The ingredients of the soap opera of my life
Filosofia

The ingredients of the soap opera of my life


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Querida Sofia,
Porque lavar a loiça não é a única novela da minha vida.

Para ter o direito de morar em França, preciso de:
- passaporte
- 3 fotografias recentes
- um exemplar da minha certidão de nascimento traduzida em Francês e certificada pelo estado
- atestado de residência provando que tenha onde morar (que seja uma renda de casa, uma conta de luz ou a carta de um amigo que me dê abrigo/tecto)
- visto de origem do consulado do meu país natal.
- um atestado médico (não pense eu em contaminar um Europeu com sei lá o quê que tenha trazido das Africas, é sabido)
- um formulário com o pedido de título de residência
- um atestado escolar ou do local de trabalho
Resultado: tive de dar um braço mas obtive o direito de entrar em França em 2001.

Para continuar a morar em França, eu preciso de:
- todos os documentos acima
- 3 fotos a preto e branco, recentes
- comprovativo atestando as minhas notas do último ano lectivo passado
- um relatório completo e anual de todas as minhas despesas. Isso dá um maço de 20 e tal páginas de recibos bancários. Viva a Floresta Amazónica.
- uns envelopes com selo para eles enviarem la chose a casa.
Resultado: todos os 6 ou 10 meses, estou ali naquela fila, com um dossiê do tamanho da Bíblia para provar que sou boa menina e quero continuar a morar aqui.

Para ter o direito de ir aos USA:
- todos os documentos acima
- provar que conheço alguém nos USA que me possa albergar
- umas fotos especiais, que não são daquelas de máquina, não! é preciso ir ao fotografo pedir umas, com medidas especiais, não posso sorrir mas também não posso fazer cara feia senão alguém pode interpretar mal
- se tiver nascido em Cuba (meu caso) preencher um formulário para provar que não sou terrorista. Idem para quem nasceu no Afganistão, no Irão e troca o passo
- não ter barba nem ter um nome soando ao Islámico
- 200 euros (ou mais, depende do azar de cada um)
- morrer do coração porque temos de lá deixar o passaporte e enviam pelo correio. Não descansar enquanto o carteiro não trouxer aquele envelope laranja, branco e azul. Com o passaporte dentro, claro. Com o visto dentro, claro.
- ter sorte.
Resultado: Eu tive sorte. Vi pessoas à minha frente na embaixada, em setembro, que não tiveram.

Para ter o direito de ir ao Reino-Unido:
- todos os documentos acima
- ter o bilhete de ida e volta comprado
- uma carta de chamada de alguém que more no Reino-Unido e que prove que vai não somente dar-me tecto mas também cuidar de mim durante toda minha estadia e apoiar-me financeiramente
Resultado: nunca pedi um visto sequer. Parece-me ser do mais complicado que há, apesar de que é o meu sonho ir um dia a Londres.

Para ter o direito de ir à Africa do Sul:
- todos os documentos acima
- a prova que tenho pelo menos 50 euros por dia que queira ficar no país em travelers cheques ou outros afins
- 90 euros (ou mais, que isso deve ter mudado)
Resultado: por acaso, já lá fui um par de vezes. Não me custou um braço mas foram dois dedos.

Para ter o direito de circular na Europa Schengen:
- ter os documentos franceses em dia.
- ter os documentos angolanos em dia.
- ter dinheiro.
- ter a vontade (sim, porque depois da luta para ter tudo, é preciso ainda ter vontade).

Para ter o direito de circular na Europa não Schengen (países como UK):
- ver acima

Países para o qual posso viajar sem nada além de passaporte e dinheiro:
- Angola
- Namibia
Resultado: done.

Para ter o direito de respirar, viver, ser feliz, ser livre, onde eu quero ser feliz e respirar e...:
- ver acima

Se eu fosse Europeia ou Americana, para fazer qualquer uma das coisas acima: viver aqui, viajar:
- nada. Vontade. Dinheiro. Mais nada.
Resultado : não sou, azar. Não posso ir a lugar nenhum, como me dá na gana. Não posso fazer planos de última hora. Tudo é uma valsa, uma estúpida burocracia, porque visto que sou africana, sou SEGURAMENTE uma terrorista morta de fome que vai atacar o país de outrém e SEGURAMENTE viver dos rendimentos do estado para o qual me quero deslocar. Claro.

Objectivo desta carta:
- conseguir provar que a minha vida é "oh tão fácil, oh tão abençoada, oh tão privilegiada". Entender as pessoas que se queixam por tão pouco e sorrir sempre quando dizem que viajar e pegar em bilhetes é "oh tão dificil e oh tão embaraçoso e ah que maçada".

Finalidade desta carta:
- anunciar que amanhã, é o de sempre. Amanhã estou na fila.



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