Filosofia

A culpa é daquela gaja

Querida Sofia,

O meu irmão mais novo nasceu quando morávamos em Lisboa. O meu pai tinha dado de frosques há meses, e como fez com cada filho que lhe nasceu, aparecia apenas quando a criança já andava. A minha mãe tinha pedido à melhor amiga da época que a fosse ajudar a cuidar de nós (uma porrada de filhos) e do novo bebé. Acho que essa escolha foi o erro da vida da minha mãe. Lembro-me que a amiga dela apoderou-se da casa, com modos e vícios apenas dela e deveras estranhos. Tinha deixado a filha em Luanda e sempre me comparava a ela com coisas construtivas do tipo “a minha filha tem o cabelo assim, a minha filha come isto assim, a minha filha e eu X e Y”.

Quando o meu irmão nasceu, eu tinha apenas 8 anos. Mesmo quando ele estava na barriga, estava obcecada e desejosa por ver aquela bolinha. Quando nasceu, passava horas apenas a olhar para ele. Isso acontecia dia e noite nos finais de semana ou assim que eu chegasse da escola. O problema é que a amiga da minha mãe era mesmo do mal, com pensamentos negativos, descabidos e ligeiramente mórbidos. Sempre que me via a olhar para o meu irmão, dizia-me “estas a lançar feitiço ao teu irmão, querias continuar a ser a mais nova, tu tens é inveja”. Assim que me aproximava do berço, ela dizia logo à minha mãe “olha a tua filha, está com inveja” e companhia. A verdade é que para deixar de ouvir essas coisas, afastei-me daquele bebé. E ao afastar-me, a minha mãe confirmou, no imaginário dela, que no fundo, eu não gostava do meu irmão. Aquela situação completamente estapafúrdia fez com que passasse a detestar crianças. A não querer ter as minhas se ainda por cima é para por palavras nas acções mais inocentes. Então, por silogismo, se não quero ter filhos, é por causa daquela gaja ex-pseudo-melhor amiga da minha mãe.

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