Quando o escritório vai ao Starbucks, é isto o que acontece...
Filosofia

Quando o escritório vai ao Starbucks, é isto o que acontece...


photo: pinterest
Querida Sofia, 
"Ele" tem começado a fazer parte do meu quotidiano. Não estou neste momento à procura de ninguém – pelo contrário, tenho o coração mais do que cheio -, mas ele tem feito parte dos meus dias. Todos os dias. E quem é ele? O barista – menino do caixa e/ou que faz os cafés – do Starbucks do meu escritório. Entro e ele cumprimenta com um “bem, aposto que vem aí um Caffe Latte com leite magro, n’est-ce pas?”. Digo “bom dia” com um sorriso corado, confirmo que não, não mudei de opção do dia para noite, que sempre hei de lhe pedir a mesma coisa. Sempre me propõe outras coisas: “mas não quer um fatia de bolo de chocolate? Um donut? Vá lá, só hoje? Não? Nem por mim?”. Deve vir com o mesmo discurso para cima de todas, mas não me importo. Numa cidade na qual ninguém se fala – eu inclusive -, na qual estamos todos sempre com os olhos para o chão, para o nosso smartphone ou para o nosso livro, faz bem ter alguém assim, sorridente. E depois, com ele, trabalha a barista americana da qual falei ontem, e os dois fazem um tandem que me ilumina, nem que seja por um minuto, todas as manhãs.
E as coisas têm mudado. Sorriso aqui, sorriso ali, dia após dia, ele tem adicionado uns “que gira hoje!” e quando me vou, já ouvi um par de vezes “mas volta ainda hoje?” ao qual respondo com um “passez une bonne journée”, e de novo, o meu sorriso corado. Hoje, o Sigmund Jaime – espero que tenhas registado a semana passada quem é – queria reunir-se comigo no escritório. Até aqui tudo bem, até porque queria vê-lo já há uma semana para avançarmos nos nossos projectos e o homem tinha ido de final de semana prolongado, de quinta a quarta – sem me avisar. Jurei-lhe, quando voltou na quarta-feira “Sigmund Jaime, sexta-feira, amarro-te numa cadeira se for necessário”. Não foi necessário. Apareceu-me aqui hoje de manhã e apenas pediu “Eli – já somos íntimos, ok? – dou-te toda a minha manhã se quiseres, mas podemos ir ao Starbucks? Trabalhamos ali”. Sem problema para mim, HELLO?! Se pudesse trabalharia ali o dia inteiro, apenas para não ouvir aqui a txurma do open-space que pia sem parar. Saímos dos headquarters do cálcio, atravessamos a estrada, e lá estavamos. E quem nos recebeu? Pois. À frente do meu chefe, lá estava O moço, com o sorriso dele, surpreso por me ver de novo enquanto tinha acabado de lá estar. Mas ao ver o meu chefe, ele deixou de sorrir e voltou ao seu ar profissional. Eu não pedi nada – dois cafés grandes por dia? No, thanks. O meu chefe “estou a convidar-te, Elite, escolhe algo, não queres café, pegas outra coisa, um sumo de laranja, um batido, não? Tens a certeza?”. Aquele triangulo que ali se instalou tornou-se a coisa mais constrangedora do mundo. O meu chefe como é giro, alto, galã de novela, quase que parecia que estavamos ali num date, e eu não queria que o barista pensasse que houvesse ali qualquer coisa, enquanto não há, caraças, não há, compreendes a mensagem telepática que te estou a enviar agora, nesta troca de olhares? Nem olhou para mim, apenas recebeu o dinheiro do Sigmund Jaime, disse para ele pegar as bebidas no fim da fila, que ele próprio faria. Pus o meu cartão magnético da empresa bem à mostra para dar-me um ar de “estamos em reunião” – não sei porque senti essa necessidade de me justificar perante alguém que só vejo dois minutos por dia, que não tem influência alguma na minha vida e com a qual não há intenção nem razão para um “ouh la la, Love is in the air”... mas por mais inexplicável que isto seja, não queria que ele me visse como alguém que não está disponível. Apenas isso. Acho eu. Bref. Sigmund Jaime e eu esperamos no final da fila, numa conversa ainda banal sobre a vida e o tempo. De seguida, ele pegou os seus dois cafés – confirmei, de novo, que não queria nada – e sentamo-nos para começar a falar sobre os dois projectos nos quais estamos a trabalhar neste momento. Gostou de tudo o que fiz na ausência dele – thank the Lord and praise the Hallelujah – definimos outros parametros, pedi-lhe que não voltasse a ir embora sem me avisar – c’mon, não sou tua mulher, mas quero saber quando não estás aqui, sim, compreendo, queria dizer-te, mas esqueci-me, mas mesmo quando não estou aqui, podes ligar para mim ou enviar-me um mail, respondo-te na hora, sim dei conta, mas pronto, e então Elite, não vais de férias agora em Agosto, não, vou quando começares a dar-me mais trabalho, okay é justo, uero uero. De repente, ele inventou a pólvora, teve uma idéia ao estilo Eureka! e precisava escrevê-la na hora, mas a gente não temos esferográficas apenas iPads então eu não tinhamos nada para fazer um apontamento rápido. Numa boa, levantou-se e foi ter com... ya... O barista. E, não sei como isso aconteceu, entraram ali numa conversa de amigos de longa data – tipo – e o moço que olhava para mim, sorrateiramente, com um “quem é este homem para ti?” que apenas existia na minha cabeça. O chefe voltou, escrevemos umas coisinhas e fizemos uns desenhos muito highbrow e, findada a reuniãozinha impromtu, determinamos que podiamos pisgar-nos, devolvemos a caneta ao barista, o meu chefe recebeu um sorriso e um “sempre à sua disposição”, e eu, nem sorriso nem nada, apenas um olhar de “não falo mais contigo” e saímos dali. Agora não sei o que vai acontecer, no fundo, pouco me importa – ao ponto de escrever uma carta deste tamanho sobre o assunto, cof cof -, mas temos agora um final de semana para o menino ter amnésia e voltar a ser simpático comigo na segunda de manhã ou para ver se me vai dar the cold-shoulder até os finais dos meus dias neste escritório. Mas agora, fala sério, se ter um namorado possessivo já é coisa do demónio, ter um barista possessivo, que controla os meus teores de caféina diários só pode ser pior.
  
To be continued...



loading...

- Goodbye, France! - Why?
Querida Sofia, Demorei bastante tempo a aceitar o que me estava a acontecer. Pensei que tinha falhado e que era culpa minha. Hoje fui almoçar com uma amiga, que disse que leu um artigo no Le Monde, e enquanto ela falava sobre o tal artigo, pensei...

- 25 Anos Menos 1 Dia
Querida Sofia, Sai ontem à noite. Como todas as noites depois do trabalho. Depois de cinco anos com a vontade de lá ir, finalmente entrei no Regine's, um club bem mítico e escondido de Paris. Dancei, fiquei-me por um copo de...

- My Life Is Brilliant And My Love Is Pure.
encontrado em pinterest.com Querida Sofia, Gosto da minha vida neste momento. Gosto da disciplina que me confere. Gosto do facto de acordar todos os dias antes do meu despertador, algures entre as 6 e 15 e 6 e 45 da manhã. Gosto do meu primeiro...

- Self-conscious Ou (quando) A Ignorância é Atrevida
source:  www.officemuseum.com Querida Sofia, A Clementine Tangerina tirou-me as palavras da boca e acabou de escrever: "Há alturas que dava tudo para perder a boa educação que tenho, e colocar os pontos nos "i" com determinadas pessoas....

- Notícias Breves Do Mundo Corporate
source: http://pinterest.com/pin/61474480/Querida Sofia, Well, depois de dez dias como D.Girl, pequena resenha sobre o trabalho: - estou a gostar, mas ainda não tenho muito trabalho e os escritórios estão vazios. Férias, férias, férias, acho que...



Filosofia








.