Goodbye, France! - Why?
Filosofia

Goodbye, France! - Why?


Querida Sofia, 
Demorei bastante tempo a aceitar o que me estava a acontecer. Pensei que tinha falhado e que era culpa minha. Hoje fui almoçar com uma amiga, que disse que leu um artigo no Le Monde, e enquanto ela falava sobre o tal artigo, pensei que ela estava a contar a minha própria vida.

Um pouco de contexto?
No dia 31 de Maio de 2011, saiu uma circular - Circulaire Guéant - aqui em França para reduzir drasticamente o número de estudantes estrangeiros no país. O grande problema é que este país (também) está em crise. E os récem-diplomados sem emprego são muitos. E é preciso controlar a emigração. E quem padeceu do corte? 

Sempre tive problemas na prefeitura e nunca escondi. Ir renovar os meus papéis sempre foi um (O) tormento bastante traumatizante. Mas no final, sempre conseguia ter um papel, depois de insistir muito. E muito choro. Desta vez, foi diferente. Em Junho, fui convidada, por correio, a deixar a França. Comecei a tremer quando recebi essa carta e contactei logo um advogado de i/emigração. Ele assegurou-me que tinham cometido um erro administrativo comigo porque eu tinha um percurso exemplar - boas notas, boas escolas, bons estágios, boas referências - e não era uma delinquente. "Claro que vais poder ficar", dizia ele, e eu confiei. Dei-lhe toda a minha poupança e esperei.


Fui a tribunal dois dias depois do meu aniversario, defendendo o meu caso durante uma hora - como uma criminosa - frente a um juiz alto, magro, loiro de olhos azuis. Eu tinha a certeza que ia conseguir ganhar o meu recurso e obter os meus papéis de novo. O meu antigo chefe, o Sigmund Jaime apoiou-me imenso e senti-me numa nuvem de positivismo e confiança.

Alguns dias depois, chegou a resposta: "Pedido de recurso recusado". Recebi essa resposta por telefone, um dia no escritório. Não reagi rapidamente, mas de seguida, não conseguia parar de tremer. E a partir desse dia (ou talvez alguns dias antes), deixei de conseguir chorar. E foi ai que escrevi um artigo aqui no blog a falar de como reagir e lidar com mais um não. Agradeço a quem me tenha dito na época que "vais vencer isso, não ha de ser nada", mas porra, não conheço muita gente que tenha sido feliz por ser expulso à força do país onde morou nos passados dez anos. Nunca cometi crime nenhum, sempre fiz a minha vida sem chatear ninguém, sempre pensei que teria o(s) meu(s) sucesso(s) aqui...


De repente, abriu-se mais uma porta. Disseram-me que se obtivesse ou prolongasse um contrato de trabalho de mais de seis meses, a prefeitura iria rever o meu caso e eu poderia ficar. Estavamos em Outubro e eu tinha dois meses até o final do meu contrato nos headquarters do cálcio para conseguir encontrar algo. E aconteceu, passei entrevistas para uma equipa da empresa que era fantástica, para a qual todo o mundo queria trabalhar. De novo, o meu chefe deu-me toda a força (ele so não podia prolongar o meu contrato, senão teria-me guardado ele), e estava tudo a correr bem


Ao mesmo tempo que eu, uma das matracas que se sentava ao meu lado no escritório era Russa e estava a passar o mesmo que eu. Precisava de um contrato para ficar ou também seria expulsa. E rapidamente, ela obteve um contrato incrível. Dos headquarters do cálcio, tudo o que eu queria para mim e ela para ela. E sabes o que aconteceu? A prefeitura recusou. Quando ela me disse isso, comecei a rir. Pensava que era uma piada. Não era.

Assim como para os Judeus em França (e resto da Europa) em 1938-1940 - sim, ESTOU a comparar estas duas situações e com fundamento - a tal nova circular não permite a estudantes não comunitários a aceder a um primeiro emprego no território francês. Até andam a recusar vistos de permanência para quem ainda não terminou os estudos ou precisa de apenas mais seis ou doze meses para completar um estagio. Isto é ridículo. Mas tornou-se a nossa vida. Somos as novas persona non grata. E nem é por não termos recursos, é porque não querem de nos. A França tornou-se no nosso namorado que nos deixa e rejeita sem compreendermos bem porquê. 


Confesso que não tinha tomado conhecimento dessa parte da circular. A minha colega também não. A prefeitura rasgou-lhe o contrato e os sonhos depois de uma longa espera e um frio "volte para o seu país". Ela estava devastada e não durou uma semana até eu saber que o meu contrato também não seria aceite. O meu advogado disse "mas vamos lutar, podemos voltar ao tribunal". Mandei-o à fava, que ele só podia estar a querer dinheiro para irmos de novo lutar contra uma lei que não tem volta. 


As pessoas à minha volta, Franceses e Europeus que não têm esse tipo de problemas nem nunca vão ter dizem "tens de lutar, Elite, não baixes os braços" e eu só quero mandar todo o mundo para a vaca que os pariu. Acho absolutamente inconcebível depois de dez anos aqui, ser tratada como um cão (ou abaixo de cão... porque pelos vistos, não andam a expulsar animais) por um país que eu já considerava o meu. Guess what? pela primeira vez em dez anos, senti o que era discriminação. Nunca tinha sentido isso antes, apesar das idas à prefeitura nunca serem um oásis, mas nada se compara.


Então, ao sair da Danone - de novo, nem chorei, entrei na fase do "quero la saber disto", - comecei a procurar novas opções, como ir para a Bélgica, que é um país que gosto muito e que é mais acolhedor para com estrangeiros. Isto foi na primeira semana de Janeiro. Até que adoeci e fiquei seis dias de cama com uma gripe que me impediu de andar durante pelo menos os três primeiros dias. E lembro-me que acordei um dia, com o cérebro a sair-me pelo nariz (hahaha, you know what this means), e sentei-me na cama, respirando pela boca e perguntei-me, sinceramente, who the fuck am I kidding with?

Quero dizer com isto que estou cansada de ter de morar num país no qual tenho de pedir a permissão para ficar. Quero construir uma casa num sítio que queira de mim. E só ha UM país neste mundo capaz disso. Angola.
Nunca fui muito ligada a Angola - sou uma "boa" Angolana, se falares mal do meu país, eu mordo, mas nunca quis la morar. Porquê? "I am French!"... Guess what? "No, you are not and we gladly invite you to fuck off".

Então, na segunda semana de Janeiro enviei um mail aos meus pais a explicar o que me tinha acontecido e que ia voltar para casa. A Verdadeira Casa. Como nas relações, muitas vezes dizem-nos: "fica com quem te ama e não com quem tu amas". E eu vou ficar com Angola. Não quero mais tentar outro país. Estou cansada, tão cansada.

Com este novo projecto - the homecoming - depois de passar por várias etapas no meu coração, entre a humilhação, a frustração, a tristeza, o sentimento de injustiça à vontade de morrer (but let's not dwell on it), comecei a ver as coisas de outra maneira.

Sempre achei que tinha tudo aqui: poderia ter um salariozinho bom, uma vida anonima, conseguir as coisas sem a ajuda dos meus pais, andar a pé, viver sem poeira e ser feliz.

Em Angola, as coisas não funcionam bem assim. Não sou anonima, não ando a pé, não se faz nada sem ter contactos (o factor C). 


Bons lados, NUNCA mais vou ter de pedir permissão para la viver (apenas terei de pedir vistos para sair, mas quando tiver um emprego, isso é o de menos), e os salários são mirabolantes (google it com o estômago vazio). Angola é neste momento uma terra de oportunidades para os Angolanos e para os estrangeiros (da última vez que verifiquei, haviam 92 000 Portugueses em Angola a trabalhar, se não estou errada) e como disse um amigo meu agora no Facebook, "mais vale chegar à festa do crescimento AGORA do que chegar aqui muito tarde". E ele tem razão. I AM GOING TO MAKE THE MOST OF THIS!

Ja recebi algumas propostas de trabalho milionárias - todo o mundo quer pessoas com o meu cv - - e sim, a arrogância básica voltou, mas por favor, deixa-me saborear isto depois de tanta dor - , ja vou devolver o meu apartamento dentro de algumas semanas e em Março estou de novo na terra mãe. 

E a última coisa (e mais importante) que eu precisava chegou: a reacção dos meus pais. Estão tão felizes e entusiasmados com o meu regresso - e tu sabes o quanto eu preciso que a minha mãe esteja minimamente feliz comigo -, sinto os braços deles e da minha família abertos, já não vou passar mais UM NATAL SOZINHA na vida e por isso agora consigo dizer com todo o gosto... "GOODBYE FRANCE!". 
As pessoas dizem, "Go big or go home"... well...


I am going (back) home 
and I am going (very) big.




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