poucos olhares partilhados com o colega da frente, o tal alto, cavalheiroso. Não havia grande coisa por apontar, mas ela lá encontrava algo. E lembrou-se da sua melhor qualidade, tão Francesa: ler na diagonal e rapidamente. Quem lê à mesma velocidade que ela consegue analisar uma pessoa da cabeça aos pés com um olhar furtivo. E foi o que fez. Olhou para ele. E que desastre. O cabelo perfeitamente gominé, a camisa passadíssima a ferro apesar de já nela estar há horas, botões de punho Paul Smith, um relógio triunfante, um cinto seguramente de qualidade, mas nada espampanante, sapatos bicudos, style cravate, do tipo italiano, perfeitamente brilhantes, meias escuras – oh God forbid men with white socks – calça jeans visto que era sexta-feira, e um cruzar de braços que mostrava o quanto eram divinamente moldados. Esse olhar durou um segundo. Virou-se de novo para o homem que muito tinha para lhe dar profissionalmente, mas nada em termos visuais.
O desejo, esse, era apenas um. Aliás, eram dois, mas nem tudo é para se escrever publicamente. Ela queria sair dali. Respirar. Voltar ao seu gabinete partilhado com outras (cinco) mulheres, no qual as conversas efeito sonifero sobre “vamos beber chá” e “compro uma saia por semana” afluiam. Não queria estar ali, lembrando-se de algo que viveu no passado, que (não) deu certo, que poderia ter evitado, porque... porque... porque... hormonas dentro de um shaker não são sempre necessárias em tais situações.
“Elite? Elite, queres trabalhar nisto comigo?”
Acordou. Olhou para ele, e disse-lhe um “claro” pouco convincente, tão pouco convincente quanto um “eu vou rasgar essa tua camisa agora” teria sido convincente. O homem que muito tinha para lhes dar profissionalmente,
mas nada visualmente prometeu enviar-lhes o material de trabalho para que o duo pudesse actuar e começar a trabalhar juntos.
E ela teve de prometer-se a si própria que a partir daquele momento, ela olharia para ele, Deus grego, como um irmão. Porque não se rasgam as camisas aos irmãos, pois não?
*A culpa é dos botões de punho. Sempre os botões de punho.
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