Dizem eles que é preciso socializar enquanto o que é realmente necessário é fazer o raio do luto da vida que não foi
Filosofia

Dizem eles que é preciso socializar enquanto o que é realmente necessário é fazer o raio do luto da vida que não foi


Querida Sofia, 
Que dizem os amigos comprometidos aos amigos solteiros cansados de ser solteiros? “Sai de casa”, “viaja”, “vai a festas”, “vai a um vernissage qualquer”, “socializa!”. 
Socializar, conhecer novas pessoas para "abrir os horizontes", e no meio de todos esses encontros, lá encontramos pessoas que potencialmente podem entrar nas nossas vidas. E, dependendo da nossa natureza, mas pelo menos é o meu caso, muitas vezes o problema não é de "conhecer novas pessoas". Números de telefone e amigos no Facebook temos todos muitos. O problema é deixar uma pessoa entrar. Por vezes é mais fácil quando vemos apenas defeitos para bloquear o acesso à nossa vida ou ao nosso coração. Ah, ele fuma, ah, ele é baixo, ah, ele não tem estudos, ah, não é "open-minded". Pronto, não presta, não quero. Por vezes, nenhuma dessas questões é realmente importante, mas estamos tão habituados a ver qualidades se transformarem em defeitos nas relações em que de seguida mergulhamos que esperamos apenas ver defeitos para nos livrar de uma escolha. Uma escolha inicialmente inocente, mas que pode magoar. Dar a mão um dia, dentro do carro e dessa mão dada, nasce uma relação e meses depois, desejamos voltar no tempo, e nunca ter dado essa mão e poder voltar atrás apagando um sofrimento que terá sido posterior.
O problema do traumatismo de uma ou várias relações passadas, não só pelo crédito que tem na descrença que temos face a novas relações e a toda pasmaceira que é getting into the dating game e repetir o mesmo discurso “de onde venho, onde vou, o que faço, o que gosto, que muitas oiço, o que faço no meu tempo livre”, nem sempre estamos prontos a enterrar e fazer o luto do projecto de vida que tivemos com outra pessoa. Um projecto que parecia tão real, tão próximo, que é despejado por terra como um castelo de cartas e nos torna simplesmente... descrentes.
E não é a primeira vez que te digo isto, nem será a última enquanto estiver viva, mas conheci alguém. Conheço pessoas novas todas as semanas, mas este alguém é mesmo especial. Boa pessoa. Viajado. Multicultural. Giro. Interessante que dói. Mas por causa de muitos filhos da égua do [meu] passado, preciso de muitas doses de açúcar, palavras e crença para acreditar que posso aceitar a mão dele dentro do carro, quando ele parar naquele semáforo. Porque se aceitar… aí é o ponto de não-retorno. E ele sabe, eu sei, nós sabemos e God… Ele também sabe.



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