Histórias de Supermercado #2
Filosofia

Histórias de Supermercado #2


Querida Sofia, 
Poderia contar uma história diferente por cada vez que vou ao supermercado. Quando a fila é bastante comprida, por vezes perco-me a ouvir a música do iPod, mas faço mal pois não há quase nada na vida que me dê tanto gozo quanto ver as interacções humanas. Hoje, tinha apenas três artigos na mão: alface, quinoa e pão. Pensava que em dois minutos estaria despachada dali mas que é isso?! À minha frente, um jovem que tinha comprado uns chocolates dentro de um coelhinho (isso não é só na Páscoa?) e não tinha código de barra pois então ficamos ali dez minutos a mais, o tempo de uma assistente de caixa encontrar o preço na loja.
Atrás desse jovem infeliz, um casal. E foi neles que focalizei toda a minha atenção, como se da minha vida deles dependesse. Ele tinha uns cinquenta anos, muito bem parecido, já quase careca, alto. Ela, tinha uns trinta e tal anos (ou quarenta, que por vezes estas mulheres escondem muito bem essas coisas). Estavam ali aos beijos como dois adolescentes. Nada nojento, nada constrangedor. Quando o mocito da frente lá se despachou, a mulher levantou o cesto das compras para pousar as coisas no tapete. O homem, depois de cinco minutos ali a lambuzar a menina, encostou-se à barra de ferro que separa as diferentes caixas, num relaxe e perguntou “queres que eu te ajude, por acaso?”. Perguntou com aquele tom de quem pede um “não” como resposta. Ela ali, sozinha, foi deitando artigo por artigo no tapete, mesmo à maneira francesa, de não utilizarem sacos de plástico para os legumes, estarem ali todos atirados ao tapete onde eu sei lá o que passou, com as etiquetas do peso colados aos legumes, numa boa. Sempre que vejo isso pergunto-me qual é o problema de usarem sacos transparentes para cada legume? Bref, estou a divagar.
A mulher lá esvaziou o cesto e foi arrumando as compras SOZINHA. O homem ali, de braços cruzados, a lançar umas piadinhas badalhocas para quem quisesse ouvir, a dizer que ela fazia aquilo bastante bem. Hora de pagar, ele grita para a menina da caixa: “pois, a menina pensou que eu não ia fazer nada… pois… se estou aqui é para pagar”. Sacou o cartão bancário, digitou o código, ela segurou o saco, ele sorriu ao receber o talão e lá foram eles embora, ela a segurar o saco pesado e ele pegando-a pela cintura.
Quer dizer, um máximo… certo?
Prefiro os casais que pagam as compras metade metade (as meninas das caixas estão habituadas a jovens casais), mas que não entrem em demonstrações de afecto públicas e desmedidas e que, pelo menos, esvaziem o cesto ou o carrinho e arrumem o saco juntos, sem pedantismos e machismos. E de bem parecido, aquele homem, passou a ser muito muito feio.



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