Querida Sofia,
Pelo teor das cartas que te envio, sabes que não sou de criticar (frequentemente e) publicamente alguém, sobretudo sem razão para isso. Que seja alguém que eu conheça pessoalmente ou não (como actores ou bloggers & Cia). Mas aconteceu que uma pessoa que entrou recentemente na minha vida passou completamente as estribeiras de qualquer classe e recato que eu possa ter quanto a respeitar esses valores meus.
Há alguns meses atrás decidi pôr o quarto da minha casa para alugar. A primeira menina que aqui ficou foi O AMOR EM PESSOA, até hoje amo-a de perdição. Ficou cá cinco semanas e foi de seguida para Londres, com grande pena minha. Até quando fui a NY, dei-lhe as chaves da minha casa e ela cuidou de tudo na perfeição. Ela indo embora, pensei em pôr um anúncio algures na net para repetir a experiência com outra menina.
Aconteceu que uma conhecida minha Alemã, com quem entendia-me mesmo bem, tinha acabado de ser "expulsa" do sítio onde estava. E claro, precisava de um lugar onde ficar por mais um mês. Não pensei duas vezes e propûs-lhe o quarto. Falamos de preços e datas, e tudo estava certo. Davamo-nos tão bem que senti que tudo iria correr bem, como com a primeira roommate.
Engano meu.
I
As coisas começaram a correr mal desde o primeiro dia. Ela vinha com as malas de roupa da antiga casa e ligou-me. Não atendi porque o telefone estava no silêncio e eu estava a estudar. Quando ela chegou a minha casa, estava furiosa.
Ela: "Podias ter atendido o telefone, não?".
Euh... why?
Ela: "Estava com esta roupa toda, sozinha, e ninguém para me ajudar. Ninguém merece!". Dei-me logo conta que afinal, a menina era uma mimalhas. Que quem tinha trazido a roupa toda directa da Alemanha tinha sido o padrasto, de carro.
Mas pouco importa. Primeiro, poderia apenas ter perguntado onde eu estava ou o que estava a fazer para não atender. E depois, eu não tinha, no fundo, obrigação alguma em ajudá-la a carregar quatro malas de roupa. E essa atitudezinha arrogante continuou ao longo das semanas com muitas perguntas e pedidos que não vinham com um "please" nem um "thank you", mas um tonzinho muito armado que me fez querer dar-lhe uma boa surra por vezes.
II
Ela era a desarrumação em pessoa. Isso é daquelas coisas que não podes saber até morar com quem quer que seja. Amiga, namorado, mesma história. Mas eu - mesmo quando era über desarrumada aos 15, 16 anos - alguma vez vi isto. Dei-lhe prateleiras para arrumar a roupa mas o armário dela era o chão (ver foto abaixo). Atirava as coisas por ali, tudo ao molho e fé em Deus. Quando comia no quarto, deixava os pratos no meio da roupa. Jesus Maria José, que nojo. Mas não precisando eu de morar no quarto dela, no fundo, ela ali no seu cantinho podia fazer o que queria.
Pior era na cozinha. Quando preparava um pão, deixava as gavetas dos talheres abertas, migalhas por cima do fogão (santo Deus), punha o lixo orgânico no lixo por reciclar (detesto isso), etc.
III
Lavar a loiça. Três palavras tão simples, uma acção apaixonante que ela parecia não conhecer. Da loiça pernoitar tanto tempo no quarto dela, a comida colava e eram preciso uma boa meia-hora de imersão na água para começar a resolver o assunto. Um dia passei 24 horas fora de casa e quando voltei, deu-me uma coisinha má por ver aquela montanha de loiça DURA por lavar.
IV
Barulho. Pela meia-noite, era ouví-la a falar alto ao telefone. Tão alto mas tão alto que aquilo poderia acordar qualquer vizinho. De manhã, ela saía cedíssimo e fazia um barulho infernal. O bater com portas, sobretudo a do frigorífico, é um sonho para acordar, estás de acordo?Sentia-me aliviada quando ela estava nas aulas e eu ficava tranquila. Pelo menos, sem ela.
V
Ela era uma anti-social de primeira. Detestava mesmo as pessoas. Quando via uma amiga aqui em casa, olhava de lado e mal dizia boa noite. E na escola, fez novas "amizades" mas ao chegar a casa, criticava todo o mundo dos pés, à cabeça. Tudo era razão de criticar, desde a aparência física, aos namorados, às conversas, ao que comiam. TUDO TUDO TUDO. Não sei como ela (e outras pessoas que cá sei) conseguem viver criticando todo o mundo. Eu estou aqui a contar-te tudo isto, criticando-a com veemência e estou a sentir um nojo incrível deste discurso todo. Mas tenho de despejar isto tudo para fechar o assunto de uma vez por todas.
VI
Tinha 21 anos (apenas 18 meses a menos que eu) mas tinha toda a roupa com motivos da Disney e do Sponge Bob. Até tinha uma lancheira para ir para a escola com o Mickey.
Pelo amor de Deus, sei que cada um faz o que quiser da sua vida (eu posso ser criticada por gostar de marcas caras, fazer o quê), mas isso dava-me vontade de lhe gritar por essa e outras razões : "GROW UP".
Típico de menina que sempre viveu com a mamã a lavar-lhe as cuequinhas e a lamber-lhe o chão que pisa. Sorry, mas eu sou meio intolerante quanto a isso, visto que nunca na vida passaram a mão na minha cabeça em casa.
VII
Era ignorante. Mesmo. Poderia contar mil e uma histórias da ignorância dela, que é de fazer dó até à calçada. O pior é que nem posso dizer que era porque os pais não tinham meios ou algo assim. Nada disso. Ela era Alemã e como já deu para ver, foi mimada com tudo o que quisesse na vida. Mas parece que ia para a escola mais para desfilar a roupa da Minnie que para aprender o que quer que seja. Era ignorante até doerem-me os neurónios.
A melhor?
Foi na sexta-feira quando ela perguntou-me "Why do you care about Haiti anyway? isn't it just a damn city in Africa?*".
F*** my life.
Como nas relações amorosas, as relações de amizade, com colegas de trabalho e de estudo são a mesma coisa. Nunca é apenas uma das partes que tem a culpa. Eu também tive culpa no meio deste desastre todo. Meter uma "quase amiga" "pseudo conhecida" em casa na base da emoção "porque a menina foi expulsa de onde estava" foi culpa minha. No fundo, apenas tinha saído com ela um par de vezes (sempre divertidas) e não lhe conhecia os vícios e os mimos. E por isso, no fundo, não consegui impôr mais regras na minha casa nem ralhá-la em demasia "porque era minha amiga". E sobretudo, pensava (burrice minha) que ela tinha tudo para ser como a primeira roommate. Prestável, respeitadora, arrumada e limpa. Ah, e inteligente. Que isso, no fundo, é que era o mais importante.
Esta experiência valeu-me de lição. Uma grande lição. E agora que tenho o quarto por alugar de novo estou aqui a morrer apenas de pensar se vou adiante com uma nova menina ou se desisto. Porque roommates são como uma rifa. Nunca se sabe realmente o que nos vai calhar na mão. Neste caso, nunca posso realmente saber o que me pode calhar em casa.
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XX O quarto versão DEPOIS (foto tirada rapidamente, num dia no qual ela estava nas aulas). QUE NOJO!
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