Filosofia
Thomas Kuhn e as Revoluções CientÃficas
Thomas Kuhn e as Revoluções CientÃficas
A percepção da anomalia permite a percepção da novidade
Professor: Evenilson Fontes
Durante todo o perÃodo em que há uma ciência normal existem problemas não resolvidos, eventos que contradizem as expectativas paradigmáticas. Porém, estes problemas não são considerados pelos cientistas como contra-exemplos, mas sim como quebra-cabeças a serem resolvidos. Há uma mudança no rumo da ciência normal quando um destes problemas, por diversos motivos, torna-se importante demais para ser deixado de lado. O quebra-cabeça então se transforma numa anomalia. Começa-se uma investigação na área onde houve esta anomalia para tentar transformá-la no esperado. Porém, essas experiências que geram descobertas nem sempre previstas provocam instabilidade na teoria vigente.
PerÃodo de crise
Não só as descobertas de anomalias, mas as teorias que procuram explicar o mesmo fenômeno, sob diferentes óticas geram esta instabilidade, que pode ser tratada como uma crise no modelo cientÃfico. Assim, o cientista, que procura dar respostas à s perguntas partindo das regras (conceitos, princÃpios matemáticos, instrumentos etc.) estabelecidas, perde o apoio quando estas não servem mais como parâmetros. A técnica normal de análise é destruÃda, na medida em que diferentes versões da mesma teoria coexistem. Este perÃodo é detectado como um perÃodo de crise que só será resolvido quando uma única visão for aceita e as demais refutadas.
A Revolução CientÃfica
Para muitas pessoas, sejam ou não cientistas, o ideal de como a ciência deve se transformar é evoluindo, cada nova teoria aperfeiçoando a antiga e se aproximando cada vez mais da verdade. Segundo quem acredita neste caminho, um exemplo desse ideal de ciência é a transformação, no inÃcio deste século, da teoria newtoniana para a de Einstein. A primeira pode ser entendida como um caso especial da segunda, já que é possÃvel derivar as equações de Newton a partir das de Einstein apenas fazendo algumas limitações como, por exemplo, velocidades muito menores que a velocidade da luz.
Porém, existem, segundo Kuhn, alguns problemas nessa derivação das leis de Newton. Em primeiro lugar, para fazer essa derivação, é necessário restringir as leis de Newton, já que não se pode esperar que ele, em sua teoria, não tivesse a pretensão de explicar o movimento a altas velocidades. Em segundo lugar, e mais importante, os conceitos envolvidos nas duas teorias, apesar de representados pelo mesmo nome, têm significados completamente diferentes. Massa, por exemplo, é uma qualidade intrÃnseca da matéria para Newton, enquanto para Einstein depende do observador. Nesse sentido, as duas teorias são, não só completamente diferentes como até mesmo incomensuráveis.
É no sentido dessa incomensurabilidade que Kuhn rejeita a idéia de transformação linear em favor da idéia de "revolução cientÃfica". A escolha desse termo se deve a analogia com as revoluções polÃticas. Quando chega o momento de uma revolução polÃtica, os recursos para resolver os problemas em questão dentro do próprio sistema polÃtico se esgotam e, pela necessidade de transformar o sistema polÃtico em si, é necessário recorrer a meios externos à polÃtica, como, por exemplo, à persuasão de massas e à violência. Da mesma forma, na ciência, quando se esgotam os recursos internos a ciência normal, é necessário transformar o própria paradigma que guia as pesquisas e isto só pode ser feito recorrendo a argumentos externos à ciência.
Assim, em momentos de competição entre dois paradigmas, se estabelece uma discussão de surdos em que cada cientista argumenta através do seu próprio paradigma para mostrar que seu paradigma é melhor. Não é possÃvel demonstrar que um paradigma é melhor que outro, já que não existe uma base comum a partir da qual discutir.
O estudo de Thomas Kuhn, A estrutura das Revoluções CientÃficas, é o texto que trouxe à tona o uso do conceito de paradigma nos anos 1970/80, aplicado à história do fazer cientÃfico.
Um primeiro aspecto que chama a atenção é o fato do autor dirigir sua análise sob a perspectiva de que a visão paradigmática tenciona orientar a quem se prepara para ingressar na atividade cientÃfica. Diz explicitamente que “o estudo dos paradigmas [...] é o que prepara basicamente o estudante para ser membro da comunidade cientÃfica na qual atuará mais tardeâ€, p. 31.
Isso significa que esse candidato a cientista irá estudar modelos do campo cientÃfico de seu interesse a fim de moldar-se nos fundamentos da “ciência normal†(Kuhn) desse campo. Aliás o significado clássico de paradigma em Platão, por exemplo, é a idéia de modelo. Uma vez moldado ao modelo, o novo cientista domina uma espécie de mapa do conhecimento limitada à sua zona de escolha. Enfim, ele tem a assimilação de um roteiro. Isto ocorre desse modo porque “...uma comunidade cientÃfica, ao adquirir um paradigma, adquire igualmente um critério para a escolha de problemas que, enquanto o paradigma for aceito, poderemos considerar como dotados de uma solução possÃvelâ€, p. 60.
Percebe-se, numa análise mais detida, que o conceito de paradigma, aqui recuperado, associa-se à atividade de busca visando a transformação e a ampliação do conhecimento. Com isso, aproxima-se bastante da idéia do mapa do conhecimento dominado por um dado grupo. À idéia deste mapa do conhecimento está associada a idéia da existência de um patamar básico de conhecimentos que existiriam como necessários para dar suporte à concepção e à recepção das questões cientÃficas. Tal circunstância, conforme Kuhn, vai ser demonstrada pela investigação histórica da comunidade acadêmica. Ele vai dizer que uma investigação atinente à comunidade cientÃfica “de uma determinada especialidade, num determinado momento, revela um conjunto de ilustrações recorrentes e quase padronizadas de diferentes teorias nas suas aplicações conceituais, instrumentais e na observaçãoâ€, p. 67. E, diz também, que tais ilustrações são “os paradigmas da comunidade, revelados nos seus manuais, conferências e exercÃcios de laboratóriosâ€, p. 68.
No aprofundamento de sua discussão, Kuhn observa um conjunto de fenômenos que conforma os candidatos a pesquisadores à formação de uma falsa idéia de linearidade da evolução de seu respectivo campo especializado, que funcionaria como um fundo não dialetizado do saber daquele domÃnio dando-lhe certeza do perfil do conhecimento mais correto. Com isso, forma-se a crença nesse saber que, sendo seguido como verdadeiro, levará imediatamente a uma resistência à s mudanças. Quando tais certezas vêm a se embaralhar e as explicações para os fenômenos começam a ser contraditadas, ou quando outras explicações são apresentadas em eventos cientÃficos com tendência à aceitação e quando as práticas de laboratório seguem principalmente teorias mais recentes e adotam outros procedimentos metodológicos, produzindo resultados cientÃficos mais facilmente aceitos, está instalado outro paradigma.
De outro lado, a perspectiva Kuhniana tende a ser drástica quanto à forma de ruptura que o novo paradigma provoca na comunidade cientÃfica. Para ele, “quando a comunidade cientÃfica repudia um antigo paradigma, renuncia simultaneamente à maioria dos livros e artigos que o corporificam, deixando de considerá-los como objeto adequado ao escrutÃnio cientÃficoâ€, p. 209. Isso, não quer dizer, naturalmente, que a ruptura se dá de imediato. No entanto, pode significar uma guinada de fato, especialmente se for olhado como Kuhn estabelece o conceito-sÃntese de paradigma. Sua concepção é a de que “um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade cientÃfica consiste em homens que partilham um paradigmaâ€, p. 219.
referências bibliográficas:
A estrutura das revoluções cientÃficas. 7.ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2003. ISBN 8527301113.
O caminho desde a estrutura. São Paulo: Editora UNESP, 2006. ISBN 8571396582
A tensão essencial. Lisboa: Edições 70, 1989.
A revolução copernicana: a astronomia planetária no desenvolvimento do pensamento Ocidental. Lisboa: Edições 70, 1990.
AS REVOLUÇÕES CIENTÃFICAS DE THOMAS KUHN (1922-1996)
Alexandre Pires
(Fonte: http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/revolucoeskuhnpires.html)
A teoria central de Kuhn é que o conhecimento cientÃfico não cresce de modo cumulativo e contÃnuo. Ao contrário, esse crescimento é descontÃnuo, opera por saltos qualitativos, que não se podem justificar em função de critérios de validação do conhecimento cientÃfico.
A sua justificação reside em fatores externos, que nada têm a ver com a racionalidade cientÃfica e que, contaminam a própria prática cientÃfica. A importância atribuÃda por Kuhn, aos fatores psicológicos e sociológicos na organização do trabalho cientÃfico, constitui um rude golpe na "imagem da ciência que se foi consolidando desde o século XVIII e que tende a identificar a cientificidade com a racionalidade - senão com a racionalidade «no seu todo», pelo menos com a racionalidade «no seu melhor»." (1)
A obra de Kuhn desencadeou um autêntico terremoto na filosofia da ciência e inaugura um discurso inovador, que privilegia os aspectos históricos e sociológicos na análise da prática cientÃfica, desvalorizando os aspectos lógico-metodológicos que ainda encontramos no discurso epistemológico popperiano.
Os saltos qualitativos preconizados por Kuhn, ocorrem nos perÃodos de desenvolvimento cientÃfico, em que são questionados e postos em causa os princÃpios, as teorias, os conceitos básicos e as metodologias, que até então orientavam toda a investigação e toda a prática cientÃfica. O conjunto de todos esses princÃpios constituem o que Kuhn chama «paradigma». Procurando ser fiel ao autor, utilizamos o conceito de paradigma em dois sentidos fundamentais.
Num sentido lato, o paradigma kuhniano refere-se à quilo que é partilhado por uma comunidade cientÃfica, será uma forma de fazer ciência, uma matriz disciplinar. Uma comunidade cientÃfica caracteriza-se pela prática de uma especialidade cientÃfica, por uma formação teórica comum, pela circulação abundante de informação no interior do grupo e pela unanimidade de juÃzo em assuntos profissionais.
Em sentido particular, o paradigma é um exemplar; é um conjunto de soluções de problemas concretos, uma realização cientÃfica concreta que fornece os instrumentos conceptuais e instrumentais para a solução de problemas. O paradigma é, neste sentido, uma «concepção de mundo» que, pressupondo um «modo de ver» e de «praticar», engloba um conjunto de teorias, instrumentos, conceitos e métodos de investigação; noutro caso, o conceito é utilizado para significar um conjunto de «realizações cientÃficas concretas» capazes de fornecer "modelos dos quais brotam as tradições coerentes e especÃficas da pesquisa cientÃfica". (2)
"Assim, a descrição de Newton do movimento dos planetas (Lei da Gravitação Universal), ou a descrição de Franklin da garrafa de Leyden são, respectivamente, exemplos de paradigmas para a prática da mecânica e para a ciência da electricidade. Kuhn também designa estes «modelos concretos» como «modelos exemplares»". (3)
O desenvolvimento da ciência madura processa-se assim em duas fases, a fase da ciência normal e a fase da ciência revolucionária. A ciência normal é a ciência dos perÃodos em que o paradigma é unanimamente aceito, sem qualquer tipo de contestação, no seio da comunidade cientÃfica. O paradigma indica à comunidade o que é interessante investigar, como levar a cabo essa investigação, impondo como que um sentido ao trabalho realizado pelos investigadores e limitando os aspectos considerados relevantes da investigação cientÃfica.
O grupo limita-se a resolver um conjunto de incongruências que o paradigma lhe vai fornecendo, toda a investigação é realizada dentro e à luz do paradigma aceite pela comunidade. Nesta fase da ciência normal, o cientista não procura questionar ou investigar aspectos que extravasam o próprio paradigma, devemos dizer que a curiosidade não é propriamente uma caracterÃstica do cientista, este limita-se a resolver dificuldades de menor importância que vão permitindo mantê-lo em atividade e que possibilitam simultaneamente revelar a sua engenhosidade e a sua capacidade na resolução dos enigmas.
"Os problemas cientÃficos transformam-se em puzzles, enigmas com um número limitado de peças que o cientista - qual jogador de xadrez - vai pacientemente movendo até encontrar a solução final. Aliás, a solução final, tal como no enigma, é conhecida antecipadamente, apenas se desconhecendo os pormenores do seu conteúdo e do processo para a atingir". (4)
Deste modo, o paradigma que o cientista adquiriu durante a sua formação profissional fornece-lhe as regras do jogo, descreve-lhe as peças a utilizar e indica-lhe o caminho ou objetivo a atingir. É evidente que o cientista, nas suas primeiras tentativas, pode cometer falhas, o que é perfeitamente natural, no entanto, tal fato é sempre atribuÃdo à sua impreparação ou inépcia.
Isto significa, que as regras fornecidas pelo paradigma e o próprio paradigma, não podem ser postas em causa, já que o paradigma é o sentido de toda a investigação e o próprio enigma a investigar não existiria sem ele. Esta crença exacerbada no paradigma, demonstra-nos que
"o trabalho do cientista exprime uma adesão muito profunda ao paradigma". (5)
É evidente que uma adesão deste tipo não pode ser posta em causa ou ser abalada levianamente. A própria comunidade, na sua prática quotidiana, vai reforçando essa adesão a todo o momento. O que a experiência claramente demonstra, é que o cientista, individualmente ou em grupo, vai conseguindo resolver os enigmas, com maior ou menor dificuldade, à luz do paradigma vigente.
Neste sentido, não devemos ficar admirados com a profunda resistência manifestada pela comunidade à mudança de paradigmas. O cientista, não está minimamente interessado em provocar um abalo, na estrutura do edifÃcio que de certa forma o "alberga" e dá sentido ao seu trabalho profissional. O cientista é humano; a proteção, a confiança e de certo modo a segurança, são condições que todo o ser humano deseja alcançar. Todas estas condições, são fornecidas ao cientista pelo paradigma. "O que eles defendem nessa resistência é afinal o seu modo de vida profissional". (6)
O decurso da ciência normal, não é feito só de êxitos, pois se assim fosse, não poderÃamos assistir à s inovações profundas que têm lugar ao longo do desenvolvimento cientÃfico e que, segundo Kuhn, ocorrem por mudança de paradigmas. "Ao cientista «normal» pode suceder que o problema de que se ocupa, não só não tem solução no âmbito das regras em vigor, como tal fato não pode ser imputado à impreparação ou inépcia do investigador". (7)
Esta experiência pode ser partilhada por outros cientistas e para além disso, pode acontecer que o número de incongruências seja cada vez mais significativo e a dificuldade em solucioná-las aumente consideravelmente, ou até mesmo, o cientista confrontar-se com incongruências de impossÃvel solução à luz do paradigma.
"O efeito cumulativo deste processo pode ser tal que a certa altura se entre numa fase de crise. Incapaz de lhe dar solução, o paradigma existente começa a revelar-se como a fonte última dos problemas e das incongruências, e o universo cientÃfico que lhe corresponde converte-se a pouco e pouco num complexo sistema de erros onde nada pode ser pensado correctamente. Já outro paradigma se desenha no horizonte cientÃfico e o processo em que ele surge e se impõe constitui a revolução cientÃfica e a ciência que se faz ao serviço deste objectivo é a ciência revolucionária". (8)
O novo paradigma irá redefinir os problemas e as incongruências até então insolúveis, dando-lhes uma solução convincente, e é neste sentido que ele se vai impondo junto da comunidade cientÃfica. Essa substituição não ocorre de um modo rápido; o perÃodo de crise, caracterizado pela transição de um paradigma a outro, pode ser bastante longo.
É compreensÃvel que assim seja, já que cada um dos paradigmas estabelece as condições de cientificidade do conhecimento produzido no seu âmbito, e essas condições podem ser consideradas ridÃculas, triviais ou insuficientes, pelos defensores do velho paradigma, ou seja, os cientistas claramente comprometidos e educados à luz do paradigma anterior, que tudo fazem para impedir a substituição. Neste perÃodo, o diálogo entre os cientistas é um diálogo de surdos, já que existe uma clara incompatibilidade de paradigmas, utilizando a linguagem kuhniana, os paradigmas são incomensuráveis.
Estamos pois, na presença de duas visões radicalmente diferentes do mundo, o que torna impossÃvel uma solução de compromisso, na tentativa de tornar compatÃvel os dois paradigmas. Este perÃodo de crise, evidencia claramente, que o espÃrito crÃtico e a audácia na procura da verdade, não são caracterÃsticas do cientista. Ao contrário daquilo que era afirmado por Karl Popper, o cientista não passa a vida a pôr em causa aquilo que aprendeu, pelo contrário, defende esse patrimônio de um modo insistente e procura resistir a mudanças bruscas que acarretem uma redefinição radical do trabalho até então realizado. A imagem do cientista, é a de um sujeito profundamente conservador e que a todo o custo procura resistir à mudança (princÃpio kuhniano da tenacidade).
"Mais ou menos tempo será necessário para o novo paradigma se impor, mas, uma vez imposto, ele passa a ser aceite sem discussão e as gerações futuras de cientistas são treinadas para aceitar que o novo paradigma resolveu definitivamente os problemas fundamentais. Da fase da ciência revolucionária passa-se de novo à fase da ciência normal e, portanto, ao trabalho cientÃfico sub-paradigmático". (9)
Inicialmente o paradigma emergente será aplicado em várias áreas, essa aplicabilidade será assumida sem ainda se ter feito qualquer tipo de prova nesse sentido. É para estas áreas que a ciência normal se vai orientar.
Em jeito de conclusão, podemos referir que a grande inovação do discurso kuhniano no domÃnio da filosofia da ciência, passa por um lado, pela afirmação de que o desenvolvimento cientÃfico não é cumulativo e, por outro lado, e é neste ponto que reside, no nosso entender, a profunda inovação kuhniana, que a escolha entre paradigmas alternativos não se fundamenta em aspectos teóricos de cientificidade, mas em fatores históricos, sociológicos e psicológicos, ou seja, numa certa subjetividade e até mesmo numa irracionalidade, que acaba por ter um papel decisivo e fulcral na imposição de determinadas teorias em detrimento de outras.
Essa imposição, não se deve ao mérito cientÃfico das teorias, pelo contrário, devemos procurar as causas dessa imposição, saindo do "cÃrculo das condições teóricas e dos mecanismos internos de validação e procurá-las num vasto alfobre de fatores sociológicos e psicológicos. O processo de imposição de um novo paradigma é um processo retórico, um processo de persuasão em que participam diferentes audiências relevantes, isto é, os diferentes grupos de cientistas.
É necessário estudar as relações dentro dos grupos e entre os grupos, sobretudo as relações de autoridade (cientÃfica e outra) e de dependência. É necessário também estudar a comunidade cientÃfica em que se integram esses diferentes grupos, o processo de formação profissional dos cientistas, o treinamento, a socialização no seio da profissão, a organização do trabalho cientÃfico, etc. Nisto consiste a base sociológica da teoria de Kuhn". (10)
O discurso de Kuhn é inovador, na medida em que, desvalorizando os aspectos lógico-positivistas, lógico-empiricistas, lógico-formais e racionais, que claramente encontramos no discurso popperiano, e que permitem que a ciência se explique exaustivamente pela sua lógica interna, traz para o debate, uma base sociológica até então desvalorizada e esquecida, que poderá explicar, "por que razão se comportam os cientistas muitas vezes como se estivessem mais interessados em impedir o progresso cientÃfico do que em promovê-lo; porque é que certas teorias não são aceites ao tempo da sua descoberta e só o são muito mais tarde, dando-se como que a sua redescoberta; porque razão são aceites teorias cuja obediência aos padrões estabelecidos está longe de ser evidente; porque são negadas ou rejeitadas teorias assentes em experimentação que satisfaz plenamente esses padrões". (11)
A neutralidade e a objetividade da ciência, caracterÃsticas que desde sempre o conhecimento cientÃfico reclamou e que nos levava a distinguir esse saber das chamadas ciências humanas ou sociais, são claramente postas em causa pela teoria dos paradigmas.
"Kuhn abandonou de vez o terreno da epistemologia tradicional e a sua pacÃfica imagem da ciência herdada do iluminismo e reforçada pelo positivismo, lançando uma poderosa interrogação sobre a atividade cientÃfica, os seus efetivos procedimentos intelectuais e institucionais, as caracterÃsticas das suas situações de sucesso e de crise, operando uma funda ruptura na filosofia das ciências pelo destaque que assim é dado à matriz histórica na compreensão de tais processos e fenômenos". (12)
Notas
(1) Carrilho, M., M., "O que é Filosofia", Lisboa, Difusão Cultural, 1994, p. 45.(2) Kuhn, T., "The Structure of Scientific Revolutions", Chicago, 2ª ed. Chicago UniversityPress, 1972, p. 30.(3) Baptista, J., M., "A Ideia de Progresso em Thomas Kuhn, no contexto da nova filosofia da ciência", Porto, Ed. Afrontamento, 1996, p. 93.(4) Boaventura, S., S., "Da Sociologia da Ciência à PolÃtica CientÃfica", in separata de Biblos, Coimbra, 1977, p. 215.(5) Idem, o. c. 215. (6) Idem, o. c. 215. (7) Idem, o. c. 215. (8) Idem, o. c. 216. (9) Idem, o. c. 216.(10) Idem, o. c. 217. (11) Idem, o. c. 219. (12) Carrilho, M., M., o. c. p. 28.
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