Filosofia

Quem nunca viveu uma história assim que me atire a primeira gillette para a mão!

Querida Sofia,

Acredito que o texto que segue abaixo mude completamente a visão que tens de mim. Isto é, se tens alguma visão já predefinida de quem eu sou, de onde vou... yada, yada, yada.

Sexta-feira à noite, 17H45, Paris.

Tenho uma mochila para o laptop. Como o meu objecto lindo é a prioridade na minha vida, ele condiciona a quantidade de roupa que se leva numa viagem. Dois vestidos, duas cuecas (sim, eu disse C U E C A), escova de dentes e o laptop. Tudo a postos para ir embora. Nem carregador de telefone levava (claro, apenas dei-me conta disto em Lisboa). Apaguei as luzes de casa, fechei as janelas, calças jeans vestidas, mochila às costas, Dior na mão, fui para o aeroporto. Uma verdadeira estudante!

Sexta-feira à noite, 18H30, Paris, dentro do expresso que vai até o aeroporto

Numa troca de SMS mesmo rápida e inesperada, descobri que afinal os planos que eu tinha feito tinham mudado. Já nao ia sair do aeroporto com a mochila às costas, entrar num táxi para ir ter com a minha melhor amiga. Não. Mouro na costa! A quem perguntei "queres tomar um copo hoje a noite comigo em Lisboa?" que se transformou numa resposta da parte dele do tipo "vou buscar-te ao aeroporto".

Aí, amiga, vi o sol bailar. Well, sol nem por isso, que em Paris o sol anda tímido, mas vi a minha vida andar para trás. Pronto, já digo porquê, sem pudores, como boa menina solteira nesta vida, andei a deixar a depilação no mínimo aceitável pela sociedade. Nada de florestas amazónicas nas axilas mas o resto... epa é aquela coisa, é inverno, e tal e tal (sim, estou a esconder-me... alias, escondi-me de mim mesma naquele preciso momento, dentro do expresso...).

Sexta-feira à noite, 22h00, Lisboa.

Aterrei e já estava a dois dedos de sair do aeroporto para ir ter com ele. Ligo para a minha amiga - sim, aquela que devia hospedar-me - aos apuros "estou a chegar à tua casa, 'ele' é que me vai levar". Amiga que é (mesmo) amiga responde assim "ele está contigo? olha, vens à minha casa, eu dou-te as minhas chaves e vais à tua vida, não te prendo aqui" (é por isso que te amo, mana...).

Sexta-feira à noite, 22h05, Lisboa.

Vejo o carro dele. Abro a porta de trás, e atiro a minha mochila. Fecho a porta da traseira, e abro a da frente. Sento-me, dou-lhe dois beijinhos e sorrio. Ele cheira que é um encanto, estava vestido como um estrela de cinema meio rock star so fresh and so clean, e devolveu o sorriso. Eu a pensar "estou peluda, estou peluda, estou peluda, aiiii meu Deus, é hoje que morro".

Sexta-feira à noite, 22H20, Lisboa.

Cheguei à casa da minha amiga sem dificuldades. Saí do carro dizendo "já volto". Corri até à porta, toquei no interfone, fiz a careta da praxe porque sabia que a minha amiga olharia pela camera de segurança. Subi as escadas a correr e assim que ela abriu a porta, atirei-me aos braços dela com o abraço da vida, da saudade, do amor, da amizade e disse-lhe num murmuro, como se não estivessemos sozinhas "mana, diz-me que tens uma gillette para mim". Ela riu-se "não tenho não. Mas acabei de comprar creme depilatório, queres?". Aceitei e agradeci a iluminação dela por ter comprado tal produto. Senão estaria na castidade forçada para o resto da noite. Peguei as chaves, ela gritou-me um "até amanhã", desci as escadas a correr, escondi como pude o tubo de creme no meu saco e sorri amarelo.

Sexta-feira à noite, 23H, Lisboa.

Ele na cozinha a fazer-me/nos o jantar. Enfiei-me na casa de banho dele para começar a ficar apresentável. Aquele ar de jovem estudante em Erasmus não estava com nada. Entrei na banheira e comecei a passar o creme pelas zonas "atenção : Perigo de Minas !" no meu corpo. E aí lembrei-me que eu não gosto de usar essa porra de cremes depilatórios. A publicidade diz "cinco minutos e já está" mas quinze minutos depois da aplicação, ainda lá estás e o pêlo agarradíssimo ao teu corpo. Fiquei numa posição aqui inexplicável enquanto aquilo agia por quase vinte minutos. Ouvi-o a desligar tudo na cozinha. Acho que eu quis começar a chorar (not). Isso de andarmos peludas para termos a certeza que não vamos cair nos braços de qualquer um é o maior dos azares, porque quando mulher QUER algo, mulher PODE. Lembras-te da Robyn de "How I met your mother" a depilar-se na casa de banho de um restaurante, visto que ela queria forçar-se a não dormir com o seu date, e não aguentou? Pois, lixou-se, mas não é so nos filmes que essas desgraças femininas acontecem.

Passando.

Finalmente o creme agiu, tirei aquilo tudo com vigor, tomei o banho mais caprichado ever, soltei o cabelo e pûs o vestido mais bonito que tinha no saco. Ao abrir a porta da casa de banho, ele veio ter comigo. Li nos olhos dele o desejo que eu transbordava pelos meus poros. Ele bebeu um gole do seu vinho e disse "anda, vamos comer". E eu fui.

FIM

E o melhor? ter a minha amiga Mel a quem aconteceu...
exactamente o mesmo este final de semana.

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