Filosofia
Lost and found
Querida Sofia,
A minha melhor amiga foi sequestrada há algumas semanas, a poucos metros do meu escritório em Talatona, Luanda. Tenho tentado digerir esta situação, desde que soube do assunto, nas últimas semanas, num rebuliço de sentimentos que envolvem tanto as minhas amizades quanto a minha própria pessoa. Infelizmente, acontece-me desconectar-me completamente dos meus amigos, sem razão aparente. Não atendo chamadas, não respondo a SMS, não envio emails, e não reparei que fiquei dias sem falar com ela. Quando voltou à vida e me explicou o que lhe tinha acontecido, não consegui exprimir bem o que senti e me passou pela cabeça. Senti uma mistura de pânico, dor, remorso e, de certa forma, negação.
1 – Quando me contou o que lhe aconteceu, perguntei-me mil vezes como foi que conseguiu manter-se calma e serena o suficiente durante todo o sequestro, até voltar à liberdade. Como se agarrou à vida e como também teve sorte quanto ao desfecho de tão horrível situação;
2 – Ela não acredita em Deus, mas teve ali um momento de grande lucidez e luz que lhe permitiu tomar as boas decisões para ficar em vida;
3 – Passei 10 anos em França prestando muito pouca atenção à minha segurança por nunca me ter acontecido nada. Sempre andei de madrugada sozinha, nas ruas ou nos transportes públicos, e hoje tenho consciência que isso era excesso de confiança. Quando cheguei a Luanda, a minha mãe, que vive num medo constante ate de respirar, dizia-me (ainda diz) para não sair a não ser que fosse estritamente necessário, não usar anéis ou brincos, não falar ao telefone na rua ou no carro, e para viver, se possível, numa bolha imaginária como ela. Claro, isso nunca correu lá muito bem, pois já deixei de ter vida social ao vir para Angola, não ia além disso desmarcar encontros e eventos, que são tão poucos para mim, porque a minha mãe tem medo pela sua segurança. Este medo já não é só da minha mãe. É também o meu;
4 – Quando foi que reparei que algo tinha mudado para mim? Um casal de colegas de trabalho saíram e disseram que podia ir ter com eles mais tarde ao shopping. “Podes ir a pé, certo?”. Era o meu horário de pausa de almoço. Pleno dia. Ainda há semanas, fazia esse trajecto a pé sem problema algum. E hoje… não consigo. Recusei o convite e reparei que nem consigo explicar às pessoas o meu medo;
5 – A minha melhorar amiga é uma das duas pessoas responsáveis pelo sucesso da minha integração em Angola desde o ano passado. Assim que saí do avião ela estava ali comigo, e não teria conseguido fazer muito do que fiz sem ela. Naquele momento e nos últimos 18 anos. Como dizia a alguém ontem, as minhas amigas são mais importante que o namorado. Consegui viver várias rupturas amorosas ao longo dos anos, mas não imagino a minha vida sem as minhas amigas, por não serem apenas amigas. São a minha vida (apesar de não conseguir exprimir-me muito bem quanto a isto…);
6 – Bom, tenho consciência que isto é apenas uma fase e que dentro de alguns dias ou semanas, já vou estar bem e ter esquecido isto tudo e posso voltar a não ficar obcecada com a minha segurança. Esta situação não aconteceu comigo, aconteceu com alguém com quem passo grande parte do meu tempo. Este sentimento de “Poderia ter sido eu” enche-me de raiva, pois é vazio e egoísta, enquanto deveria apenas rezar e agradecer a Deus pelo facto dela estar bem. E, de novo, reiterar que isto não é sobre mim;
7 – Já agora, a amiga em questão está bem hoje e mudou-se para Roma até o final do ano. Um momento bem “Comer, Orar, Amar”.
Dear Sophie,
My best friend was abducted a few weeks ago a few meters away from my office in Talatona, Luanda. I have been trying to come to terms with this event in the past weeks, dandling between friendship and personal feelings. As, unfortunately, I sometimes naturally disconnect from friends (don’t answer the phone, don’t call, don’t reply to emails), I didn’t notice that I didn’t hear from her for days. When she came back to life, and explained to me what had happened, I cannot put into words the way I reacted. It was a mix of panic, pain, regret, sorrow and some kind of initial denial.
1 – As she told me her story, I asked myself how she managed to maintain herself so calm, poised and together during the whole ordeal. How she held onto her life and got lucky to get out of such a terrible situation;
2 – She does not believe in God, but she had a moment of lucidity and clarity about what was happening and took the best decisions until she was safe;
3 – I have spent 10 years in France being reckless about my security because I just felt constantly safe. I would go back home on the metro or bus very late at night (or in the morning), on my own, and nothing ever happened to me. As I arrived to Luanda, my mother that lives in a constant fear of even breathing would tell me to never go out, stay home, not wear jewellery, not speak on the phone in the street, and to live in her imaginary bubble. Of course, that never went well, because I already stopped having a proper social life here in Angola because I don’t drive, so I didn’t see the purpose of forcing myself to stop the few occasions to go out just because my mother is scared for her security constantly. This feeling does not exist only in my mother’s mind nowadays. I am scared too;
4 – How did I realise something changed for me? A couple of work colleagues said “meet us at the shopping, you can go by foot, right?”. It was noon. Sunny day. A few weeks ago, I would go to the shopping by foot with not a second thought about it. Now I just… can’t. I refused their invitation and discovered I am scared and am unable to explain the why to other people;
5 – My best friend is one of the two people responsible for my integration in Angola since last year. I would not have been able to do it without her. From the moment I landed on, she was always there with me, as she has been in my life in the past 18 years. As I said to someone yesterday, my girlfriends are more important for me than my boyfriend. I have managed to live through breakups, but cannot imagine a world without my best friends. They are not only friends, they are my life (even if I am awful at expressing it…);
6 – So, I know this might just be a phase and that in a few days I will be fine and have forgotten about it all and back to being reckless again. This drama didn’t happen to me, it happened with someone I just spend a lot of time with. This feeling of “It could have been me” fills me with anger as I feel shallow and selfish, as I should only pray to God that my friend is still okay, and again, that this is not about me;
7 – By the way, my friend is fine and moved to Rome until the end of the year. This is a “Eat, Pray, Love” kind of story in the making.
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