Self-conscious ou (quando) a ignorância é atrevida
Filosofia

Self-conscious ou (quando) a ignorância é atrevida


source:  www.officemuseum.com


Querida Sofia, 
A Clementine Tangerina tirou-me as palavras da boca e acabou de escrever: "Há alturas que dava tudo para perder a boa educação que tenho, e colocar os pontos nos "i" com determinadas pessoas. Mas depois o bom senso fala mais alto, e coloco na balança os prós e contras e acabo por engolir em seco. Mas um dia tudo vai mudar... ", que corresponde perfeitamente à carta que te quero agora enviar. 


A palavra perfeita para descrever o que sinto quanto a isto é o adjectivo self-conscious, que exprime timidez, vergonha, medo de incomodar ao fazer alguma coisa. Eu sou muito self-conscious quanto ao facto de falar inglês no trabalho em França. Custa-me admitir aqui na empresa, mas falo bem, quase como respiro – já agora, lembro-me que tenho de explicar porque coloco quase todos os títulos de cartas em inglês... – e os franceses, em geral, por melhor que compreendam, percebam, escrevam inglês, têm quase sempre um sotaque de fazer chorar a calçada. E há por aqui um desporto nacional que é 1/odiar o seu sotaque frenchie 2/odiar os que não têm sotaque frenchie (ou qualquer outro). Como consequência disso, em três semanas, ainda aqui ninguém me ouviu a falar inglês. O chefe Sigmund Jaime (hahahaha) sabe que falo, perguntou-me no outro dia “incomoda-te trabalhar em francês? Se quiseres passamos ao inglês, se te sentires mais à vontade” que me surpreendeu, mas disse-lhe que francês, apesar dos pesares, continua a ser a minha primeira língua, então continuamos à l’aise.
Já tive a ocasião de ouvir as cinco meninas que partilham este meu pedaço de open-space comigo falar inglês. Falam bem, nada a dizer contra isso, mas repito, o sotaque francês, tal como o italiano e o espanhol, cola na pele ou na língua – escolhe – e a culpa não é delas. Sinceramente, para falar outros idiomas, digam o que disserem, ter como base o Português é uma benção dos céus. Bom, dito isto, explico já já a situação banana drama roda a baiana. Uma colega (vamos chamá-la de #1) virou-se para mim e para a colega (#2) que está à minha frente e perguntou, se numa frase que tinha de enviar num mail, ela tinha de usar um “could” ou não, sabendo que ela queria dar um tom afirmativo e directo ao seu discurso. A colega à minha frente (#2) disse-lhe que sim. Hesitei a responder, mas disse que não utilizaria “could” naquela circunstância, que ela (#1) não tinha de pedir hipotéticos favores, tinha de ir straight to the point (mas disse esta expressão em francês, pelos motivos explicados acima). Colega #2, com um ar de nojo deferência bem à francesa, vira-se para mim: “Elite, não sei bem qual o teu nível de inglês, pois nunca te ouvi a falar, mas eu colocaria o “could””. 

Pára tudo. 
Momento Inception

O mundo parou. O pião girava. As minhas colegas a olhar para mim, sem se mexer, congeladas, noutra dimensão. Olhei para a colega #2 nos olhos: “A minha irmã é que tem razão quando diz que a ignorância é atrevida. Que foste tu fazer? Ando aqui há semanas, a poupar-te de um trauma, a tentar não parecer pedante, e és pedante comigo pela minha discrição quanto a este assunto. Nunca na vida olhes para mim assim de novo. Porque temos duas soluções, respondo-te agora inglês, ao estilo ghetto, e não me vais compreender ou levanto-me, dou-te uma chapada enquanto estás congelada, volto ao meu lugar e só vais sentir a dor quando acordares deste sonho e nem vais saber porque tens a marca de uma bruta mão de africana sem modos na tua cara”. 

Respirei fundo, momento Inception caiu, o pião desapareceu, as minhas colegas descongelaram e voltaram a mexer-se. Disse às duas “não, a #2 tem razão, põe o “could”” e voltei aos meus assuntos. Este tipo de situações só mostra três coisas: 1/absorver o trauma dos outros é lixado, 2/a ignorância e o pedantismo são sempre atrevidos e 3/eu sou ou a)madura e educada até dizer chega ao invés ficar aqui a atirar coisas às caras das pessoas, ao ponto de me anular ou b)uma pentelha incrivelmente burra que se deixa facilmente pisar.



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