Todo sobre mi madre.
Filosofia

Todo sobre mi madre.


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Emmanuelle Alt (Vogue Paris) e filha nas Tuileries


Querida Sofia, 

Passei (um)a vida inteira com a certeza (errada) que a minha mãe não gostava assim muito de mim. Lembro-me de ter sido, até os meus três anos, o xódó dela e as fotografias são testemunha. Era uma criança alta, magríssima, com ar de doente, olheiras, muito pálida (já disse com ar de doente), mas sempre sempre ali colada à minha mãe, a dar-lhe a mão ou no colo dela. Tem uma foto na qual estamos as duas vestidas de branco, eu com uma pena no cabelo e ela de batom vermelho e sabrinas vermelhas. Eu nos braços dela. Quando revi essa foto, há uns cinco anos, achei logo “caramba, que fomos feitas uma para a outra”. Mas esses abraços e momentos pararam um dia. Não sei quando, mas pararam. E a partir daí, tive a certeza que tinha feito algo que lhe tinha dado um grande desgosto e que ela tinha deixado de gostar de mim. Ela, que tinha sido uma housewive desde que tinha tido a minha irmã mais velha, voltou ao mundo dos estudos e do trabalho. Tinha menos tempo para nós e até, vê lá, teve o meu irmão mais novo entretanto. Atenção na menina Elite: zero.

A minha mãe tem mania da organização (havemos de falar sobre isso quando eu falar da minha mania oposta) e lembro-me que só vinha falar comigo para dizer “arruma o teu quarto”. Algo em mim sentia tremendo gozo nisso. Ela tinha prestado atenção em mim!
Bom, já falei muitas vezes da minha mãe neste blog, e nem sempre a luz e o meu ponto de vista foram os melhores. Não critico a minha mãe (I do), mas acho que não nos compreendemos, nunca nos havemos de compreender e vai ser assim a vida toda. Mas não há outra pessoa (aliás, havia, mas já morreu) que me faça querer chorar tanto quando me chama, raramente, de filhota. Quando atendo o telefone e ela cumprimenta com um “então, filhota, estás boa?” acho que algo no meu coração vai daqui até Luanda e sinto-me feliz, mesmo que depois, no meio da conversa, venha um raspanete.

Passei muitos anos, no meio do “esta mulher não me ama” a tentar ser exactamente como ela. Sempre me entristeceu (até hoje) ver que tenho duas primas direitas que são a cara chapada dela e eu não. Puxo mais para o lado do meu pai, sorry dad, mas gostaria de ser mais parecida com ela. A única coisa que Deus nos deu em comum foi o corpo (quase exactamente o mesmo), o facto de sermos ambas as piores fisionomistas deste planeta (o que nos faz cruzar pessoas que conhecemos, mas não nos lembrarmos delas, não cumprimentarmos e passarmos por arrogantes: é infeliz, mas é a verdade). De resto, foi tudo conquistado. A minha mãe passou anos a dar aulas e aprecia a excelência. Então sempre tentei ser excelente. A melhor aluna, e se não fosse a melhor aluna, uma das melhores. Hoje – ela está a tirar um mestrado – quando me liga para contar as notas dela, sempre digo “és como a tua filha!”. Coisas nossas.

Outra coisa que conquistei, não sei exactamente quando, foi a maneira de vestir. Bom, a minha mãe, se pudesse, colocaria mais centímetros a todos os meus vestidos, mas ela sempre teve um estilo impecável, sempre cuidou da roupa como se fosse um tesouro – euh... oops, not me... – sempre foi poupada – oops again... -, mas quando escolhe algo, tem de ser “perfeito”. Sinceramente, seria pessoa de lhe chegar ao armário e roubar tudo, e como não posso – 7 000 kms entre o meu armário e o dela – acho que tudo o que compro tem uma “mãe da Elite” touch. Por isso, fazer compras para ela foi fácil. Tudo o que escolhi, teria vestido eu própria. Já agora, ela gostou de tudo. Pelo menos foi o que me disse ao telefone. Se não gostou de algo, pelo menos poupou-me o coração.

Há alguns meses, entrei num transtorno tremendo que muito me abateu (a alma e engordou o corpo) e causou alguns problemas familiares, no qual eu tinha de deixar Paris e voltar a Luanda quase sem piscar o olho. Senti uma pressão tão grande, que durou muitos meses, e prometi à minha mãe que pronto, voltaria para casa assim que recebesse as notas de mestrado. E isso afectou-me bastante – levando até à depressão – nos últimos nove meses de estudo. E quando, em Abril, fui fazer a entrevista numa outra empresa (na qual fui aceite, mas não pude aceitar) e depois na líder mundial dos iogurtes, comida de bebés, comida para hospitais e águas engarrafadas (hahahahahahaha), não consegui ficar feliz, tremia imenso, de medo de dizer à minha mãe “olha, não é por agora”. Desde Abril, Sofia. Foram três meses a perguntar-me se estava a tomar a boa decisão e como havia de lhe dizer. Sofri muito e as pessoas não compreendiam porque não consegui ficar feliz quando disseram “escolhemos-te a ti”. Fiquei feliz, claro, mas a felicidade trouxe uma tristeza que nunca tinha visto em mim. Tinha a certeza que ela deixaria de falar comigo, e, quem sabe, de gostar de mim (w...t..f...). E foi o que fez com que, durante três meses, enquanto resolvia o assina hoje não assina hoje do contrato, não disse nada a ninguém. Sou de gritar tudo aos quatro ventos, mas guardei esta informação para mim, porque no fundo, enquanto eu não falasse com a minha mãe, que é a pessoa mais importante da minha vida, não falaria com mais ninguém.

Lembro-me, em Maio, ter finalmente tido a coragem de lhe ligar para contar, mas ela estava doente então adiei de novo, a verdade. Essa expressão "é" do meu pai. “Adiar a verdade”. Corresponde-lhe. A mim também. Bref.
O tempo passou, o mestrado acabou e liguei para ela. “mãe, passeiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!”. Ela, blunt como sempre “eu já sabia que passarias, que surpresa... e agora, vais fazer o quê?”. Não sei o que aconteceu, mas acho que lhe disse “já te ligo” e não liguei de novo, cheia de medo.
Outro dia, liguei-lhe a dizer, no auge da minha inteligência "tenho algo para te contar, mas não vai ser hoje". Ela respondeu, com razão "se é assim, não dizias nada". Tenho com cada uma... valha-me Deus.

Final de Junho, fui assinar o contrato, com este peso de três meses na alma, e na rua, liguei para ela, ela respondeu “liga mais tarde, vou agora para um exame”, e adiei, pela milésima vez, A verdade. Mas prometi que não passaria daquele dia.
Falamos poucas horas depois e contei-lhe tudo. A tremer. Resposta “Oh, filhota, que orgulho em ti, fico muito feliz! Vou rezar pelos teus sucessos, sempre!”.

Come again?

Acho que chorei, olhei para o visor do telefone para ter a certeza que era o nome dela que estava ali escrito com os segundos a contar, perguntei um “mãe, is this you?” porque não acreditava que tinha passado três meses auto-encostada à parede, com a navalha na minha própria mão contra o meu pescoço criando um drama mexicano que só existia na minha cabeça.

Passei anos à procura de aceitação (sobretudo de mulheres mais velhas que eu) porque sentia que não podia tê-la da minha mãe. Hoje, ninguém mais importa. A minha mãe tem orgulho em mim, está feliz por mim e... até me chamou de filhota.




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