Pobre menina (tão) rica
Filosofia

Pobre menina (tão) rica


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Querida Sofia, 
Conheço alguém que veio morar a Paris, não por vontade própria, mas por seguir alguém – também é justo -, que sempre achou que se sentiria aqui como em casa porque é (muito) abastada e esta é A cidade onde as pessoas abastadas se sentem (geralmente) bem. Lidei por vezes com ela – já lidei mais, hoje nem por isso – e ela era o exemplo vivo que o dinheiro não traz (toda a) felicidade. Não era apenas a omnipresença de dinheiro que lhe fazia mal, era o estatuto que ela se auto-conferia com ele. Passo a explicar: não se a podia convidar para ir tomar um copo a um lugar qualquer, o sítio escolhido precisava ser caro e chique. Se a convidasses para um restaurante, ela dizia que sim, iria ao Google pesquisar, se os preços fossem baixos ou aquilo lhe parecesse popularzinho demais, desaparecia de cena, até ao dia do encontro não diria nada, e finalmente não iria, com uma desculpa de última hora. Desculpas esfarrapadas, sim, porque ela não trabalhava nem estudava, e estava, no fundo, sempre disponível. E assim perdia restaurantes que acho que eram e são... imprescindíveis de se conhecer quando aqui se vive.
Para resumir, sempre marcava planos, depois furava, porque se é para sair, tinha de ser um lugar completamente XPTO porque ela não se mistura(va) com a plebe. Resultado: ela ficava em casa, sozinha (porque finalmente, divorciou-se da pessoa que seguiu até França, mas decidiu continuar por aqui) a ver filmes ou sei lá o que fazia, desde que fosse chique o suficiente para ela. O que eu achava mais infeliz, é que ela comprava roupas apenas (repito... APENAS) de luxo – isto não é um problema em si, sobretudo para mim, que sou uma “brand-whore”–, mas como não tinha (muita) vida social... usava apenas para ela. É uma escolha. Pelo que sei, as Carries desta vida usam vestido de gala dentro de casa. 


O verdadeiro problema para mim era que ela me havia mostrado vezes sem conta o nojo que tinha de pessoas que se vestiam na C&A ou na H&M ou na Zara ou na ASOS ou na Mango ou *qualquer fast fashion que te venha à cabeça agora* (deve sentir uma faca no peito quando as princesas desta Europa aparecem com roupas destas marcas, aposto!). Acho isso meio... retrógrada, triste e pequeno. As pessoas não são (apenas) o que vestem. As pessoas são, sobretudo à primeira vista, o que apresentam ser, por fora e, depois, por dentro. E se o exterior era luxo, o seu ego era um lugar onde mais valia nem se perder. O demais é que, ainda por cima, conheço verdadeiros bourgeois que se vestem na H&M e não têm problema algum com isso. Não compreendo porque isto tanto lhe revulsa o estômago, e se já tive tempo para tentar compreender, já não tenho mais. E acho, no fundo, que quem tem nojo de pessoas assim TEM nojo de mim. Uma pena, porque quando me vinha com esse tipo de discursos irremediavelmente tristes, eu estava sempre com um vestido H&M. E vou continuar a usar H&M e Mango ou o raio que me parta, mesmo que a façam vomitar um pouco dentro da sua boca, porque (já) não presto muita atenção ao que os outros pensam de mim ou gostariam que eu realmente pensasse/fizesse/fosse. Por vezes, quando ainda estava iludida da verdade quanto a ela, saíamos juntas e apresentei-lhe os meus amigos. Olhava-os, geralmente, de alto a baixo, e nem "boa noite" dizia. No início, achava que era simplesmente tímida. Mas hoje sei que os meus amigos não entravam no padrão de pessoas que ela queria ter perto dela, e, para mim, isso também quer dizer que não gostava muito de mim. Ou não tem nada a ver? 
Um dia, marcou um jantar e disse-me que podia levar alguém. Disse-lhe que ia levar o meu amigo X. Ela pediu-me que não, que preferia que levasse a minha amiga Y, porque a Y trabalhava naquela empresa de luxo, e é sempre bom ter gente assim à volta. Oi? Mas... mas... pensei eu... o X é tão mais divertido...! a verdade é que lhe menti, disse que estava ocupada nessa noite (não estava), e finalmente, o tal jantar não se fez. No fundo, ela era miserável. Miserável por dentro, miserável na alma, miserável onde mais nos corrói ser miserável. O marido que já não era marido saiu-lhe de casa, amigos já não os tinha porque tinham escolhido ficar do lado dele – e ela deve ter sido pessoa, no passado, que só saía com o marido e esquecia de ter o seu próprio círculo – e ela, que tanto gostava de sair e se divertir, não saía e não se divertia, contemplando a sua triste e pobre vida de mulher rica. 
Balanço: a atitude dela era uma atitude que *devia* respeitar - como respeito ou tento respeitar as atitudes de todo o mundo, mas que aos poucos, ela se foi revelando e que cada vez menos me seduzia. Não compreendo essa busca incessante de glamour onde nem sempre tem de existir. Eu teria tanto para lhe mostrar, dos sítios mais incomuns aos clichés, dos mais glamorosos aos populares, tudo na medida certa, porque vim para esta vida e esta cidade para ser feliz e vivê-la em pleno, com (quase) tudo o que tem para oferecer. Mas ela... ela não queria conhecer nada (ok, talvez 5%), não queria partilhar nada disto, e acho que quando daqui sair, dentro de dois ou três ou sei lá quantos anos, vai haver dezenas de coisas que nunca vai ter conhecido ou descoberto. Eu também acho divertidos os Ritz e Mama Shelter e bares de hotéis desta vida, é tudo mesmo muito giro e fashion, mas é uma parte ínfima da minha vida. A minha vida, a real, é feita de estudar trabalhar, muito metro, comboio expresso e autocarro, copos com amigos num bar por vezes upa upa, outras vezes, não tão upa upa, dentro de sabrinas tanto da Burberry quanto da ASOS compradas em saldos (e, Lei de Murphy, as segundas são tão mais confortáveis que as primeiras). Acho que tudo na vida é questão de equilíbrio. Equilíbrio esse que ela não tem. Um dia, em que eu estava em muito maus lençóis financeiramente (pois), confessei-me a ela, a dizer que não sabia como iria me desenrascar da situação na qual me tinha metido, para o qual me respondeu “também não sei como vou fazer para renovar a minha nova casa em São Francisco, visto que só consigo lá ir uma vez por mês”. Isto não é tirado de um filme. Isto é um momento verdadeiro da minha vida, algures em 2010. Juro por Deus que nem sempre sei porque me presto a tais papéis, mas pronto. 
Esta pessoa teve um bebé há alguns meses. Felicitei-a e perguntei se poderia ir vê-la com uma lembrancinha (já agora, o que se compra para pessoas assim, que têm tudo e o que não responde aos seus critérios, dá-lhes nojo?). Marcámos um encontro em casa dela, para eu conhecer o pequenino, mas, nessa noite, apareceu-me um trabalho nocturno (hahahaha, parece tão mau dizer isto assim) que não podia recusar, que tinha MESMO de fazer porque precisava comer e pagar o mestrado. Avisei-a via mail, e ela, sempre tão reactiva aos meus mails, não me respondeu. Nunca me respondeu. Esqueci do pormenor: eu tinha de ir trabalhar - algo para o qual não se pensa tanto, mas muito se corre e anda, e era um trabalho bastante digno do qual não me arrependo e voltaria a fazer caso precisasse dos trocos - e isso também lhe dava nojo. Caíu-me a ficha – quanto a este assunto, a esta pessoa e as suas atitudes - algumas semanas mais tarde e tirei-a do Facebook, depois de ver albuns inteiros dela e do seu lindo bebé, provando que estava viva e só não me respondia... porque não queria. E se a tirei do Facebook, tirei-a da minha oh-(não-)tão-glamorosa vida, que sem ela ficou tão melhor, tão menos hipócrita e tão mais rica com a diversidade de pessoas com quem lido. Porque no fundo, sou mais feliz com pessoas que não têm/vêm problema em vestir-se na H&M.



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