Sou Marise von Frühauf Hublard filha de pai agricultor (Hilberto Helvino von Frühauf) e de mãe professora (Nelvi Güntzel von Frühauf), filha mais velha de uma família de sete irmãos, três homens e quatro mulheres, hoje somos apenas quadro, duas mulheres e dois homens.
Nasci no dia 8 de novembro de 1962 na localidade de Cotovelo do Jacuí, pertencia ao município de Não Me Toque ? RS, hoje pertence ao município de Victor Graeff ? RS. Minha mãe era professora na época, aliás, ela começou a dar aulas na escola em 17 de outubro de 1954, quando tinha apenas 14 anos e 9 meses, e no ano seguinte em maio de 1955, passou no concurso do município, e se tornou professora municipal da Escola David Canabarro de Cotovelo do Jacuí ? Distrito de Cochinho, pertencendo na época ao município de Não me Toque ? RS.
Depois do meu nascimento, no ano letivo de 1963 minha mãe colocou um berço na escola, havia dois berços, uma parte do tempo passava na escola e outra em casa, já que meu pai era agricultor e na época os homens não cuidavam dos filhos (pensamento machista da referida época e que ainda predomina na cabeça de muitos homens).
Lembro como se fosse hoje, riscando todos os livros da minha mãe, segundo minha mãe, eu só riscava os livros dela, respeitando os livros da escola que eram da ?prefeitura?. Verifico nesta colocação que respeitar o bem público era uma honra, nesta época. Na época a escola contava de 50 a 60 alunos do 1º ano primário até o 5º ano, e dava-se aula na mesmo ambiente para as cinco classes, havia dois quadros negros, existia castigo para os alunos desobedientes.
Mudamos para casa em frente à escola no ano de 1964, e naquele ano caiu neve, tipo neve que só vemos na Europa ou na América do Norte, e eu só perguntava porque o tio Osvaldo está cortando os galhos de todas as árvores? A neve era tão pesada que estava quebrando os galhos das árvores do potreiro , imagens inesquecíveis que ficaram para sempre na minha memória. Para dizer a verdade são início da minha tomada de consciência da existência como pessoa.
Depois de passar todo o tempo na escola, onde minha mãe dava aula, bem comportada, respeitando o ambiente, com exceção dos livros totalmente riscados. Ingressei no 1ª ano primário em 1969, com mais três colegas: Elton Rauber, Denise Barth e Elton Elvanger.
Minha mãe era a minha professora, ela sempre foi muito dedicada à escola, a comunidade, e aos alunos, muitas vezes, eu e meus irmãos sentíamos muito ciúmes desta dedicação, deste carinho tão especial, depois de tantos anos, nós reconhecemos esta dedicação, que falta hoje nas nossas escolas.
Quando concluí o quarto ano primário em 1972, chegou o momento de mudar de escola. Surpresa. Nasceu a minha irmã caçula Márcia em 31 de janeiro de 1973, como não tínhamos empregada, fiquei um ano em casa cuidando da minha irmã Márcia e havia também a minha irmã Maristela com diferença de um ano, que não andava e nem falava (era uma criança muito especial, e que viveu até completar 19 anos, foi um sofrimento para toda família, mas também uniu a nós todos).
Neste ano de 1973, no qual minha irmã nasceu, minha mãe dava aulas para Turma do Mobral. Havia outro curso que se chamava ?ensino integrado? (era uma espécie de revisão do primário e ginásio). Eu assistia a estas aulas. Não havia outra opção. Uma vez que eu cuidava de minhas irmãs , ou eu assistia a este curso, ou ficava sem estudar . Minha mãe não desejava que nenhum de nós ficasse intelectualmente inativo. Portanto, fiz o tal curso .
No ano seguinte em 1974, ingressei na 5ª Série na Escola Estadual Dr.José Maria de Castro da cidade de Victor Graeff, eu e meu irmão Mirton, ficamos fascinados com os livros, com os professores, as lições de casa, mas nem tudo é maravilhoso, íamos de kombi (lotação) e minha mãe gastava todo salário dela para pagar a condução. Os colegas ,uma vez que éramos da região rural do município (considerados caipiras, bobos), debochavam principalmente de mim,de minhas roupas.
Meus pais não tinham condições de continuar pagar a condução para estudarmos na cidade.
Mudamos de escola, uma escola que fica a seis quilômetros da casa dos meus pais, no distrito de Mormaço, na época pertencendo ao município de Soledade, hoje cidade de Mormaço. Estávamos no ano 1975, o ano mais importante da minha vida, eu e meu irmão saíamos às seis horas da manhã para ir a escola andando a pé em estrada de chão e com muito mato.
E ainda atravessávamos um rio de canoa, muitas vezes tínhamos que levar calçado e roupas para trocar na escola. Chegávamos molhados e sujos, levávamos uma embalagem vazia de álcool ( na época garrafas pet não existiam) com um refresco (suco da k-suco)para o retorno desta jornada. A escola se chamava ?Escola Rural Joaquim Gonçalves Ledo?, hoje Escola Estadual Joaquim Gonçalves Ledo. Estudamos ali da 6ª Série até 8ª Série, fomos imensamente felizes, brigávamos muito por causa de futebol no retorno da aula: Grêmio e Internacional.Chegamos até a quebrar um guarda-chuva. Quanta saudades... No ano passado em julho de 2007 visitei a escola. Este ano também pretendo retornar à mesma escola e fazer uma visita com os meus filhos.
Energia elétrica chegou à nossa casa somente em meados do ano de 1975 e a televisão somente em 1977. Para assistirmos os filmes da sessão da tarde tínhamos que fazer primeiro a lição e depois o trabalho na roça que nos era destinado. Sem isso não podíamos assistir ao filme.
Foi um tempo difícil, quando chegávamos em casa da escola, havia uma mesa e pia cheia de louça para lavar, crianças para cuidar (meus irmãos), o fogão era à lenha, comida fria para comer, pois minha mãe dava aula na parte da manhã, e a tarde substituía outra professora numa escola que ficava a quatro quilômetros. Refletindo, não sei como minha mãe dava tantas aulas (e tinha uns diários impecáveis), e ela preparava as aulas e fazia os diários de madrugada com lampião de gás. Mas ela era forte, ainda é forte, é uma leoa. Admiro o trabalho dela como filha que sou, como aluna que fui e como professora que sou hoje.
Depois de concluir o ?ginásio? em 1978, voltamos em 1979 para a Escola Estadual Dr. José Maria de Castro, na cidade de Victor Graeff onde cursei o 2º grau (curso de análise de solo), o único da cidade, e os professores vinham da cidade de Passo Fundo. Enquanto cursava o 2º grau ministrei alguns cursos de pintura em tecido para comunidade, patrocinados pelo Mobral. Conclui o 2º grau em dezembro de 1980, e neste mesmo mês prestei exame de seleção para o curso de teologia da Igreja Luterana no Brasil, em São Leopoldo ? RS.
Passei no exame de seleção e em fevereiro de 1981, iniciaram as aulas, com aulas exclusivas da língua alemã. Em março começaram as aulas do curso. Senti muita dificuldade nas aulas de grego. Hoje estou ciente que eu não queria aprender, e quando não queremos, é impossível aprender.
Neste curso de Teologia conheci o Professor e filósofo Álvaro Vals, que ministrava as aulas de filosofia, e me encantei com a filosofia, desisti do curso, e voltei para casa. Enquanto estudava em São Leopoldo fazíamos um trabalho voluntário em comunidades carentes.
Em 1983 prestei vestibular para Filosofia na Universidade de Passo Fundo, e fui aprovada em sétimo lugar no curso. Morava na época em Carazinho, aproximadamente 56 quilômetros distante de Passo Fundo, todo o dia , à tarde, viajava de ônibus escolar até a Universidade. Para custear as despesas, trabalhava numa loja de conserto de televisão da minha tia Nelda em Carazinho. Durante a madrugada fazia meus trabalhos acadêmicos. Conclui o curso de Licenciatura em Filosofia em 13 de dezembro de 1985. Após a minha formatura em 26 de janeiro de 1986, meu irmão Mirton (que também estudava na mesma universidade) já era professor do departamento de Química da Universidade. Veio a morrer de acidente de carro, no município de Tapera, numa visita aos nossos pais. Esta morte marcou profundamente a nossa vida, pois o meu irmão Mirton foi o primeiro a concluir um curso universitário, e estava muito feliz no dia da sua morte, confessou ?que não tinha pensado chegar aonde chegou?, estava lecionando na faculdade desde a sua formatura em 1984. O velório teve que ser prolongado, pois meus irmãos Marcos e Moacir estavam viajando com a escola, e na época não havia celular para avisar. Tivemos que aguardar o retorno deles para sepultar o corpo. Após o sepultamento ?comissão da secretária de educação da prefeitura? veio aposentar minha mãe, que era professora há mais de 31 anos. Ela estava desesperada pelo fato de ter perdido o filho. Para piorar surgiu esta aposentadoria forçada. Não tenho como descrever o momento. Para meus pais a coisa mais importante é a educação, o conhecimento, a formação. Pois formação e conhecimento ninguém tira, e o sonho deles era que todos os filhos fizessem uma faculdade, sonho realizado com louvor.
Como havia passado num concurso da PROCERGS (Processamento de Dados do Rio grande do Sul), passei em décimo primeiro lugar, e no 16 de junho de 1986 ingressei na PROCERGS como digitadora na ?Unidade Regional de Passo Fundo?. Não tinha a mínima noção, do meu novo trabalho, mas aprendi. Eu sempre dei tudo de mim pela empresa, mas as promoções nunca chegaram, a questão era o ?algo a mais?, até hoje não sei o que representa.
Pergunto aos estudantes de psicologia e psicólogas que conheço, e ninguém tem uma resposta. Ainda vou encontrá-la.
Em 1994, ocorreu uma reestruturação na empresa, funcionários aderiram ao PGD. Não me recordo o que significava esta sigla. Era um precursor dos tais programas de demissão voluntária que hoje são coisa comum. Como eu era uma das funcionárias mais novas, solteira, provavelmente seria uma das primeiras a ser demitida. O gerente da Regional, o Sr. Dirceu, sugeriu que eu pedisse transferência para a Unidade de Caxias do Sul. Aceitei a sugestão.
Em Abril de 1994, no dia 22 teve inicio a uma nova fase na minha vida: de digitadora, passei a exercer a função denominada ?suporte ao cliente?. Isto na PROCERGS significava dar assessoria aos sistemas de processamento desenvolvidos pela empresa nas estatais. Solucionava e auxiliava em eventuais dúvidas e problemas no uso dos sistemas. Ensinei muitos funcionários a usar Internet, via ?Memo?( um correio eletrônico usado entre os funcionários e empresas públicas). E através destes treinamentos, ensinando a acessar listas conheci o meu marido Ernesto.
Acabei deixando a PROCERGS e vim para São Paulo, casei e tenho dois filhos Louise e André. Depois de morar oito anos em São Paulo, dedicados exclusivamente à família, mudamos para Mogi das Cruzes em janeiro de 2005 por ser uma cidade tranqüila e próxima a São Paulo.
Um belo dia passando pela Delegacia de Ensino de Mogi das Cruzes, acabei fazendo inscrição para dar aulas de filosofia. Optei por lecionar na Escola Estadual ?Antônio Olegário dos Santos Cardoso?. Comecei com quatro aulas, duas no primeiro ano e duas no segundo ano do ensino médio. Nunca havia enfrentado uma sala de aula, pois realizei o estágio da faculdade de filosofia numa comunidade chamada ?Victor Isler?,pertencente à Igreja Católica. Fiz este estágio comunitário, pois na época não havia escola disponível para estagiar.
No primeiro dia de aula na Escola Antônio Olegário dos Santos, senti como se o chão estivesse se abrindo. Já haviam passado 21 anos da conclusão do meu curso. Na realidade foi um grande desafio, procurei ver os assuntos que interessavam à turma, conhecê-los através de um questionário, que aplico todos os anos, nas escolas em que dou aula de filosofia. Meus pais ficaram muito orgulhosos e minha filha Louise também, por eu estar numa sala de aula, trabalhando e valorizando a educação, que eles me proporcionaram, sem exigir algo em troca. Recebendo apenas a felicidade e a realização pessoal.
Em 2007 lecionei para dez turmas em três escolas diferentes: uma ficava na periferia, outra no bairro nobre e a última (na qual trabalho desde 2006) é uma escola localizada praticamente na zona rural.
Nestes dois anos tenho pesquisado, e me dedicado à procura de novos caminhos para chegar ao aluno, levando-o ao questionamento, à reflexão, enfatizando a importância do pensar, procurando alternativas de diálogo. Sinto, porém, que está faltando uma base sólida para edificar meus sonhos em relação ao ensino da filosofia. Por esta razão, procurei fazer cursos de atualização, para começar a preparar a minha base, pois pretendo seguir enfrente e realizar os meus sonhos da infância.
Folheando uma enciclopédia da qual não recordo o nome , vi e li uma passagem de Platão sobre a Atlântida (provavelmente no ano de 1972) eu falei para minha mãe: ?Eu vou ser filósofa?.
Eu acredito que nunca é tarde para começar, e estou aqui só começando, pois os meus pais nos ensinaram que não existe tesouro maior que o conhecimento e a formação.
Marise von Frühauf Hublard